Ela retirou a compressa fria da fronte e correu os dedos rapida¬mente por sobre o machucado. Um imenso inchaço formara-se ali, mas aquele era o menor de seus problemas. Após uma bateria de exames, os médicos haviam lhe informado que não estava gra¬vemente ferida e que sua memória poderia voltar a qualquer mo¬mento. Então, por que aquilo ainda não acontecera? Estava prestes a receber alta e não sabia para onde iria. O que, afinal, iria fazer?, Enquanto pegava o saco plástico com artigos de toalete que o hospital lhe dera, um riso breve e desprovido de humor escapou de seus lábios. Se era para se torhar uma moradora de rua, já tinha ao menos um saco para levar às costas, uma espécie de começo na vida. Verificou o conteúdo do saco: pasta e escova de dentes, loção, pente, espelho. Espelho.
Desde que recobrara a consciência, estivera se concentrando com todos os seus esforços, tentando se lembrar de quem era. Ela apanhou o espelho depressa e olhou fixamente para seu reflexo. Uma estranha pálida e assustada encarava-a de volta. Conteve um acesso de riso histérico. Esperara realmente reconhecer a si mes¬ma, olhar-se no espelho e poder dizer: "Oh, é você". Não teve tanta sorte.
Tom conduziu Jamey pela mão ao longo do corredor comprido do hospital até chegar ao balcão das enfermeiras, onde os corre¬dores se interligavam. Viu o xerife Harvey Gulch recostado no balcão alto, flertando com uma das enfermeiras.
— Apenas perguntaremos a uma enfermeira como ela está — disse a Jamey. — Não incomodaremos a moça que sofreu o aci¬dente. —Adiantou-se até o balcão, esperando sua vez de falar com a mulher de branco e trocou um cumprimento com o xerife.
— Dorothy! — exclamou Jamey e desapareceu por uma porta de um dos quartos dos pacientes.
— Jamey, espere! — Tom correu atrás do filho.
No solitário quarto branco, ela folheava a lista telefónica ten¬tando avivar sua memória com nomes quando o garotinho aden¬trou. "Dorothy", dissera ele. O menino a conhecia... seu nome era Dorothy! O nome tinha um quê de familiar. Talvez sua memória estivesse voltando! Estudou o menino para ver se conseguia reco¬nhecê-lo. Cabelos pretos precisando de um corte caindo sobre a fronte, faces coradas, salpicadas de sardas, olhos verdes cheios de vivacidade.
Devia conhecê-la, pois o sorriso que lhe iluminava o rosto an¬gelical dizia que estava bastante contente em vê-la. Logo além do menino, uma figura grande surgiu à porta, um homem bastante atraente. Com certeza, não poderia ter-se esquecido de um homem daqueles, disse a si mesma, mas uma onda de esperança envolveu-a assim mesmo. Na verdade, ele parecia familiar. Seria seu homem? Se fosse, devia ter sido um acidente e tanto, porque ela evidente¬mente acabara de morrer e fora para o paraíso.
Com seu metro e noventa, o homem dominava o quarto. Ainda mais impressionante, porém, do que seu corpo forte, de músculos proporcionais, era seu rosto. Sua beleza rústica e máscula deixou-a sem fôlego, enquanto ele retirou um boné de beisebol da cabeça e correu os dedos por fartos cabelos pretos. O intenso tom de verde de seus olhos era acentuado por sobrancelhas e cílios espessos e por um bronzeado uniforme, provavelmente adquirido através de longas horas de trabalho ao ar livre.
— Por favor, desculpe o meu filho. Ele se deixa levar um pouco pela imaginação às vezes.
Ele não a conhecia. Ela foi tomada por grande desapontamento. Agora, lembrava-se. Aquele homem e seu garotinho tinham estado no local do acidente quando ela fora colocada na ambulância. Supunha que devia se sentir grata por ter-se lembrado daquilo ao menos.
— Você vai ficar bem? — perguntou o menino, a expressão séria.
