Capítulo 3

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Dorothy ficou boquiaberta em sua indignação e afastou as mãos abruptamente.
— É uma coisa terrível para se dizer sobre uma pessoa — pro-lestou.
Tom cruzou os braços e observou-a, seu sorriso sardónico.
— Você nunca teve um calo em toda a sua vida.
— Ora, só porque não tenho calos isso não significa que eu não lenha trabalhado em algo. — Dorothy aproximou-se depressa da pia e começou a lavar os legumes furiosamente. — Você faz ideia de como isto é frustrante? Eu não consigo me lembrar de nada do que já fiz, nem sequer do meu próprio nome!
— Sei que está sendo uma fase difícil para você. Desculpe-me por tê-la aborrecido.—Tom dirigiu-lhe um olhar constrito e soltou um suspiro. — Há mais uma coisa, porém.
Ela colocou os legumes lavados num escorredor e virou-se para encará-lo.
— O quê?
— Quando olhei para suas mãos, notei algo mais além da ma¬ciez de sua pele e ausência de calos. Acho que você é casada.
— Como pode saber?
Tom apanhou uma tábua e uma faca e começou a cortar os legumes para a salada, evitando fitá-la.
— Olhe cuidadosamente para o seu dedo anular da mão esquer¬da e me diga o que vê.
Dorothy percebeu o que ele queria dizer imediatamente. Por que não notara aquilo antes? Havia um faixa mais clara na pele de seu dedo e um ligeiro sulco, uma visível marca de anel. Um anel estivera ali e por um longo tempo. E não havia muito que fora removido. O que acontecera com ele?
— Vejo o que quer dizer — disse devagar, esfregando a inarc;i no dedo. — Não podemos ter certeza de que era uma aliança de casamento, no entanto. Podia ter sido um anel de formatura, ou qualquer outro tipo de anel, na verdade.
Ele lançou-lhe um olhar duvidoso.
— Na mão esquerda?
Tom tinha certa razão. A maioria das mulheres reservava o dedo anular esquerdo para alianças de casamento, ou para o tradicional anel de noivado.
A ideia de ser casada pareceu-lhe estranha. Não se sentia casada. Ou o fato era que não queria estar casada? Lan¬çando um olhar ao homem ao seu lado, notou que ele franzia o cenho. Estaria apenas concentrado em sua tarefa, ou havia algo naquela conversa que o incomodava também?
— Ouça — começou ele numa voz gentil —, peço-lhe realmen¬te desculpas por tê-la aborrecido. — Hesitou antes de acrescentar: — Acontece apenas que tenho um amigo, um outro fazendeiro, que se casou com uma garota rica da cidade grande. Ela jamais foi feliz na fazenda e o fato de vê-la tão infeliz deixava-o assim tamhém
- Parece uma situação terrível. -Sim.
Dorothy estudou-o, ocorrendo-lhe que devia haver mais por trás da atitude dele do que apenas a má experiência do amigo.
Não teve, porém, como tentar descobrir mais, pois Jamey aden¬trou pela cozinha naquele instante.
— Papai, tenho tempo para mostrar os animais a Dorothy antes do jantar?
— Não esta noite. O jantar está quase pronto. Haverá tempo o bastante para isso de manhã. Agora, vá se lavar.
—Meus pais vivem em Montana agora—contava Tom à mesa, enquanto os três comiam com apetite. — A família de minha mãe sempre esteve no ramo da criação de gado e ela herdou um vasto laço de terra lá um pouco antes de Jamey ter nascido. Ela e meu i se mudaram para lá para administrar a fazenda, mas vêm aqui m frequência para nos visitar. Quanto a minha irmã, Casey, ela casou com um fazendeiro e mora do outro lado do condado. — Imagino que seus pais tenham ficado orgulhosos quando você e sua irmã decidiram seguir seus passos, tornando se  fazendeiros — comentou Dorothy e perguntou-se se ela própria teria uma irmã. Um irmão? Sua família já tivera chance de se dar conta de seu desaparecimento? Estaria a sua procura?
