Parte V

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- Aiyra... Aiyra. – Alguém me chamava. 

Meu corpo doía por inteiro mas não impediu que abrisse meus olhos e visse Irani ao meu lado 

- Temos que ir. - Falou. 

- Ir? Pra onde?

- Ao lago, pegar sementes de Lótus lembra? Minha irmã está com desejo e eu não quero deixar meu sobrinho passar vontade.

- Sim. Vamos.

Ela segurou minha mão enquanto me levava pela trilha, contudo sua mão não tinha o calor reconfortante de que me lembrava e seu sorriso parecia... triste.

Chegamos ao lago e ela imediatamente tirou sua saia e pulou na água, procurando as plantas cujas flores haviam deixado para trás sua haste cheia de sementes. Havia tantas flores tantas cores diferentes, que era quase impossível ver de longe as plantas certas.

- Entre, a água está ótima.

E foi o que fiz. Sonho ou não eu a estava vendo de novo, uma última vez. Me aproximei de Irani e ele me ofereceu uma das sementes.

- Essa está meio dura. – Falei mastigando.

- É verdade. Melhor procurar outras. – Ela saiu nadando vasculhando planta por planta.

A seguia de perto com medo de perdê-la de vista a qualquer instante e meu coração quase pulou para fora do peito quando ela mergulhou.

- Irani! – Mergulhei atrás dela. Consegui segurar seu tornozelo e puxá-la de volta para a superfície. O problema é que eu não olhei para onde estava indo e acabamos batendo em uma das grandes folhas.

- Aí! – Irani riu com o acidente.

- Por favor, não faça isso de novo. Me assustou.

- Assustou? Por que?

- Só não suma da minha vista desse jeito.

- Eu não vou a lugar algum. – Ela se aproximou colocando a mão sobre meu coração. – Ainda estou aqui.

- Mas... não é justo. Eu devia ter sido mais rápida, tinha que ter protegido você.

- Você protegeu. Durante tanto tempo, mas já chega. Não se culpe isso não vai mudar o passado.

Ela segurou meu rosto entre suas mãos e encostou nossas testas, enquanto eu a abraçava com todas as minhas forças. As palavras do meu pai ressoavam em minha mente, sabia que todos tinham sua hora de partir de voltar ao deus criador, mas não tornava a dor mais fácil de lidar para aqueles que ficavam na terra.

- Isso não importa mais. – Sussurrei. – Vou ficar aqui, com você.

- O que? Não. Não deve.

- Eu matei meus irmãos... eles tentaram me matar por inveja Irani. Inveja. Eu me defendi e... bom meu túa resolveu me condenar ao mesmo destino que eles. Ele me prendeu me jogou na parte mais profunda do rio. Acabou, eu...

- Não. – Ela me interrompeu se afastando. – Ainda não é sua hora. Você não morreu só está dormindo. Tem que acordar.

- Não quero isso. Quero ficar aqui com você. Não tenho mais família lá só você. Por favor não me mande embora também.

Senti meus olhos arderem com as lágrimas. A encarei e vi seus olhos refletirem as estrelas. Não queria deixá-la, foi a única que me viu como uma igual não um monstro que matou a mãe no parto. Olhou através do muro, viu meu espírito e o entendeu, o amou assim como eu amei o seu. E eu sabia que sua lembrança permaneceria para sempre comigo, assim como a lua aparece todas as noites ela estaria lá para me guiar nos momentos mais obscuros da minha jornada. Segurei sua mão entrelaçando nossos dedos.

- Meu coração e espírito são seus Irani.

- E os meus são seus... – Ela se esticou e me deu um beijo. – Yara


Diferente do que esperava eu acordei, aparentemente ainda não era minha hora e os Deuses haviam me dado uma segunda chance, ou uma espécie de castigo. Pois despertei e não tinha mais pernas, em seu lugar havia um enorme rabo de peixe. Escamas douradas que pareciam brilhar com a luz solar. Respirei fundo e para minha surpresa estar embaixo da água não foi um problema, foi na verdade muito mais fácil.

As cordas já haviam sido levadas pela corrente e os piras passavam por mim como se não estivesse ali. Não, não era isso, eu era parte daquele lugar. Eles não vão atacar ou estranhar seu igual e eu tinha um rabo de pira agora além de respirar embaixo da água. Movi a cauda imitando os peixes próximos e aquilo era tão simples, tão natural como se sempre tivesse feito parte de mim. Enfim desde o dia do meu nascimento eu me senti eu mesma, podia fazer qualquer coisa ir aonde quisesse. 

Eu era livre. 

Iara - A história por trás da lendaOnde histórias criam vida. Descubra agora