CLARISSE (DEPRESSÃO E REDES SOCIAIS)

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Em algum lugar do mundo, num quarto de hotel qualquer, especificamente dentro de um banheiro de dois metros quadrados, Clarisse, apenas de calcinha e sutiã, encara seu reflexo no espelho.

Clarisse não gosta do que vê: o cabelo curto desgrenhado, as poucas sarnas em volta do nariz e olhos cor de avelã.

Sobre a pia de mármore, ela abre sua pequena paleta de maquiagem e dá vida as bochechas com tons avermelhados, utiliza um delineador para evidenciar seus olhos, pintam os lábios de vermelho e penteia o cabelo com os dedos. Pronto, é dessa garota que Clarisse gosta; a que esconde o rosto atrás de uma maquiagem, embora não tenha sido uma dessas adolescentes fissuradas pelo mundo feminino. Como ela sempre gosta de dizer "a necessidade faz o homem" e foi essa necessidade – de ser amada – que Clarisse se transformou em três coisas: um celular, as redes sociais e um produto.

Está tudo bem aí, gata? – Ela o escuta bater na porta do banheiro, e um pouco irritada, faz uma careta.

– Sim. Já estou saindo.

Clarisse pega o celular em cima do vaso sanitário, abre a câmera do Instagram, suspira – um suspiro de frustração – e ensaia o seu melhor sorriso. Em um clique seus ombros nus e um sorriso cheio de inverdades congelam na tela de seu celular. Ela digita uma legenda: "Não pare, não desista até se orgulhar de você! Bom dia!". Sua primeira imagem é postada em seu perfil e, é deste modo que todas as manhãs Clarisse se transforma na garota online e feliz; na personagem que ela inventou. O que poucos sabem é que, na garota real, existe um vazio dentro do peito que, não importa o que ela faça, nunca consegue preenchê-lo.

Ela junta seus pertences na nacessaire, abre a porta e sai do banheiro, dando de cara com o rapaz nu em pelos – não mais que vinte e cinco anos – mexendo em seu próprio celular. Foi com ele que Clarisse passou a última noite, embora sequer consiga lembrar-se de seu nome.

– A noite foi boa? – Ele pergunta ainda olhando para o celular.

Clarisse pensa a respeito. Foi só mais uma noite, com um total desconhecido, na busca incessante do prazer para preencher os buracos que ela carrega na alma.

– Sim. Maravilhosa. – Ela mente, tendo consciência de que já teve transas melhores que essa.

– Vou tomar uma ducha, está a fim?

Clarisse faz um sinal esnobe com a mão.

– Não, obrigada, já tomei – ela analisa o corpo perfeito do rapaz –, mas quero deixar claro que eu adoraria caso não estivesse atrasada.

Ao mesmo tempo em que ele joga o próprio celular na cama, Clarisse entra em seu vestido amarrotado, calça sua sandália, enfia seus pertences na bolsa, escreve um pequeno bilhete para o rapaz e sai do quarto. É um comportamento comum: escrever bilhetes, não se despedir e nunca trocar número de celular. Clarisse acredita que, quanto menos vinculo você tiver com uma pessoa, menos problemas você terá amanhã. Coisa simples, de gente inteligente.

Logo que sai do hotel, Clarisse entra em um táxi parado, desconecta da rede wifi, desativa o modo avião. Não demora muito para seu telefone tocar. Para seu desprazer é Miranda, sua assessora pessoal, também conhecida como a dona de sua vida e liberdade.

– Você está atrasada. – Miranda diz do outro lado da linha em um tom seco e enfático.

– Eu sei. – Clarisse responde. – Tive um contratempo, mas já estou a caminho, não precisa se estressar.

Então Clarisse desliga a ligação, abre seu Instagram e desliza o dedo pela tela do celular incessantemente, escolhendo – da sua maneira – quem era digno de receber suas curtidas.

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