Primeira capital, Luvertown - A cidade dos tolos

15 1 0
                                    

Medo é a atmosfera daquele lugar. Já se passaram três minutos desde o início da sua queda no abismo e nada, Ferreira continua caindo na direção do desconhecido.

O buraco é quente, barulhento, tem pessoas penduradas fazendo esforços incríveis para se segurar, com medo de uma morte horrenda e dolorosa. Outras escalando, coisa impossível de se fazer, pois o abismo é quase infinito, e mesmo que as almas condenadas conseguissem, o portão foi trancado, impossibilitando a abertura por dentro, e aí é onde a tortura começa...

A demorada queda continua e o clima tenso aumenta, o calor queima e estilhaços de metal cortam a pele. A visão que Ferreira tinha sobre a ida ao inferno nos seus tempos de homem santo era muito mais agradável que essa. A imagem era de duas almas perturbadas e negras, que carregaria o pecador ao seu destino final. Pobre tolo, depois do quarto minuto de queda livre, ele estava implorando para que dois demônios o vinhessem carregar.

  Finalmente o chão aparece, o calor aumenta e pra piorar, o cheiro de morte com enxofre também. Gritos desesperados, medo por toda parte, Ferreira se prepara, quando finalmente acontece. O impacto é forte, ele sente todos os ossos de seu corpo quebrar, como se estivesse sendo moído vivo, é uma dor insuportável, digna do mais terrível inferno... Indescritível. Gritos de dor de um corpo destruído saem de sua garganta seca, mas quando se olha, não vê ferimento algum, como em uma mágica demoníaca. Ferreira se levanta e olhando ao redor, a dor vai lentamente passando, terminando vagarosamente o ilusionismo infernal, enquanto ele se depara com uma espécie de portão velho e enferujado a alguns metros.

O sacrifício daquele homem é louvável e ao mesmo tempo justo. Admirável pois, sacrificar sua salvação e eternidade por um filho, temos que admitir, não é qualquer um que faria isso. E justo por que foi pelos seus pecados que sua cria estava naquela situação. Sua coragem ao pular no abismo foi como a de grandes heróis históricos, mas ainda não era o bastante e o portão antigo que estava a alguns metros parecia o começo da jornada.

Um tipo de vale é onde a queda se deu fim, montanhas pelos lados, na mesma forma dos últimos quatro minutos de pedra que Ferreira viu durante a descida. Almas condenadas continuam a cair; algumas tem a dor tão forte que não conseguem se levantar; outras, já estão ali a mais tempo, como quem conhece bem o lugar. Elas observam o santo homen, sentem nele o cheiro que as falta; ... vida...; sentem inveja dele...; o olhar tem a fúria de quem vai atacar.

Quando Ferreira retira sua espada e se prepara para a feroz luta contra as almas, algo estranho acontece, uma dezena de cães infernais aparecem do nada e atacam vorazmente todas as almas que estão presentes naquele vale. Os gritos de horror são ensurdecedores, pobres criaturas, já condenadas ao inferno, sem defesa sendo dilaceradas por cães famintos e sedentos por sangue. Morrer uma vez não foi o bastante para pagar seus inúmeros pecados, então eles estão ali, diante de uma segunda e provavelmente mais sangrenta punição divina. Ferreira nota que as almas não perecem. Elas ficam ali, agonizando com suas barrigas e gargantas dilaceradas; outras se regeneram, e ganham vida novamente, só para serem atacadas e usadas como diversão pelos cães do inferno...

Agora que quase todas as almas estão banidas, os cães vem atrás do que vieram pegar, Ferreira, que pela primeira vez sente uma emoção estranha. É algo difícil de explicar, Ferreira já lutou contra milhares de exércitos, já enfrentou tiranos, hereges, os seres mais grotescos da criação de deus e nunca sentiu isso... Mais agora ele está ali, com sua espada na mão e tremendo... É uma sensação nova para ele... No inferno, ele encontrou algo diferente, algo inédito em sua vida. O suor começa a escorrer frio em sua testa quando Ferreira percebe que sentimento é aquele... Ferreira lentamente descobre que no inferno ele encontrou... O medo...

Três cães avançam em sua direção. Eles caminham rosnando, lentamente vão chegando perto até que um resolve atacar. O homem enfia sua espada na fera que não sente nada, ela continua latindo e empurrando a espada contra a própria garganta. As mordidas são fortes, a espada que antes era tão temida, parecia que iria quebrar como um palito de dentes nas presas da criatura infernal. O outro cão ataca Ferreira pela direita, ele aplica uma espécie de ippon, retira sua espada da garganta maldita e golpeia o infernal animal no chão, na intenção de cortar sua cabeça. A espada passa por dentro e atravessa o pescoço do diabólico, mas nada acontece. De alguma forma a arma passou por aquela força demoníaca como se passasse por um fantasma. Ferreira fica com a guarda baixa, e como se conhecesse seus movimentos, o cão o ataca. Por pouco ele consegue se defender, mas agora tem uma raivosa fera em seu peito, latindo ferozmente contra sua face em busca de carne. Premeditando seu fim o soldado de deus novamente questiona sua fé, vendo os dentes de perto e o bafo do  cão que ladra, Ferreira começa a pensar que veio de tão longe atrás de seu filho para perder no primeiro desafio e morrer nas presas da besta, as esperanças lentamente o abandonam...

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Mar 24, 2015 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Caminhos de St. ClaireOnde histórias criam vida. Descubra agora