O homem deu um passo à frente e pousou a mão no ombro dele.
— Sou Tom Weaver e este é meu filho, Jamey. Fomos nós que encontramos você e pedimos ajuda. Pensamos em vir até aqui e ver como você está. Mas não queremos incomodá-la. Se não esti¬ver se sentindo bem, iremos embora.
— Não. Fiquem um pouco mais, por favor. — A preocupação do estranho tocou-a a fundo. — Foi muita bondade terem vindo me ver. Os médicos me disseram que vou ficar bem. Mas ainda não sei quem eu sou.
— Eu sei quem você é — declarou o menino, sorridente. — Você é Dorothy.
— Jamey, não comece outra vez — repreendeu-o Tom gentil¬mente. E, então, virando-se para ela, explicou: — Meu filho é um grande fã de O Mágico de Oz. Provavelmente já assistiu ao filme uma centena de vezes. Sabe como são as crianças. Quando ele viu você inconsciente depois do tornado, bem...
Ela não pôde conter o riso.
— Acho que as semelhanças são bastante óbvias.
Tom relaxou quando a ouviu rindo, o som melodioso agra-dando-o.
— Quando vão deixar você sair daqui? — indagou Jamey.
— A qualquer momento.
Tom observou-a, achando que parecia frágil e vulnerável na camisola do hospital, embora estivesse mantendo uma expressão corajosa.
— Para onde você vai? — perguntou.
— Eu não sei. — O sorriso nervoso dela desapareceu, seus olhos preocupados.
— O xerife disse que não existem abrigos de mulheres na cidade, mas disse que eu posso passar a noite na cadeia.
Tom sentiu um aperto no peito ao ouvi-la. Antes que pudesse deter Jamey, o menino foi sentar-se ao pé da cama.
— Você não pode ir para a cadeia! Não fez nada errado. Pode ficar com a gente. Não pode, papai?
Tom olhou para Jamey, a expressão dele suplicante e, depois para a mulher sentada do outro lado da cama. Ela ergueu mais o lençol num gesto protetor, como se pesasse a alternativa de uma noite na cadeia ou a de ir para a casa de estranhos.
— Eu não poderia incomodar vocês desse jeito. Nem sequer me conhecem.
— É claro que conhecemos. Você é Dorothy. E nós iremos ajudá-la. Por favor, fique em nossa casa.
A mulher não tornou a protestar. Apenas fitou Tom com seus luminosos olhos azuis. Tinham um brilho de coragem e não su¬plicavam. Foi a força dela que o acabou convencendo, mais efi¬cazmente do que qualquer súplica por compaixão teria conseguido. Ouviu-se dizendo:
— Sim, por favor, fique conosco... ao menos esta noite. Você é bem-vinda.
A mulher sorriu, alternando um olhar entre Jamey e ele.
— Tem certeza de que não será um incómodo?
— É claro que não — assegurou Tom.
— Viva! — vibrou Jamey. — Dorothy irá para casa com a gente!
— Jamey, talvez a moça tenha pensado em outro nome pelo qual prefira ser chamada.
A mulher deu de ombros.
— Até que minha memória volte e, se isso deixa Jamey feliz, serei Dorothy.
Uma enfermeira apareceu à porta.
— Tenho os papéis da sua alta — avisou-a. — Ajudarei você a se vestir.
Tom ergueu Jamey da cama.
— Estaremos logo ao lado da porta. — Seu pulso se acelerou ao vê-la abrindo-lhe um sorriso de gratidão e saiu de volta para o corredor. Jamey afastou-se um pouco para inspecionár um bebe¬douro infantil, e o xerife, tendo aparentemente terminado de flertar com a enfermeira, adiantou-se pelo corredor na direção de ambos.
— Olá, Tom. Cari disse que foram você e Jamey que encon¬traram a mulher misteriosa no Cadillac acidentado — disse o xe¬rife, referindo-se a um dos paramédicos e apontando para a porta fechada do quarto de Dorothy.
