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Três dias depois, Kylie, de mala na mão, viu-se no estacionamento da ACM,
onde vários ônibus do acampamento recolhiam os delinquentes juvenis. Não podia
acreditar que estava ali. A mãe tinha conseguido... E o pai tinha deixado.
Kylie, que só bebia uns dois golinhos de cerveja, nunca havia realmente
fumado um cigarro — e muito menos um baseado — e, estava prestes a ser
despachada para um acampamento para adolescentes problemáticos.
A mãe tocou seu braço.
— Acho que estão chamando você.
Não poderia haver um jeito mais rápido de a mãe se livrar dela. Kylie evitou o
toque, irritada e tão magoada que já nem sabia o que fazer. Tinha pedido, implorado,
chorado — nada funcionou. Iria para o acampamento. Odiava a ideia, mas não tinha
outra escolha.
Sem dizer uma palavra à mãe e jurando que não choraria na frente de tantas
pessoas, Kylie endireitou o corpo e caminhou para o ônibus atrás da mulher que
empunhava uma placa onde se lia: ACAMPAMENTO SHADOW FALLS.
Droga. Para que tipo de buraco estava sendo levada?
Quando entrou no ônibus, os oito ou nove adolescentes que já estavam lá
ergueram a cabeça e olharam para ela. Sentiu uma coisa estranha no peito e os calafrios surgiram novamente. Nunca, em seus dezesseis anos de vida, quis tanto dar
meia-volta e sair correndo. Fez um esforço para se conter e encarou...
Meu Deus, o que era aquilo?
Uma garota tinha pintado os cabelos de três cores diferentes: rosa, preto e
verde-limão. Outra só usava preto — batom preto, sombra preta, calça preta e
camisa de mangas compridas preta. O estilo gótico não tinha saído de moda? Onde
aquela garota se inspirou para se vestir daquele jeito? Não sabia que as cores
vibrantes estavam em alta? Que o azul era o novo preto?
E havia o carinha sentado bem na frente do ônibus. Tinha piercings nas duas
sobrancelhas. Kylie olhou pela janela para ver se a mãe continuava lá. Sem dúvida, se
ela lançasse um olhar para aquelas figuras, saberia que Kylie estava no lugar errado.
— Sente-se — disse alguém às suas costas.
Kylie virou-se e viu que era a motorista. Embora não tivesse reparado antes,
percebeu que ali até a motorista era esquisita. Seus cabelos grisalhos tingidos de
violeta pareciam um capacete de futebol americano. Não que Kylie a censurasse por
deixar as mechas espetadas alguns centímetros. A mulher era baixinha. Nanica. Kylie
olhou para seus pés, quase esperando dar com botas verdes de duende. Mas não,
nada de botas de duende. Olhou para frente do ônibus.
Como aquela mulherzinha conseguia dirigir?
— Vamos, Vamos — disse a nanica. — Tenho que deixar vocês lá na hora do
almoço, portanto vá andando.
Como todos os outros já estavam sentados, Kylie supôs que a mulher estivesse
falando com ela. Deu alguns passos pelo corredor do ônibus, sentindo que sua vida
jamais seria a mesma.
— Pode se sentar aqui comigo — disse uma voz. O garoto tinha cabelos loiros
encaracolados, mais loiros até que os de Kylie, mas os olhos eram tão escuros que
pareciam pretos. Deu uma tapinha no assento vazio ao lado. Kylie tentou não olhar muito, mas aquela estranha combinação de claro/escuro era irresistível. Então o
garoto arqueou as sobrancelhas como se... Como se o fato de ela se sentar ao seu lado
significasse que poderiam transar ou coisa parecida.
— Obrigada — Kylie deu mais alguns passos, arrastando a mala, que se
prendeu na fileira de assentos onde estava o garoto. Ela se virou para puxá-la. Seu
olhar se cruzou com o dele e Kylie conteve a respiração. O loiro agora tinha... Olhos
verdes! Olhos verdes brilhantes, muito brilhantes.
Como aquilo era possível?
Engoliu em seco e observou as mãos dele. Talvez estivesse segurando uma
caixinha de lentes de contato, que acabara de trocar... Nenhuma caixinha. O jovem
arqueou de novo as sobrancelhas e, quando ela percebeu que estava olhando para
ele, procurou se apressar para desprender a mala.
Passado o calafrio, seguiu para assento que ela mesma tinha escolhido. Antes
de se sentar, notou outro garoto atrás, sozinho. Esse tinha cabelos castanho claros,
repartidos de lado e descendo quase até as sobrancelhas escuras e os olhos verdes.
Olhos verdes normais, mas a camiseta azul clara do garoto os realçava. Acenou com a
cabeça para Kylie. Nada de muito esquisito, graças a Deus. Pelo menos, havia uma
pessoa normal perto dela no ônibus.
Já sentada, olhou novamente para o carinha loiro. Mas ele não estava olhando
para ela, por isso Kylie não pôde ver se a cor de seus olhos tinha ficado diferente de
novo. Mas então reparou que a garota do cabelo tricolor tinha alguma coisa nas
mãos. Conteve mais uma vez a respiração.
A garota segurava um sapo.
Não uma rã — uma rã ainda seria admissível —, mas um sapo. Um sapo
horroroso e coaxante. Que tipo de menina pintava os cabelos de três cores e levava
um sapo para um acampamento? Que droga, talvez fosse um daqueles sapos com
alucinógeno na pele, que as pessoas lambem para ficar doidonas.
