Roberta não tinha medo do escuro, mas aquilo já era humilhação demais.
O dia todo aconteceu meio numa vibe "dias de luta, dias de glória", mas a glória por algum motivo não tinha aparecido.
Tudo começou quando amanheceu chovendo. Nenhum dia que amanhecia chovendo podia ser bom. Estava fazendo um friozinho bom para ficar na cama, com muita cerração. Os morros estavam branquinhos, como sua avó costumava dizer quando ainda era viva.
Por causa desse frio, Roberta enrolou na cama e, quando viu, já eram nove horas. Não que tivesse algum compromisso ou emprego que precisasse comparecer, mas gostava de levantar cedo e, quando não fazia isso, sentia que atrasava seu dia.
O começo do dia foi tão errado que só quando sua mãe estava colocando o arroz e o aipim na mesa e disse "animada para seu curso?" que ela lembrou que seu curso de autodefesa contra mortos-vivos começava naquele dia. Ainda bem que sua mãe era mais organizada que ela e serviu o almoço num horário que deixava que Roberta se preparasse com calma. Mesmo assim, o calor absurdo de doze graus a deixou preguiçosa e ela conseguiu se atrasar.
O prédio onde as aulas aconteceriam tinha uma aparência de abandonado, como todas as construções àquela altura do pós-Acontecimento. Nos dois primeiros anos as pessoas até se preocupavam em manter tudo bonito para quando as coisas voltassem ao normal, mas depois elas foram desistindo de pintar os prédios, regar as plantas e cortar a grama. Os ambientes foram então se deteriorando até que a cidade ficou parecendo abandonada. A única coisa que nunca tinha parado de funcionar eram as grandes indústrias.
Roberta entrou e teve que parar na recepção para saber qual seria sua sala, o que acabou a atrasando ainda mais. Ainda bem que, quando chegou, o professor ainda não havia iniciado a aula. Ele apenas a olhou torto enquanto ela entrava de fininho e se sentava na primeira cadeira livre que encontrou, mas ela fingiu não perceber. Professores farejavam o medo. À sua direita, com umas duas cadeiras de distância, tinha uma menina muito bonita, mas que não parecia estar muito disposta a conversar, então Roberta deixou pra lá.
O curso deveria ensinar as principais técnicas para se matar zumbis, essa praga que tinha se alastrado desde o Acontecimento. Como era a primeira aula, entretanto, o professor estava dando apenas conteúdo introdutório que se resumia a slides com a apresentação dele, estatísticas sobre zumbis e sobre o mundo nos dias atuais. Roberta estava quase morrendo de tédio quando o professor – seu nome era Douglas – terminou os slides e desligou o projetor. Ele voltou até sua mesa mancando com a sua muleta, se encostou nela e disse:
– Agora eu preciso saber se vai valer a pena ensinar o que eu sei para vocês. O que vocês esperam fazer com o que aprenderem aqui?
Todo mundo começou a falar ao mesmo tempo e a sala virou uma bagunça. O professor esperou – meio impaciente, mas esperou (mas até aí, ele não parecia ter paciência com as coisas) – até que todo mundo parasse de falar. Ele começou então a apontar aleatoriamente para alguns alunos e perguntar para cada um individualmente.
Roberta estava torcendo para que ele apontasse para ela. Ela provavelmente tinha o melhor motivo de todos eles. A grande maioria só queria aprender a se defender e garantir sua sobrevivência.
O professor finalmente apontou para ela. Roberta se empertigou, limpou a garganta e disse:
– Eu quero ser uma heroína nacional matadora de zumbis. Vou ajudar o país a se reerguer e acabar com essa praga que são os mortos-vivos.
A sala ficou quieta por alguns segundos. A risada do professor foi o que cortou o silêncio.
– E como exatamente você planeja fazer isso? Usando todos os vastos conhecimentos desse cursinho de combate a zumbis para juntar um exército e sair destruindo todos os zumbis que encontrar no seu caminho?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sob a Luz da Lanterna
Cerita PendekRoberta não tinha medo do escuro, mas aquilo já era humilhação demais. Capa feita pela @ioprudente