Ao lado de sua mãe, a menina, em seus primeiros passos para a mocidade, andava pelo fluxo intenso de pessoas na feira de sua pequena vila. Fitou cada morador ali presente com ar questionador. Todos de véu, todos caminhando como se não tivessem propósito e, mesmo diferentes, todos pareciam iguais.
Sentiu um leve cutucar em seu ombro quando percebeu que haviam parado de caminhar. Estavam a alguns metros da tenda, onde se podia ver uma variedade significativa de véus à exposição. Tentou enxergar o tipo de olhar que a mãe estaria lhe dando por baixo do tecido. Ternura? Ressentimento? Pena? Nunca saberia, nunca conseguiu decifrá-la quando estavam fora de casa.
A mulher apontou para a barraca, a filha estendeu a mão, na esperança de receber algum trocado. A mãe balançou a cabeça, dizendo que não era necessário. Eram todos de graça.
― Mas por que preciso usar um véu? ― perguntou a garota.
― Pra você ser alguém nesta vila e viver sem julgamentos ― respondeu a mãe, em tom impaciente.
― Mas o que seria esse "ser alguém"?
― Vai entender logo, logo.
Empurrou a menina levemente, esta andava a passos lentos e arrastados em direção à tenda, desejando que tudo aquilo acabasse logo para retornar ao seu mundo particular e correr pelo campo vívido da colina mais próxima.
Não sentiu nenhum tipo de êxtase quando pôde ver os véus mais de perto, muito menos quando passou a analisar todas as variadas ornamentações e cores existente em cada um deles. Olhou um por um, mas não queria nenhum deles.
― Posso simplesmente não precisar usar um? ― Perguntou ao moço que tomava conta da barraca.
― Poder você até pode, mas não espere em viver em paz por aqui. ― ele respondeu, dando um suspiro logo em seguida e apanhando o primeiro véu que viu. ― Aqui, pegue este e volte pra sua mãe.
A menina perscrutou cada detalhe do tecido por alguns segundos, imóvel. Sentiu o corpo inteiro pesar quando passou a alternar o olhar entre o véu, o homem e as pessoas que a cercavam. Pensou se ninguém por ali sentia falta de ver todas as cores presentes no mundo de uma maneira mais nítida, da sensação de sentir o rosto descoberto e sendo acariciado pelo vento, ou da vida sem precisar se esconder. Ela sentiria falta de tudo aquilo. Nunca pensou na possibilidade de um dia ter de abdicar tudo isso.
Só por alguns anos. Até eu conseguir me virar sozinha.
Pegou o véu com as mãos trêmulas e o colocou.
Aos poucos, conseguia sentir que nunca mais poderia voltar a sorrir novamente. E não havia mais ânimo nenhum para caminhar pelas colinas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sintonias
Short StoryProjeto que reúne doze contos curtos com reflexões e situações sobre o ser e o sentir.