Capítulo Único

848 130 145
                                    

"Ei Ray, acorde."

Ray acordou em um salto com Violet sacudindo seu ombro.

"Seu turno já acabou faz tempo." A garota olhava para ele de cima com uma mão na cintura enquanto a visão de Ray ainda entrava em foco. "Deixa que eu fico com a Emma agora."

Levou um momento de confusão sonolenta para ele processar onde estava: sentado em uma cadeira, em um dos quartos do abrigo. Virando a cabeça, ele viu Emma. Deitada na cama, coberta com um lençol que subia e descia levemente de acordo com sua respiração, auxiliada por uma máscara de oxigênio, e com uma bolsa de soro pendurada no suporte se conectando ao seu braço. A mão de Ray estava firmemente entrelaçada com a dela. O garoto não se lembra de ter fechado os olhos, nem de ter caído no sono, mas ele se lembra de ter segurado a mão dela desde o momento em que se sentou ao seu lado. Pelo jeito que sua pele suava e queimava de calor, ele devia estar assim há bastante tempo.

"Eu ainda posso ficar mais um pouco, não estou cansado." Disse Ray, esfregando o pescoço dolorido e reprimindo um bocejo.

"Ray, qual é, você estava dormindo." A garota responde rispidamente. "Ela precisa de observação constante."

Violet estava certa. Ray se amaldiçoou mentalmente por ter caído no sono. Ele já havia ficado ali durante turnos muito maiores e o cansaço não deveria ser um problema para ele, e não era, de verdade. Não tanto quanto ficar longe de Emma.

"Vá dormir." Insistiu Violet, praticamente o expulsando da cadeira. "Você vai poder cuidar dela de novo assim que estiver descansado."

Sem poder mais protestar, Ray solta a mão da garota inconsciente, e todo o calor que o toque dela emanava não está mais ali. Sua pele se choca contra o ar frio do ambiente ao invés disso.

O garoto cambaleia até a porta, onde para e olha uma última vez para trás. Violet o lança um olhar tão ameaçador que ele se retira do quarto rapidamente. De lá, ele se arrasta até a cozinha para comer algo mas percebe que não sente fome nenhuma, e da cozinha vai para a cama onde se vira e revira sem ser capaz de dormir, e da cama ele anda pelo abrigo procurando por afazeres domésticos e crianças para cuidar e planos para elaborar, e então ele para na biblioteca e passa os olhos pelas páginas dos livros velhos e empoeirados, sem realmente se concentrar em uma palavra do que lia pois seus pensamentos continuavam voltando para Emma e para o bem-estar de Emma e para a mão quente de Emma e para a imagem de Emma inconsciente e para Emma, Emma, Emma.

Quando Ray se dá conta ele está novamente na porta da enfermaria, onde agora Nigel está sentado na cadeira.

Ray mente para o garoto de Goldy Pound, dizendo que já era seu turno de novo. Ele espera Nigel sair e fechar a porta antes de se sentar novamente e voltar a observar a garota.

Era a mesma cena que ele já viu de novo e de novo nessas últimas semanas e que ainda era um soco no estômago cada vez que via: sua amiga de infância, machucada, inconsciente, sem previsão de acordar. Aquela imagem já estava fixa em suas pálpebras, Ray poderia fechar os olhos agora e continuaria vendo. Mas ele não vai. Ele vai continuar olhando, por mais que doa.

"Oi, estou de volta." Ray diz com um sorriso cansado. "Desculpa pela demora, mas eu tinha que esperar a Violet sair, senão ela só ia me chutar para fora do quarto de novo."

Ele conversou muito com Emma nesses últimos dias, mesmo sabendo que provavelmente ela não ouviria. Mas havia a possibilidade de ela ouvir. Ray lera sobre isso em um livro de neurociência: conversar com pacientes em coma tem um efeito estimulante no cérebro, podendo ajudar na recuperação. Além do mais, Emma era alguém que gostava de companhia e Ray queria se certificar de que a garota não fosse se sentir só. Às vezes ele lia para ela, às vezes murmurava uma canção. Mas hoje não faria nenhum dos dois.

Idiotas Não Ficam DoentesOnde histórias criam vida. Descubra agora