17 - «É A CRIANÇA!»

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Na tarde do dia seguinte, três membros da Família Grande encontravam-se na biblioteca do cavalheiro indiano, fazendo o melhor que podiam para o animar e distrair. Estavam ali com esse propósito porque ele os convidara especialmente. Há já algum tempo que vivia na expectativa e naquele dia aguardava com muita ansiedade um determinado acontecimento: o regresso de Moscovo do Sr. Carmichael. A sua estada havia-se prolongado de semana em semana. Ao chegar à cidade, não conseguira localizar a família de que fora em busca, e, quando por fim a encontrara e se dirigira à sua residência, fora informado de que estavam ausentes em viagem. Tendo-se esforçado tanto para chegar até eles, decidiu permanecer em Moscovo até que a família voltasse.

O Sr. Carrisford estava sentado na sua poltrona e Janet no chão, a seu lado. Tinha um grande carinho por Janet. Nora encontrara um escabelo e Donald estava montado na cabeça do tigre que ornamentava o tapete feito a partir da pele do animal. É preciso que se diga que a cavalgava com grade alarido. Janet ralhou-lhe:

– Não faças tanto barulho, Donald. Quando se vai animar uma pessoa doente, não o fazemos aos gritos. Estamos a fazer muito barulho, senhor Carrisford? – perguntou ela ao cavalheiro indiano.

Ele limitou-se a dar-lhe umas palmadinhas afetuosas no ombro.

– Não, não estão. E sempre me impedem de pensar demais – respondeu ele.

– Eu vou fazer pouco barulho. Vamos todos ficar tão caladinhos como os ratos – gritou Donald.

– Os ratos não fariam esse barulho todo – realçou Janet.

Donald fez umas rédeas com o seu lenço de assoar e continuou aos pulos na cabeça do tigre.

– Um bando de ratos faria. Um milhar de ratos talvez fizesse – argumentou ele, muito animado.

– Não acredito que cinquenta mil ratos fizessem. E temos de ficar tão calados quanto um rato – fez notar Janet, num tom mais severo.

O Sr. Carrisford riu-se e deu-lhe mais umas palmadinhas no ombro.

– O papá já não deve demorar. Podemos falar sobre a menina perdida? – inquiriu Janet.

– Creio que neste momento não conseguiria falar sobre outra coisa – disse o cavalheiro indiano, franzindo a testa com uma expressão cansada.

– Gostamos muito dela. Chamamos-lhe «a princesinha desfadada» – revelou Nora.

– Porquê? – quis saber o cavalheiro indiano. As fantasias dos membros mais novos da Família Grande faziam-no sempre esquecer um pouco as angústias.

Foi Janet quem respondeu.

– Porque, embora ela agora não seja uma fada, ficará tão rica quando for encontrada, que será como uma princesa de um conto de fadas. A princípio chamávamos-lhe a fada princesa, mas parecia que não combinava.

– É verdade que o papá dela deu todo o seu dinheiro a um amigo para colocar numa mina que tinha diamantes e depois o amigo, achando que estava tudo perdido, fugiu convencido de que era um ladrão? – perguntou Nora.

– Mas não era – apressou-se Janet a acrescentar.

O cavalheiro indiano pegou-lhe na mão.

– Não, na verdade, não era – asseverou.

– Tenho pena do amigo, não consigo evitá-lo. O sucedido não foi culpa dele, e tenho a certeza de que foi um grande desgosto para ele. Estou certa de que ficou destroçado – disse Janet.

– És uma jovem muito compreensiva, Janet – elogiou-a o cavalheiro indiano, apertando-lhe a mão.

– Falaste ao senhor Carrisford da menina-que-não-é-mendiga? Contaste-lhe que ela tem roupas novas e bonitas? Talvez tenha sido encontrada por alguém quando se perdeu – gritou de novo Donald.

A Princesinha (1905)Onde histórias criam vida. Descubra agora