Mulher misteriosa. Tom revirou os olhos. Pelos céus, seria de
se pensar que a mulher era uma espia, ou algo do género. Sabia que o xerife Harvey Gulch tinha uma certa tendência a dramatizar as coisas, talvez pelo fato de haver tão pouco crime na cidadezinha e condado ao redor. Com um corpo avantajado apoiado sobre per¬nas finas e compridas, o xerife parecia um personagem qualquer de um daqueles desenhos animados bizarros que Jamey adorava.
— Isso mesmo. Viemos apenas ver como ela está e, uma vez que parece não ter lugar algum para ir, nós a deixaremos passar esta noite em nossa casa.
O homem da lei adquiriu uma expressão grave.
— Não sei se o aconselharia a isso, Tom. — Lançou um olhar a Jamey, ainda entretido com o bebedouro, e baixou a voz: — Tenho razão para acreditar que nossa desconhecida possa ser uma criminosa.
— Uma criminosa? Apenas porque não sabe quem ela é?
— Não apenas isso. Eu parei para dar uma olhada no carro a caminho daqui. O veículo não tem placa e o número do chassi foi apagado.
Aquilo era incomum, admitia Tom.
— Então, você acha que o carro é roubado?
— E claro. E essa história de amnésia... ora, convenhamos. — O xerife soltou um riso desdenhoso.
Tom lançou um olhar inquieto na direção de Jamey.
— O que você quer dizer?
— Com certeza, é um meio conveniente para ela não ter de responder perguntas sobre si mesma e a razão de estar num carro roubado. Mas não se preocupe. Não demorarei muito a descobrir quem ela é.
Jamey aproximou-se e Harvey passou-lhe a mão na cabeça com ar desajeitado.
—Apenas lembre-se—declarou, enquanto começava a se afas¬tar —, se a coisa se parecer com um pato e caminhar feito um pato...
Harvey deixou a frase inacabada para obter um efeito dramático. Quando ele se afastara o bastante para não ouvir, Jamey observou:
— Ele caminha feito um pato e não é um pato.
Tom sorriu e afagou os cabelos do filho. Jamey tinha razão. Não ouvira o bastante para convencê-lo de que a mulher era uma criminosa. Certamente não parecia perigosa. Além do mais, ele iia um homem de palavra e, se dissera que ela poderia passar a noite em sua casa, então...
Dorothy saiu para o corredor, fazendo-o perder o rumo dos pensamentos. Usava novamente o vestido preto e o blazer verme¬lho com os escarpins. Talvez tivesse sido um pouco precipitado quando concluíra que a mulher não parecia perigosa. Percorreu-a com o olhar, desde a ponta dos sapatos vermelhos até a esplêndida cabeleira loira.
Oh, ela parecia bastante perigosa, sem dúvida.
No percurso de caminhonete até a fazenda, Dorothy procurou em vão por algum tipo de ponto de referência que a fizesse lembrar de algo... qualquer coisa. Mas havia apenas a vastidão de terras de fazendas, com uma eventual casa aqui e ali. Nada parecia familiar. Nem mesmo o Cadillac avariado ainda no acostamento da rodovia. Ela estremeceu quando olhou para a lataria toda amassada e retor¬cida. Pela primeira vez naquele dia, sentiu-se com sorte. Olhando para o estado do carro, percebeu que fora um milagre não ter se ferido gravemente. Fechando os olhos por um momento, fez uma prece silenciosa de agradecimento.
O menino ia tagarelando o tempo todo, evidenciando que mal podia esperar para lhe mostrar tudo na fazenda. O homem manti-nha-se calado. Ele tinha um perfil bonito, pensou Dorothy, obser-vando-o discretamente. Maçãs do rosto salientes, lábios cheios, nariz perfeito e queixo forte. Os lábios se curvavam num sorriso agradável quando o filho dizia algo que o divertia.
