Viagem ao inferno interior

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  A marcha é sentida a milhas distantes.   Os passos são rápidos e cheios de fúria, os soldados presentes sabem que haverá sangue. O calor do coração dos guerreiros é facilmente confundido com a quente manhã em que  Ferreira e seu exército caminha rumo a cidade dos hereges.  Cada homem tem a confirmação da igreja. As habilidades são magníficas, é como se o próprio Deus os guiasse em combate. Força e técnica que não são vistas em outra parte do mundo. O uniforme branco com a cruz vermelha no peito assombrava todos os inimigos do papa, com havia medo respeito e por onde eles passavam.

  Os integrantes do exército da salvação, travestidos de causas nobres como defender Deus e a igreja, lutar pelos pobres e indefesos entre outras coisas, era formado em sua maioria por crápulas, que descarregavam sua maldade interior em cada alvo. Estupros, roubos e mortes eram comuns. Muitos ficaram ricos com as missões que participaram. Essa era a causa principal de se juntarem ao exército. Quem luta pelos ideais da igreja, segundo o profeta Matheus, está perdoado de seus crimes. Pra muitos foi como matar dois coelhos com uma cajadada só, riquezas e grandes lutas pelo caminho, enquanto a consciência estava tranquila pelos pecados que seriam absolvidos.
  Felipe era a mão direita de Ferreira e os pecados que o mesmo hoje se preocupava em reparar, tinham em sua maioria a presença do fiel amigo. O treinamento militar dos dois foi praticamente o mesmo, a diferença era Claire, que só apareceu e presenteou com a graça um deles.
  Felipe tinha inveja de seu parceiro por isso. A espada de Ferreira, que foi presenteada pelo anjo, era o item mais cobiçado. Na sua cabeça, Ferreira podia ficar com a força, a rapidez e todas as outras vantagens se a espada fosse sua. É claro que isso era um segredo. Felipe amava Ferreira mais que tudo e a vida tratou de guiar os dois amigos até aquele momento.

  - Ali esta comandante, essa é a cidade dos hereges.
  - É menor que eu pensava, quantas pessoas lá dentro?
  - Bem... Alguns milhares, mas não passam de camponeses desarmados. - Disse Felipe em um tom de deboche.

  Às paredes de Caputâ já estavam tremendo só com o eco da notícia que o exército da salvação estava  em sua caça. Tudo piorou quando a trombeta que avisava a proximidade dos inimigos soou.
  O combate era completamente desleal. Cem anos atrás, após a crise de 2065, todos os grandes líderes do mundo concordaram que a igreja deveria controlar o planeta. Um dos primeiros decretos foi o desarmamento em massa. A igreja concentrou todo o poder bélico consigo, e tornou ilegal o porte de armas. Caputâ não teria defesa. Seus líderes viram com isso a intenção clara do papa ao exigir essa norma, todos os que afrontavam a igreja de alguma forma iriam sucumbir, e caputâ seria a próxima.
  O exército posiciona o cerco nas paredes da cidade. Próximo a entrada Ferreira tenta avisar a todos:
  - Aviso hereges, rendam-se agora ou preparem-se para receber a ira de deus e da santa igreja sobre suas casas! - Bradou Ferreira! Sua voz corria pelos assustados corredores de Caputâ , dando calafrios na espinha até do mais bravo soldado dentro da cidade.
  A  resposta que o exército santo recebeu foi o chão se abrindo sob seus pés, a linha de frente cai e uma parte do exército sucumbe:
  - Recuar!!!
  O grito trouxe esperança a caputâ. Seus defensores por um momento tiveram a esperança de sair vivos daquela situação. Mas era tudo em vão, pois não havia no mundo muros em que a igreja não entrava, principalmente agora que seu mais dedicado comandante ardia em fúria.

   Já se passaram duas horas desde a queda de cem homens do exército santo. Alguns soldados tentaram entrar no buraco e tirar as estacas, mas só serviu pra revelar a genialidade das armadilhas. O próprio Deus teria que assumir isso. Outra parte deu a volta na cidade a procura de outra entrada, mas só encontraram armadilhas.
  A demora em achar solução era grande, o esforço e recursos utilizados para passar pelo buraco estava danificando os cofres da missão. E o pior para Ferreira era ouvir a festa que os hereges faziam por ter contido o exército. Medidas extremas eram necessárias nesse caso, Ferreira preparou sua artilharia e mandou granadas alvejando a cidade. Nem o mais forte dos soldados conseguiu jogar um projétil a trinta metros de altura, a raiva só ia aumentando. O comandante não conseguia raciocinar bem quando estava sobre efeito de seu orgulho ferido e Felipe sabia disso. O inteligente do grupo era ele, Claire não havia dado esse poder para Ferreira. Por isso o segundo no comando reuniu alguns homens e com ferro e armaduras improvisou uma ponte. Ela passaria por cima da armadilha dos hereges, deixando o exercício a frente da cidade.
  Com o êxito da ponte, os portões de caputâ estavam prestes a cair. O barulho dos cantos de comemoração deu lugar a batidas violentas em sua última defesa. O cheiro de esperança deu lugar ao odor da morte, carne e sangue, eles celebraram cedo demais...
  A fúria deu lugar a concentração. Ele estava ali, em frente à cidade, esperando os portões caírem. Sua raiva estava sendo absorvida pela sua espada, muitos de seus soldados presenciavam pela primeira vez seus poderes não humanos. A impaciência tomou conta, Ferreira corre em direção aos portões e com um chute digno de um deus põe fim a agoniante espera dos hereges. O exército santo mais uma vez venceu. Eternos segundos até o grito que autorizava o pelotão correr em direção a cabeça de seus inimigos. O "homem" dispara na frente, enquanto seus soldados tentam assimilar como é possível  o portão ser quebrado com um chute.
  Descontrole e raiva foram os combustíveis de Ferreira em direção aos primeiros guardas de Caputâ. Quando voltou em si Felipe se recompôs e também invadiu a cidade com os guerreiros. Ao ver o enviado de Claire rasgando seus inimigos lembranças vêem a sua mente trazendo consigo o fato dele e dos soldados estarem ali apenas para assustar os hereges, pois em outras ocasiões Ferreira limpou cidades sozinho.
  Foi um erro achar que a cidade estava desarmada. O mercado negro por conta do desarmamento faturava muito por ano, e a demanda vinha das pessoas que se opunham a igreja. É claro que não havia muita diferença. Além dos soldados protegidos com armas e o treinamento, o santo exercíto ainda tinha a besta a sua frente; com seus poderes sobrenaturais, uma verdadeira maquina de matar.
  O banho de sangue estava tomado. Ferreira passava por entre as ruas e não sobrava muito além de lendas. Mulheres, criança e idosos, todos pagando pela afronta que Caputâ fez ao desafiar o papa e seu exército. Seus comandados vinham logo atrás, era impossível acompanhar o fôlego do "homem" e sobreviver pra contar a história.
  Felipe, que nessas horas já não tinha a conta de quantas pessoas havia matado, encontrou um templo muito estranho no meio da cidade. A aparência era sombria, de um lugar velho. As portas foram lacradas por dentro e sobre eles havia um símbolo do compasso e o triângulo, que identificava os líderes hereges daquela cidade:

Caminhos de St. ClaireOnde histórias criam vida. Descubra agora