A história dos dois irmãos

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Eles adentraram a neblina. Ela que os rodeava em um útero frio, úmido e de consistência leve, suave, algo que tocava na bochecha e a deixava molhada e fria. Como algum tipo de brisa mais intensa e encorpada.

O brilho leitoso da lua iluminava o caminho, em conjunto com a lamparina de luz dourado e cantos esverdeados.

As mãos dos irmãos estavam quase se tocando, as juntas dos dedos se raspavam uma contra a outra, conforme os braços iam para lá e novamente para cá, mas os dedos nunca se entrelaçavam, evidenciando um certo distanciamento entre eles, que era algo muito sútil e não seria percebido por qualquer pessoa.

No entanto, não havia sequer uma pessoa à vista. Apenas o assobio sinistro do vento e uma música de terror que tocava dentro da mente deles para combinar com o cenário no qual iam adiante, por uma estrada que não era bem estrada, é sim apenas um chão onde a natureza prevalecia totalmente intocada. As vinhas eram grossas, o chão não havia estrada ou um meio vazio por onde podia passar sem obstáculos. Era a natureza crua e rígida. Os sons do bosque eram característicos de qualquer tipo de bosque, mas o assobio quase como um canto e as árvores disformes, o chão plano, mas protuberante por raízes grossas e serpenteantes, que abriam talhos grossos no chão, pareciam diretos de uma floresta assombrada, cheia de monstros, seres estranhos, disformes, bruxas, duendes, criaturas baixinhas, criaturas com cabeças pontudas ou orelhas pontudas – tudo de pior era aquilo que se distanciava deles de aparência e não podia passar como humano.

Finn prosseguia com os dedos rodeados no arco enferrujado cor de bronze acima da lamparina, que fazia sua face se dividir em panorama de formato arredondado luminoso e outro escuro, que se unia ao escuro nebuloso do bosque. Às vezes, dentro daquele oceano movimentado de riscos de neblina, Finn pensava que aquilo tudo, desde a textura rouca e seca das árvores, até as folhas quebradas em montes no chão, não passava de um sonho delirante e febril, e que logo ele despertaria para a sanidade. E o irmão estaria no quarto, dormindo, distante, longe, invisível por detrás de diversas paredes como muralhas grossas de tijolo, argamassa, gesso e papel de parede florido com tons de pêssego do jeito que a mãe gostava - e que havia usado para praticamente transformar todas as paredes da casa em grandiosos jardins de pêssegos e flores em tons claros e escuros.

No lar de Finn, parecia haver mais espaço para papéis de parede floridos, pêssegos, decorações elaboradas e excêntricas – ora penduradas por cordas no teto com vigas de madeira, ora em guarda-louças empoeirados e intocados com a superfície de madeira coberto por veludo vermelho, que parecia um risco de sangue - e meios-irmãos irritantes do que para um Finn que acabava de alcançar a adolescência.

Ninguém notou o crescimento de seu corpo, o ângulo mais forte e destacado dos seus traços pontudos, as roupas que não cabiam mais, as coisas que não lhe interessavam mais. Ninguém notava. Havia outras coisas para se notar e o pequeno Finn se perdia nesse mar de atrações.

Enquanto isso, o irmão ainda ecoando juventude e luz, aproveitava o passeio de forma despreocupado, ora tagarelando, ora cantarolando, em intervalos curtos e durações muito longas que rompiam os fios de paciência de Finn. A figura arredondada e roliça de Greg o fazia parece um querubim de cabelos negros ao mesmo tempo que uma bola perfeitamente lisa onde havia braços e pernas que o faziam andar ao lado de Finn. Os olhos de Greg eram vazios e estúpidos como de uma galinha sem cérebro.

Finn andava com passos ligeiros na frente, e deixava que o irmão seguisse a área circular de luz dourada com cantos verdes devido o azeite que mantinha o fogo acesso.

Os ecos da primavera pareciam não existir ali. Algum resto, uma alusão, de que houvera uma primavera ali. Não havia flores murchas ou flores vivas, nem no chão nem nas árvores. Tudo estava morto ou escondido pela neblina.

Os únicos sinais de vida eram eles, a luz, pássaros e a coisa que os seguia sem que notassem, distraídos demais no mundo interior, perdidos em mar de pensamentos, de melancolias e amarguras de um jovem, de cantorias e falas despretensiosas de uma criança.

Cada um da sua forma, mas mesmo assim, totalmente desapercebidos, abandonados, desamparados, duas formas mornas perdidas em uma massa densa de neblina. Terrivelmente relapsos e vagando por mundos interiores que eram muito mais seguros que o cosmo externo, cujo a maldade era muito maior do que a amurada de tijolos e vinhas verdes do jardim.

A coisa adorava calor e fontes de calor que desconheciam os perigos que se espreitavam longe da luz e do sossego pacato de pequenas vilas. E ali estavam eles, luminosos e redondos, cheios de vida e de calor, cheios de estupidez. A consciência salivava, ávida pela quentura e a carne suave.

Ele arrastou a longa capa negra de seu corpo comprido e seguiu a luz, a doce luz, a luz que se mantinha afastada de seu corpo frio a tanto tempo que ele não se lembrava mais de como era quente e de como o aquecia, apenas que, de alguma maneira, conseguia aquecê-lo. Ele que era gelado, que se envolvia nas sombras e conhecia apenas o inverno frio e a torrente ainda mais fria, ele que parasitava e devorava seu hospedeiro até não sobrar uma gotícula refinada de luz, calor e boas intenções.

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⏰ Última atualização: Sep 11, 2020 ⏰

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