Sentada sobre a sua virilha fria, os restos que sobraram de mim passam algumas sensações imperfeitas. A vibração que a pressão dos dentes emite ao fazer contato com o metal da faca ressoa por todo o meu crânio. Os lábios cor-de-rosa de boneca escorrem com a saliva que pinga da minha boca meio aberta. As gotículas de amor caem e colorem o abdômen dele. Descendo as mãos, vou estapeando meu quadril em busca do isqueiro que coloquei em um dos bolsos. Ao mesmo tempo, procuro o resto do último cigarro que Elder há pouco fumara.
Ainda consigo ver a marca dos seus lábios sobre a ponta amarelada. Com os dentes, arranco a mesma. Apesar de nunca ter fumado, acredito que esta seja a parte que chamam de "filtro". Que se foda o filtro! É até engraçado com esses tabagistas imundos se preocupam em filtrar algo que vai matá-los de qualquer forma. Mesmo que ele cumpra algum outro papel importante que eu desconheça, não é como se eu fosse me preocupar com isso agora.
Segurando o rocambole de tabaco com a mão esquerda, como se fosse uma pinça, incendeio a sua ponta já chamuscada com o isqueiro na outra mão. Enquanto o faço, observo o rosto adormecido de Elder que descansa abaixo de mim.
Ao pensar na reação que ele teria caso acordasse e me visse fumando dentro do nosso quarto, percebo uma risada acanhada surfando em uma pequena nuvem de fumaça negra com cheiro de borracha queimada, bem na minha frente. Talvez eu tenha queimado um pouco do meu polegar, mas tudo bem, sou uma cancerígena iniciante.
Com o cigarro em chamas, abro o maxilar e deixo a faca babada cair sobre o meu colo. Com a bituca na boca, meus pulmões sugam aquela névoa tóxica e me retribuem com consolo. Soltando a fumaça pelo nariz (como sempre quis), com um majestoso peteleco jogo para longe a bituca da bituca. Ainda sentada em sua virilha, com meus braços apoiando o peso do corpo em seus tornozelos, projeto-o para trás. Erguendo o queixo, levo as minhas pálpebras fechadas a encararem o teto. Êxtase?
Quando lembro das pessoas fazendo isso, elas pareciam sentir tanto tesão. Inalar fumaça, soltar fumaça... e pensar que a única sensação que eu tenho é a impressão de ter chupado as bolas velhas e enferrujadas do Wall-E.
Haha!
Por algum motivo refletir sobre isso me faz lembrar dele. Suas recorrentes interferências sem sentido, que apesar de parecerem confusas à primeira instância, hoje me provocam a acreditar que talvez ele sempre tivera razão em ter feito o que fez. Errada. Domada. Incorrigível. É provável que eu tenha desejado por isso, e mais ainda, que ele tenha percebido através de mim.
Lembro também que nos conhecemos no mesmo dia em que eu conheci a Elder. É... com certeza foi um dia bem movimentado, o turning point da minha vida, eu diria. Se em algum momento eu pudesse adaptá-lo para o roteiro de um filme, não tenho dúvidas que aquele dia seria o começo da história. Tudo que aconteceu antes não importa. Se o agora já é tão irrelevante e forçado, imagine como era a minha vida sem eles por perto.
***
Acompanhei a Larissa na loja quando ela foi comprar o modelo novo do último iPhone. Era lindo. Digno da vagabunda que iria portá-lo dali em diante. E tudo que ela precisou fazer foi babar no saco enrugado de um velho rico qualquer.
— Já te falei que você precisa de um smartphone — disse a minha melhor amiga —, é chato demais ter que ir falar com você pessoalmente sempre que preciso de algo.
Que bom que ela mesmo admitia que minha companhia era refém da sua necessidade.
— Da maneira que você fala até parece que eu não tenho um telefone. Que não pode me ligar.
— Amiga? Quem é que liga para alguém nos dias de hoje? Cê ta louca, é!? — disse Larissa, batendo a quina da caixa do aparelho em minha testa, antes de jogá-la no lixo. — Fora que nesse novo iPhone eles substituíram as opções de chamada pelo Tinder.
