Pietra

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Trilha sonora no Spotify: Pietra - Soundtrack

Capítulo I: As cordas

Pego um copo imundo na pia para tomar uma dose.
Meu nome é Ali e esse é o último ato do meu episódio final.

Para com isso, babaca.
Não me venha romantizar essa merda.

Essa é a minha mente me animando.

O chuveiro parece resistente.
A corda tem a medida ideal.
Deixo a gravidade fluir.
Sons guturais involuntários ecoam no banheiro.
Segundos parecem horas.
Até o fim parece não acabar.
Obstrução respiratória.
Finalmente, a asfixia me alivia.
Paz.

Sempre que me perco em minhas culpas, me encontro fantasiando este momento.

Talvez seja melhor voltar a tomar aquelas pílulas.
Talvez.

Olho pela persiana e aquela maldita bruma ainda está lá fora.
Não sei se é noite ou dia.
Não sei por quanto tempo estou aqui.
Só sei que vou encontrá-la.

A polícia não tem qualquer pista, claro.
Hackeio os dados da inteligência deles e as câmeras de vigilância da cidade nada revelam.
Naquela tarde havia muitos populares no local e um ponto cego bem onde eu estava.

Converso com todos meus contatos, e nada.
Me fudi. Hora do plano B.

Severo, diminuição de Severino, é um apelido que diz muito.
E esse traste é minha última esperança.
Tenho acesso a ele porque todo mundo tem um passado.
Já fiz muita merda.

Ele se esconde num bunker na Rua Helvétia,
área esquecida do quadrante onde o comércio de estimulantes, ansiolíticos, armas e corpos, divide espaço com seres invisíveis que se arrastam em busca de alívio.

Me identifico aos sentinelas que guardam a porta.
Um deles se comunica com alguém e, em seguida, gesticula permitindo minha entrada.

Desço por escadas úmidas que exalam enxofre.
Desço tanto que pareço buscar o inferno.

Mais alguns degraus e estou diante de uma porta pesada de ferro entreaberta.
Sou recepcionado por um humanoide patético que me saúda:
Olá, como posso tornar sua visita mais agradável?

Bang!
Acho que isso responde sua pergunta.

Passo pelo acesso e trevas se transformam em glamour.
Pé direito altíssimo, detalhes em ouro do rodapé ao teto,
diamantes encravados na lareira e obras de pintores anciãos.
O ambiente é um verdadeiro palácio subterrâneo de dar inveja a Luís XVI.

Não se deu muito bem com o Charles? – Severo grita e solta uma escandalosa gargalhada.

Vejo meu velho conhecido boiando em sua suntuosa piscina.
Sunga, peito cabeludo à mostra, bebendo gin tônica e, claro, ostentando seus braços biônicos que mais parecem peças de design, um adereço de moda. O criminoso mais "procurado" da galáxia mais parece uma versão cyberpunk do Borat. E, ironicamente, Policy of Truth do Depeche Mode toca tão alto que meus tímpanos pulsam como alto-falantes.

Ali, que bela surpresa! – me felicita, ainda berrando e sorrindo,
enquanto sai da piscina e veste um roupão de veludo.

Ânsia, só de ouvir a voz desse pilantra.

Preciso de sua ajuda. Minha filha foi levada durante a festa de São Damião na Praça da Catedral.
Sabe de algo? – investigo.

QUÊ?! – ele retruca.

Me aproximo e repito ao pé d'ouvido dele.

E como poderia eu negar um pedido tão nobre, não é mesmo?
Será uma delícia ajudar, mas antes preciso de um favorzinho, boneca.
– Severino acrescenta.

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