A mãe de Jamey era uma mulher de sorte. Dorothy se perguntou se Tom ligara para casa para avisar a esposa que estaria levando uma hóspede para passar a noite, uma estranha. O pensamento inquietou-a. Talvez não fosse bem-vinda.
— Sua esposa não se importará que eu passe a noite na casa de vocês? — Ela notou a animação desaparecendo do rosto de Jamey, enquanto ele baixava o olhar para a ponta dos ténis.
O semblante de Tom endureceu.
— Minha esposa se divorciou de mim cerca de um ano atrás.
— Lamento — apressou-se ela a dizer.
Tentava pensar em algo para falar, a fim de preencher o silêncio constrangedor, quando Tom deixou a estrada e entrou por um lon¬go caminho de terra, ladeado por milharais. Após um minuto ou dois, chegaram até uma casa branca de fazenda com um estábulo e várias outras construções externas ao redor. A casa era simples, mas parecia espaçosa e recém-pintada. Era inteiramente circundada por uma varanda coberta, havendo um balanço e algumas ca¬deiras na parte da frente. Tom parou a caminhonete perto da porta dos fundos.
Jamey desceu na frente, ansioso para apresentá-la a seu cão, chamado obviamente de Totó, um grande cão pastor que não po¬deria ter sido mais diferente do cãozinho do filme. Enquanto o menino deteve-se na varanda para brincar com o cão, Tom con duziu-a ao interior da casa.
—O cão chamava-se Blue antes—disse-lhe ele com um sorriso significativo, parecendo bem-humorado outra vez, a menção à ex-esposa evidentemente esquecida.
A cozinha era grande e ampla, os armários pintados de um tom amarelo-claro que dava ao lugar um aspecto ensolarado, mesmo ao entardecer. Uma mesa de carvalho maciça achava-se no centro, com quatro cadeiras combinando, e Dorofhy aproximou-se, cor¬rendo a mão pela superfície polida, admirando a qualidade da peça artesanal e seu acabamento perfeito.
— Esta é uma mesa muito bonita. Não as fazem mais assim hoje em dia.
Tom recostou-se na parede, sua figura alta e forte parecendo tão sólida quanto o próprio carvalho.
— Eu faço. Fui eu que fiz essa. Impressionada, Dorothy ergueu os olhos para fitá-lo.
— Seu trabalho é excelente.
— Obrigado. Muitas pessoas não reconhecem qualidade quan¬do a vêem. — Ele a observou com ar pensativo e ligeiramente crítico. — Talvez essa seja uma pista para a sua identidade. Talvez você esteja acostumada a ter coisas refinadas a sua volta.
Ela deu de ombros, intrigada com aquele tom estranhamente negativo.
— Talvez. Ou talvez eu fosse uma vendedora de móveis. Ambos riram, e o breve momento de tensão dispersou-se tão
depressa quanto surgira.
— Venha. Eu lhe mostrarei seu quarto e, então, verei se posso lhe encontrar algumas roupas limpas.
Ela o seguiu por uma sala de jantar até um vestíbulo conduzindo a porta da frente e à escadaria que levava ao segundo andar. A escada era outra obra artesanal em madeira.
— Este é o quarto de Jamey — disse ele, apontando para o primeiro quarto pelo qual passaram. Dorothy espiou para dentro, notando a colcha com estampa de carros de corrida que cobria a cama, a mesinha, a cadeira e o baú de brinquedos que se enfilei¬ravam na parede oposta.
— E este é o meu — prosseguiu Tom, indicando uma porta fechada. Levou-a, então, até um terceiro quarto ao final do corredor o abriu a porta. — Este era o quarto de minha irmã antes de ela se casar.
O quarto logo encantou Dorothy. As paredes eram cobertas com um papel de motivo floral em tons pastéis de rosa, azul e amarelo. Flores combinando adornavam a colcha de retalhos que cobria a cama.
A cómoda era uma peça antiga, de madeira maciça e relu¬zente, com um espelho redondo no centro e gavetas em ambos os lados.
— É adorável.
— O banheiro fica do outro lado do corredor. Deve haver uma escova de dentes nova no armário—disse-lhe Tom antes de deixar o quarto. — Vou lhe arranjar alguma roupas.
Dorothy olhou longamente para seu reflexo no espelho, mas a mulher de ar abatido e confuso que a fitava de volta continuava lhe parecendo uma estranha. Perguntou-se de quem herdara o rosto oval, os cabelos loiros. Fora do pai, ou da mãe? E os dois estariam a sua procura agora?
Só se deu conta de que ficara ali absorta em suas divagações quando notou o reflexo de Tom por sobre seu ombro. Seus olhos deviam ter traído sua angústia, porque ele se mantinha imóvel, como se hesitasse entre a vontade de ficar e confortá-la e a de recuar para deixá-la a sós com seus pensamentos. Seus olhos ver-des continham apenas compaixão.
— Desculpe-me — disse ela, virando-se para fitá-lo e tentando abrir um sorriso.
— Acho que eu estava sentindo um pouco de pena de mim mesma ali por um minuto.
— Não se desculpe. Não sei como tem se mantido tão calma como está. Nem faço ideia de como eu reagiria se tivesse passada pelo tipo de trauma que você enfrentou hoje.
Dorothy foi tomada por uma grande vontade de ser abraçada! por aquele homem, de se sentir protegida naqueles braços fortes.? Poderia correr para aqueles braços abertos se não fosse pelo fato de estarem segurando uma pilha de roupas dobradas.
— Encontrei algumas roupas e calçados para você — disse ele, colocando-os na cama.—Você é um pouco mais alta que Margaret e talvez as calças jeans fiquem um pouco curtas, mas, exceto por esse detalhe, acho que tudo lhe servirá.
— Percorreu-lhe o corpo com um olhar de inegável apreciação. — Bem, eu a deixarei a sós um pouco. Há toalhas no armário do corredor se quiser tomar um banho de chuveiro ou banheira. Sinta-se em casa.
Hesitou por mais um momento e, então, aproximou-se mais, segurando-lhe o queixo de leve.
— Queixo erguido. Tudo vai ficar bem.
O toque daquela mão calejada conteve uma ternura que fez Dorothy se sentir mais segura. Pela primeira vez em sua curta memória, realmente acreditou que talvez tudo ficasse bem, porque ele o dissera.
Dorothy vestiu o jeans justo de grife e uma blusa de manga curta, sentindo-se como uma nova mulher depois de seu banho quente. Na verdade, era uma nova mulher, pensou irónica. Era um tanto estranho estar usando as roupas de outra pessoa, mas, nas atuais circunstâncias, não podia se queixar. Talvez após uma boa noite de sono, sua mente se recobrasse de algum modo e ela acor¬dasse sabendo quem era e onde morava.
Encontrou Tom na cozinha tirando uma bandeja de hambúr¬gueres da geladeira. Virou-se para observá-la e ficou imóvel por um instante, uma expressão estranha em seu rosto.
— Você tinha razão. As roupas serviram bem — sorriu Do¬rothy. — Não se esqueça de dizer a sua irmã que eu lhe agradeço por ter-me emprestado suas roupas.
Tom adquiriu uma expressão neutra, indecifrável.
— Não são roupas da minha irmã. Eram da minha ex-esposa. — Tom virou-se para a pia.
Um arrepio subiu pela espinha de Dorothy. Estava usando as roupas da ex-esposa de Tom. Não era de admirar que ele a tivesse olhado de maneira tão estranha. Decidiu mudar de assunto antes que ambos tornassem a se entreolhar.
— Onde está Jamey?
— Terminando suas tarefas. Ele entrará antes que escureça por completo e bem a tempo do jantar. — Tom começou a dispor os hambúrgueres sobre uma pequena grelha elétrica no balcão ao lado do fogão. — E como está sua cabeça?
