Parte III - Nyshe

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Depois da execução de Ilan, Martha passou quase três dias sem sair de casa. Fora vista pelas pessoas apenas quando visitava o mercado para comprar comida. Arkon e Dorian se ocuparam, tentando tirar a mente do ocorrido também, ajudando com as decorações da festa que estava por vir. Uma enorme fogueira com troncos grossos fora montada na praça central e o patíbulo foi finalmente desmontado, com o corpo de Ilan sendo levado ao cemitério sob escolta dos assistentes contra o grupo de zibalis que fazia dali sua morada. O xerife, mesmo tendo de encarar olhares ressentidos, andava tranquilamente pelas ruas enquanto fumava um charuto.

Durante a tarde do terceiro dia após a execução, na véspera do início das comemorações de Nyshe, Martha finalmente saiu de sua cabana com outro propósito que não o mercado. Ela trazia o enorme livro de couro do xerife nas duas mãos, andava a passos largos na neve, que já havia abaixado mais, com seu rosto sério e corado pelo frio. Usava um chapéu negro de aba larga, feito de feltro e decorado com um laço de mesma cor em formato de uma rosa. Ela se aproximou do xerife e lhe entregou o grande caderno de registros da delegacia.

— Você tem exatamente vinte e duas prisões ilegais somente neste ano, xerife — ela falou alto, queria que todos que estivessem próximos na rua escutassem. — Isso é uma ofensa grave, por isso recomendei ao escritório de inspeção de Golphos que você fosse suspenso. A carta já foi enviada, você deverá receber a ordem de suspensão oficial na primavera do ano que vem. — Ela não esperou resposta dele, apenas se virou e partiu, deixando todos boquiabertos.

— Você não tem o direito... — Tentou dizer o xerife, mas então se calou.

— Aproveite o cargo enquanto pode — ela falou alto, sem se virar para ele.

O xerife ficou vermelho de raiva, que só aumentou ao ver os presentes aplaudirem a atitude da inspetora. O xerife Garles se retirou para a delegacia, bufando. Arkon e Dorian viram a cena enquanto desmontavam o patíbulo e sorriram, satisfeitos com aquela pequena vitória. Desde então, o xerife pouco aparecia na rua, mantendo-se na delegacia junto com seus assistentes. Mesmo quando as festas começaram, eles pouco saíram para comer algo nas barracas montadas na praça principal. A festa era composta, além das barracas simples com tetos de madeira mal cortada, por uma banda de bardos que se comprometera a tocar durante todas as quatorze noites de festança. Um palco de madeira, menor do que o patíbulo, fora erguido encostado na fonte que centralizava a praça principal.

Durante a noite, além da grande fogueira queimando, todos os habitantes acendiam velas e as colocavam nas janelas, para impedir que Onklo entrasse em suas casas sob o manto da escuridão. Aevelm adorou as festividades, pois fez outras amizades além do menino da estalagem, podendo brincar na rua todos os dias. Dorian gripou graças ao clima, mas isso não o impediu de beber aguardente e hidromel todas as noites. Arkon o acompanhava na bebedeira, mas apenas até ficar tonto, pois sabia que o anão tinha uma tolerância muito maior ao álcool. Algumas pessoas paravam em frente ao casaca negra certas vezes, a fim de agradecer pela morte misericordiosa que dera ao velho Ilan. A esposa do condenado aparecera apenas no quinto dia, acompanhada de um gato em seu colo e comendo timidamente o que era oferecido nas barracas.

Martha Vellge também participou das comemorações, recebendo palavras entusiasmadas de gratidão de todos na vila, inclusive participando da típica dança de Nyshe, uma dança feita em volta da fogueira que intercalava entre várias pessoas girando ao mesmo tempo e então todas formavam casais. Durante aqueles dias, somado com a ausência do xerife e seus assistentes durante a maior parte do tempo, as pessoas puderam até esquecer a horrível execução de não muito tempo atrás, focando em celebrar a vida e o fim de mais um inverno gelado. Em uma das noites, Arkon e Dorian estavam sentados em um grande tronco de árvore usado como banco próximo a algumas barracas, um braseiro de ferro queimava ao lado deles.

Negro e Pardo (Conto Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora