Eu estava no controle.
Na sala de espera clara, fria e esterilizada, encarei meu reflexo nas portas de vidro e, até então não gostei do que vi. Estou magra, mas não tanto quanto gostaria. Metade de mim diz que falta muito até lá. A outra metade não se orgulha do que me tornei: uma criatura pálida, esquelética e com enormes olheiras. É o que ouço por aí, mas não é o que vejo quando me olho. Não é fácil ser quem sou. Ninguém, um belo dia acorda e decide se tornar uma Ana e Mia (termo usado por garotas que sofrem de anorexia e bulemia). O ambiente nos molda e nos jogam nesse mundo onde ser magra é ser feliz e isso basta, pelo menos para mim.
Tudo teve inicio para mim aos quatorze anos, quando me olhava no espelho e odiava a garota refletida nele: feia e gorda. Mamãe costumava me levar ao médico para rotinas e constantemente o doutor dizia que eu estava no peso ideal, meu IMC estava lá para provar. No entanto não acreditava em suas palavras, nunca acreditei.
Sou eu dentro deste corpo e o que vejo sempre bastou para mim.
Quando meus pais se separaram, para evitar pensar no assunto, resolvi que estava na hora de alcançar o corpo perfeito. Eu queria o corpo das capas de revistas que eu colecionava. Foi então que comecei com a dieta da sopa e quando emagreci meu primeiro quilo, sabia que conseguiria chegar aonde eu quisesse; se as modelos conseguiam, eu também chegaria lá.
Na busca pelo corpo perfeito, conheci pessoas que passam pelo mesmo que eu. Foi assim que fui parar em Blogs, grupos do Facebook e mais tarde em grupos de Whatsaap. Neles recebemos apoio, dicas de como se tornar uma Ana e Mia, e claro, depoimentos.
Chorei inúmeras vezes quando achava que eu não tinha controle. Quando a fome vinha, eu bebia água e se em algum momento achasse que ia explodir, eu bebia mais um pouco de água. Com um tempo comecei a pesquisar calorias sobre cada coisa que eu comia e anotava no meu caderno de borboleta, para me lembrar de que eu era uma lagarta e que em algum momento iria me tornar uma linda borboleta.
Eu estava no controle.
Até que um dia estava em casa e horas depois dentro de um quarto de hospital tomando soro na veia. Vi meus pais brigando baixinho e delegando culpa um num outro sobre o meu atual estado. Foi a primeira vez que pensei em parar; que prometi parar.
Mas não parei.
Para dizer que estava tudo bem, eu comia todas as refeições nos horários certos e minutos depois que as finalizava, corria para o banheiro, enfiava a escova de dente na garganta e vomitava. Comecei a fazer exercícios físicos duas vezes ao dia. Às vezes quando achava que passava do limite – isso acontecia geralmente aos domingos no almoço de família – eu fazia uso de laxantes. Chá de hibisco sempre foi o meu favorito. Bebia dois litros todos os dias, fora toda água que bebia quando sentia fome.
Eu estava no controle.
Comer é uma coisa para gente fraca, posso chegar aonde eu quiser, era o que eu pensava; o que eu penso.
Foi ai que a dieta No Food entrou na minha vida. Uma vez por semana eu não me alimentava, apenas bebia água. No primeiro dia eu chorei, não é uma coisa fácil, mas ver que eu perdi peso bem mais rápido com a No Food me deu a felicidade que já não sentia há tempos.
Assim, saltei dos meus 54kg para 48kg. Meu objetivo sempre foi chegar aos 40kg. Já cheguei bem perto. 42kg foi um mais próximo que consegui. Teria chegado lá, se não tivesse parado outra vez no hospital.
Por três dias fiquei internada no hospital, recebendo soro na veia periodicamente, reidratando-me (era a palavra que o médico usava). Chorei diversas vezes, porque "reidratar" para os médicos era uma coisa boa; para mim era como se eu tivesse tomando veneno, e mais tarde viriam mais No Food, mais laxantes, mais água, mais chá, mais exercícios.
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TUDO O QUE HÁ EM MIM
Historia CortaContos sobre transtornos mentais com abordagem sobre tais temas: depressão, síndrome de Asperger, gordofobia, bullying, ansiedade, síndrome de Boderline, anorexia e homofobia.