— Oh, bem melhor. A pior parte da tontura já passou. — Ela olhou para os vegetais que ele havia colocado na pia. — Posso ajudar em algo?
— Claro. Por que não prepara a salada? Mas para conseguir lavar os legumes terá de tirar todos aqueles pratos de dentro da pia e colocá-los na lava-louças. Isto é, se não se importar.
— Nem um pouco. — Dorothy conseguiu abrir a máquina de lavar louça com alguma dificuldade. Era curioso como aquela ta¬refa não lhe parecia familiar, pensou enquanto tentava ajeitar os pratos na bandeja no que esperava ser um jeito aceitável.
Notando, pelo canto do olho, que Tom a observava, forçou um sorriso.
— Talvez eu também tenha esquecido como usar uma lava-lou-ça quando perdi a memória.
— Ou talvez você nunca tenha aprendido a usar uma — disse ele, aproximando-se para ajudá-la.
— É possível. Talvez eu fosse pobre demais para ter condições de comprar uma.
— Ou rica demais para ter de usar uma.
— Seria uma ótima alternativa.
— Se é o que você diz.
Enquanto ele fechava a lava-louça, Dorothy observou-o, intri¬gada com aquele tom defensivo.
— Você não acha que deve ser melhor ser rico do que pobre?
— Não faço ideia. Sempre fui pobre e já conheci pessoas ricas que não eram tão felizes quanto eu.
— Bem, já estabelecemos que sou rica ou pobre, nada no meio termo—disse ela num tom jovial para dispersar a estranha tensão. — Como saberemos qual é a alternativa correia?
— Eu sei de uma maneira.
— É mesmo?
Tom confirmou com um gesto de cabeça e, fítando-a nos olhos, pousou as mãos de leve nos ombros dela. Deixou-as deslizar, en¬tão, por seus braços, fazendo-a arrepiar-se. As mãos dele eram grossas, a pele de um trabalhador, mas o toque era gentil. A cor¬rente eletrizante que a percorreu a fez estremecer e a envolveu com um súbito calor ao mesmo tempo.
Quando, enfim, pegou-lhe as mãos, ele abriu-as, expondo-lhe as palmas. Apenas então parou de fitá-la nos olhos e começou uma. cuidadosa inspeção das mãos que segurava, correndo os polegares -pelas palmas macias.
Dorothy respirou fundo enquanto nova onda de sensações tomava.
— Vai ler minhas mãos? — perguntou com nervosismo.
— De certa maneira. — Tom virou-lhe as mãos, colocand ambas sobre uma das suas e correu a outra pelas costas delas.
— E um homem de muitos talentos, pelo que vejo. Se tiver um bola de cristal, talvez possa dizer qual é o meu nome.—A tentativ de humor dela não contribuiu em nada para dissipar a tensão sexua que sentia diante do mero toque da mão dele, percebeu.
— Desculpe, mas não tenho uma bola de cristal. Suas mãos sã macias e bonitas. E muito bem cuidadas. Você tem uma manicure boa e cara.
— E o que minha palma lhe diz? — perguntou ela, tentando manter sua voz descontraída. — Você parece tão sério? Tenho ! uma linha da vida curta, ou algo assim?
— Não é isso — disse Tom, tenso, o cenho franzido. Finalmen¬te, afastou os olhos das mãos dela e ergueu-os para fitá-la. Os lábios se curvaram num sorriso, mas o humor não lhe alcançou os penetrantes olhos verdes.
— O que é, então?
— E exatamente o que pensei. Você é uma garota rica, sem dúvida. Nunca fez um pingo de trabalho árduo em sua vida.
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Fazendeiro Apaixonado - Degustação
ChickLitKatherine não se lembra de nada: nem do tornado que atingiu seu carro nem da pancada na cabeça, nem sequer de seu nome. Tudo o que sabe é que, desde o momento em que um sexy fazendeiro do Kansas, Tom, e seu cativante filho de cinco anos, Jamey, a ac...