Tinha ouvido falar deles num seriado de crimes idiota da televisão, mas
sempre achou que fosse bobagem. Não sabia o que era pior: lamber um sapo para
ficar doidona ou carregar um sapo por aí só para parecer extravagante.
Colocando a mala no assento vazio do lado, para que ninguém se sentisse
tentado a ocupá-lo, Kylie suspirou fundo e olhou pela janela. O ônibus ia muito
rápido, embora ela não imaginasse como a motorista conseguia alcançar os pedais.
— Sabe como chamam quem vai para o nosso acampamento? — a voz vinha
do lado do assento onde estava a garota com o sapo.
Kylie supôs que não era com ela, mas ainda assim virou a cabeça. Como a
garota olhava diretamente para o seu rosto, achou que tinha se enganado.
— Quem? — perguntou Kylie, tentando não parecer nem muito simpática
nem muito antissocial. A última coisa que queria era irritar aquelas aberrações.
— Os caras que vão para os outros acampamentos. São seis acampamentos
num raio de cinco quilômetros em Fallen — com as duas mãos, ela repuxou os
cabelos tricolores para a nuca e os manteve assim por alguns segundos.
Kylie notou então que a garota não estava mais com o sapo. E não havia por
perto nenhuma caixa ou coisa semelhante onde ela pudesse ter guardado o bicho.
Era só o que faltava. Dali a pouco um sapo com a pele cheia de alucinógenos poderia
saltar em seu colo num piscar de olhos. Não que os sapos a matassem de medo ou
coisa assim. Só não queria que pulassem em cima dela.
— De “osso duro de roer” — disse a garota.
— Por quê? — Kylie acomodou os pés na beira do assento, no caso de algum
sapo aparecer saltitante por ali.
— O acampamento antes se chamava Bone Creek, que significa Riacho dos
Ossos — explicou a garota —, por causa de uns ossos de dinossauro que acharam no
local.
— Ah — interrompeu o carinha loiro —, também nos chamam de “osso
duro”...
Ouviram-se risinhos maliciosos nos outros assentos.
— Qual é a graça? — resmungou a garota de preto num tom tão irritado que
Kylie estremeceu.
—Não sabe o que é ter o osso duro? — continuou o Loirinho. — Então vem cá
que eu te explico.
Quando ele se virou, Kylie viu de novo seus olhos. Mãe do Céu! Estavam
dourados, da cor dos olhos de um felino. Lentes de contato “radicais”, sem dúvida. Só
lentes poderiam produzir um efeito daqueles.
A Garota Gótica se levantou como se fosse sentar ao lado do loiro.
— Não faça isso — disse para Garota do Sapo, sem o sapo, levantando-se
também e cruzando o corredor até a Garota Gótica, para sussurrar alguma coisa em
seu ouvido.
— Que merda! — a Garota Gótica voltou a se sentar. Em seguida, olhou para
o Loirinho e lhe apontou uma unha pintada de preto. — Nem pense em me
aborrecer. Como coisas maiores que você na calada da noite.
— Alguém aí falou em calada da noite? — a voz vinha dos fundos do ônibus.
Kylie se virou para ver de quem era a voz. Outra garota, em quem Kylie não
tinha reparado, levantou-se. Tinha cabelos muito pretos e usava óculos de sol quase
da mesma cor. Sua pele é que a fazia parecer anormal. Pálida. Sem cor.
— Vocês sabem por que mudaram o nome do acampamento para
acampamento Shadow Falls? — perguntou a Garota do Sapo.
— Não — disse alguém na frente do ônibus.
— Por causa da lenda indígena de que, no crepúsculo, se você ficar de pé
debaixo da cachoeira, pode ver as sombras dos anjos da morte dançando.
Anjos da morte dançando?
O que havia de errado com aquela gente? Kylie agitou-se no assento. Seria um
pesadelo? Talvez parte de seus terrores noturnos? Afundou-se no estofamento macio
e tentou acordar dos sonhos do jeito que a Dra. Day tinha ensinado.
Concentração. Concentração.
Inspirou fundo pelo nariz e expirou pela boca — cantarolando baixinho, ao
mesmo tempo, É apenas um sonho, não é real, não existe. Ou não estava dormindo
ou sua concentração tinha embarcado no ônibus errado. Preferia muito mais sonhar
num ônibus diferente. Ainda incapaz de acreditar nos próprios olhos, começou a
observar os outros passageiros. O Loirinho se virou para ela e suas pupilas eram
negras de novo.
De arrepiar.
Ninguém mais ali percebia que aquilo não era normal?
Virando-se de novo no assento, olhou para o garoto que havia considerado o
mais normal de todos. Seus suaves olhos verdes, que lembravam os de Trey,
encontraram-se com os dela. Em seguida, ele encolheu os ombros. Kylie não sabia
exatamente o que significava o gesto, mas de fato o garoto não parecia nada esquisito
— o que, de certo modo, o tornava tão esquisito quanto os demais. Kylie se recostou
no banco e, tirando o celular da bolsa, começou a digitar uma mensagem para Sara.
Ajude-me! Enfiada num ônibus cheio de monstros. Monstros de verdade!
Kylie recebeu a resposta de Sara quase imediatamente:
Não, você é que precisa me ajudar. Acho que estou grávida.

Nascida à meia noite - Saga Acampamento Shadow FallsOnde histórias criam vida. Descubra agora