Ethan Abbo sempre foi apaixonado pelas manhãs. Quando criança, gostava de acordar antes dos seus três irmãos mais velhos para poder ajudar seu pai na marcenaria e, assim, ser premiado com um bom pedaço da torta fresquinha que seu velho costumava comprar antes de ir para a igreja. Na adolescência, levantava disposto para ir para a escola. Mal comia para evitar de se atrasar, caminhava rápido por entre as esquinas só para chegar na sala a tempo de guardar o lugar para a garota que precisava sentar na frente graças ao alto grau de miopia, uma vez que o destino se encarregava de deixá-la se atrasar todos os dias. No período de faculdade, madrugava apenas para ter o sabor de caminhar com calma, tranquilamente, e aguardar o professor de cálculo já na sala enquanto adiantava questões da lista de exercícios ou escrevia poesias e cartas de amor. Durante a pós-graduação, Ethan reservara as manhãs para sua corrida, querido e necessário hobbie, percorrendo cinco quilômetros antes do sol nascer, e mais dez sob sua luz, estando sempre em boa forma ao almoçar com sua namorada. Porém foram os últimos três anos que trouxeram as melhores manhãs de sua vida.
Rolou na cama, aproximou-se da pessoa que mais ama e a envolveu em um abraço. Valeria reclamou com um murmúrio sonolento, mas logo cessou quando os lábios de seu marido deixaram um beijo no topo de sua cabeça. Ela nunca foi uma pessoa matinal, na verdade. É daquela geração que sempre esteve em contato com a tecnologia, virando noites e noites com vídeos do YouTube sobre grupos de dança e artistas que acompanhava. Na época da escola chegou a devorar livros inteiros em um único crepúsculo. Servia cafés e torradas à tarde, inclusive para aquele rapaz bonitinho que fora de sua escola, enquanto que de noite assistia às aulas e apresentava seminários sobre as obras de Jane Austen. Seu horário produtivo sempre foi à luz das estrelas e ao silêncio. Só que os últimos tempos chacoalharam toda a sua rotina a ponto dela decidir dormir e descansar a qualquer oportunidade, deitando-se cedo e acordando o mais tarde possível. E a ciência de estar sob esse direito a impede de levantar agora.
Ethan saiu do banho e sorriu ao encontrar sua mulher num sono profundo. Caminhou sem fazer barulho e foi direto para a cozinha. Só o aroma do café era o suficiente para abrir-lhe o apetite, mas ainda não podia comer. Contentou-se com mais um gole da caneca, e desligou o fogo quando a água começou a ferver. Então, pontualmente, escutou o adorável "bagabagada" sendo balbuciado do outro quarto e sua esposa se levantando, buscando o filho enquanto o marido termina de preparar a mamadeira, partindo em seguida para preparar o chá de camomila com dois torrões de açúcar.
— Bom dia, papai. — a mãe carregava um enorme sorriso e um pequeno homenzinho no colo.
— Bom dia, campeão. — o pai sorriu, levantando a mamadeira que logo foi alcançada pelos bracinhos do menino e a mãe o ajudou a segurar o recipiente. — E bom dia, Val.
Ela sorriu e o casal se cumprimentou com um selinho. Ethan deixou a xícara servida ao lado da pia, onde Valeria se estabeleceu para preparar os vegetais assim que entregou a criança nos braços do homem, que o sentou na cadeirinha, acomodando-se ao seu lado e o observando tomar vorazmente o leitinho. Naquele instante, não importava mais a dor aterradora que assolou sua alma quando seu pai partiu, não importava a amargura que a reprovação no teste de microgravidade causou há dois anos, não importava todas as vezes que as pessoas duvidaram que, para ele, o céu não chegava nem perto do limite. Pois Ethan encontrava o sentido de toda a sua existência bem ali na sua cozinha, com a sua família.
Valeria terminou de preparar a papinha do pequeno mas parou antes de chegar à mesa, apenas observando-os. O jeito que seu pequenino Benjamin olhava para o pai, apaixonado enquanto sugava o líquido da mamadeira, aqueceu o coração da mãe, bem como a total atenção que Ethan dava para o filho naqueles momentos. Via um no outro, nos olhos castanhos, no nariz, nas orelhas. Benjamin era a versão perfeita de seus pais. Será que seu filho também usará dreads como Ethan usou durante toda a faculdade? Ou se vai se interessar pelas histórias contadas por Orwell ou Dickens? Não dá pra saber ainda. E no meio de tão amável cena, Valeria sentiu seu coração apertar pela antecipação da saudade e deteu-se a um suspiro antes de juntar-se a eles.
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Espacial - One Shot
RomanceAs estrelas não têm medo do escuro porque elas emitem luz. Mas nós, miúdos seres humanos, somos apenas iluminados pelo Sol, e as trevas da noite buscarão toldar nossos corações. Dizem que os Cavaleiros da Távola Redonda carregavam consigo um lenço d...