Santa Claire

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Amanheceu, e a mesma posição que a dias se repete volta ao repertório. Os joelhos doem, resultado do intenso e repetitivo contato com o solo. O olhar permanece fixo altar do templo. A expressão é fria, de quem perdeu a fé. Mesmo com as dificuldades o homem continua rezando. Outra manhã, o mesmo ritual. O solado de seus sapatos já tem o formato da grande escadaria do templo dos ossos, suas pernas estão fortalecidas pelo caminho. Falta criatividade na criação de orações:
- Talvez esteja enjoada de ouvir as mesmas palavras.
O dinheiro gasto em bodes para os sacrifícios é considerável , suas armas são abençoadas ao pé do altar e conforme os dias vão passando, a esperança em obter respostas vai acabando. Repetindo o corriqueiro ritual de oferecer à seu anjo a espada, lembranças e perguntas vêem à mente:
- Talvez os inimigos mortos não foram suficientes.
   Quando tudo parecia perdido, a presença sentida no local trazia novamente a esperança. O homem se vira, e com a felicidade de quem tem uma prece atendida, se depara com um rosto que sempre o trouxe alívio, e que por um longo tempo não aparecia. O rosto era de Claire, o mais belo e poderoso anjo. Claire tinha a pele clara e brilhante. Brilho que outrora traria luz à vida de seu fiel servo, efeito que foi por muito tempo sentido. Seus cabelos eram pretos, a mesma cor de seus olhos. Os olhos que transmitiam ternura e inocência, estavam cheios de raiva e decepção ao ver a imagem borrada daquilo que já foi um dia sua esperança na humanidade.

- Me chamou?
Disse Claire, com ar de quem não queria estar ali.

- Sim. A muito tempo chamava pelo seu nome minha senhora.

- Então, o que precisa?

- Vim lhe comunicar, minha senhora, que consegui! Consegui o que mais queria... Amanhã, comandarei o exército da santa igreja em direção a casa dos aliados de satanás.

Ferreira tinha confiança em suas palavras. O objetivo de sua vida foi alcançado, o que o deixou orgulhoso e confiante que seu anjo protetor sentisse a mesma coisa. Mas não foi bem essa a reação de Claire:

- Você agora é comandante? Perguntou Claire.

- Sim, eu consegui, graças a você...

- Como assim???

- É claro minha senhora. Sem você eu não teria minhas habilidades em combate, minhas riquezas, minha mulher e com certeza a coisa que mais amo, meu filho.

Sua mulher, a senhora Clarice Ferreira, que havia se apaixonado por ele já na infância, era estéril. E uma das primeiras coisas que Ferreira pediu para Claire foi isso, que sua esposa pudesse te dar um filho.

- Vejo que não mudou desde a última vez que te vi, mais eu quero te fazer um pedido no meio de tudo isso...

Assustado, Ferreira diz:

M... Mais é claro, minha senhora, pode dizer!

Claire respira, toma coragem e fala:

Eu... Preciso que... Não vá amanhã Carlos...

- O QUE???

- Não lidere os exércitos amanhã... Preciso que fique na cidade, com sua família.

Um silêncio torturante ficou por um momento no ar. A impressão que ficou foi que Claire o tivesse testando. Então ele toma coragem e diz:

- Não... Eu não posso... Me desculpe senhora, mas eu fiz um juramento...

Os dois se olhavam fixamente. Claire queria a explicação, por quê um pedido simples não poderia ser atendido? Enquanto Ferreira torcia para que sua protetora o entendesse e não o abandonasse.

- No momento em que fiz o ritual para me tornar o chefe de pelotão, fiz um juramento. Lá dizia que era minha obrigação perante deus e a santa igreja de liderar o exército da salvação por qualquer lugar do mundo.

Claire continuava ouvindo. Ela sabia que tudo era hipocrisia, Ferreira não desistiria por seu orgulho, e não por um motivo nobre. Ele queria estar ali, e queria mais que qualquer coisa:

- Além do mas, o que posso fazer? A senhora sabe que tenho muitos pecados, só vou conseguir minha redenção se usar a palavra de Deus, a bíblia. Em Mateus 34:12 está escrito que todo filho de Adão que lutar ao lado de deus e da santa igreja na guerra santa será perdoado de seus erros, assim na terra como no céu.

O silêncio novamente pairou por aquele templo. Foram cinco longos e silenciosos segundos até Claire desaparecer.

Ferreira caiu de joelhos novamente. Pensativo, achou que seria a última vez que veria o anjo que te deu tudo.

Sem tempo para lamentar ele se levantou, a noite até o combate santo seria longa e pensativa...

Caminhos de St. ClaireOnde histórias criam vida. Descubra agora