Naquela noite, no acolhedor quarto de hóspedes, ela permaneceu acordada por algum tempo na cama, dando-se conta de algo que ainda não lhe ocorrera. Notara desde o início quanto Tom eslava sendo generoso com ela, mas agora sentia-se particular¬mente admirada com a dimensão de sua bondade. Levá-la, a uma estranha, para dentro de sua casa significava confiar nela em re¬lação àquilo que obviamente era o bem mais precioso de sua vida, o filho. E ele lhe abrira seu lar sem hesitar, dera-lhe comida, roupas, um abrigo. Demonstrara-lhe uma compaixão e solidariedade como ela certamente nunca devia ter tido antes, embora não pudesse se lembrar.
E o próprio Jamey, pensou com um sorriso nos lábios. Como era peculiar que ele lhe demonstrasse tanta afeição, a uma desco¬nhecida, e que houvesse um entendimento tão espontâneo entre ambos. Na certa, o menino achava bem-vinda a sua presença pelo fato de sentir falta demais da mãe. Ela se perguntou por que sabia de tudo aquilo com tanta convicção e como conseguira formar um elo tão depressa com o menino. Talvez fosse uma professora do jardim-de-infância, ou algo assim.
Em meio a tudo aquilo, porém, havia algo que talvez jamais compreendesse. Por que alguém abandonaria um homem e um menino maravilhosos como aqueles?
Tentando se concentrar nos livros contábeis da fazenda em sua escrivaninha a um canto da grande sala de estar, Tom não conse¬guia tirar as palavras de Dorothy da mente, quando ela se recolhera ao quarto depois de ter ficado assistindo a um pouco de tevê com Jamey.

Obrigada por estar cuidando de mim, dissera-lhe, seus olhos azuis francos.
Céus, ela era tão bonita que ele sentia uma opressão no peito só em observá-la. Mal conseguira manter as mãos longe dela, ura toque no ombro dali, outro no braço, nas mãos... E por certo não devia ter sido muito discreto na maneira como a devorara com o olhar mais de uma vez.
Que típico de sua sorte com as mulheres que o destino tivesse de lhe enviar uma garota linda, irresistível e rica da cidade... e que já estava comprometida. Ele largou a caneta na escrivaninha e soltou um longo suspiro.
Obrigada por estar cuidando de mim.
Era uma pena que cuidar de mulheres fosse algo para o que aparentemente não levava o menor jeito, porque, contrariando tudo o que lhe dizia o bom senso, não havia nada que quisesse mais do que cuidar daquela.
Dorothy acordou na manhã seguinte com o sol se filtrando pela janela do quarto e, desorientada, levou alguns momentos para se lembrar de onde estava. Quando recordou os eventos do dia anterior, fechou os olhos e tentou com todas as forças lembrar-se de quem era. Sua memória, porém, ainda não voltara.
Levantou-se da cama devagar, os músculos ainda doloridos por causa da tribulação do dia anterior. Enquanto vestia o roupão por cima da camisola que usava, ambas as peças da pilha que Tom lhe dera, olhou-se no espelho acima da cómoda. O hematoma na fronte lhe parecia um pouco melhor, mas seu rosto ainda era o de uma estranha.
Descendo as escadas, notou que, pela maneira como o sol banhava a casa, devia ter dormido até a metade dá manhã
Enquanto atravessava a soleira da sala de jantar até a cozinha, ouviu passos pesados subindo os degraus da varanda dos fundos. Então, ouviu a voz de Tom.                                                                
— Como vai, xerife?
Dorothy gelou e fechou melhor o roupão em torno de si. Lembrava-se de ter sido interrogada pelo xerife no dia anterior. O homem não fora amistoso e simpático como as demais pessoas no hospital. Na verdade, sua atitude fora acusadora, como se achasse, que ela fizera algo errado.  
Bom dia, Tom — dizia o xerife.
E então, descobriu alguma coisa? — perguntou-lhe Tom. Acho que sim.
Ela se encaixa na descrição de alguma ficha de pessoa desaparecida? -Não.
- Há algum mandado de prisão contra ela? Mandado de prisão? Estariam pensando que era uma criminosa? Sem ação quando a conversa se iniciara, Dorothy achou melhor mimter-se oculta na cozinha.
— Bem, não, não há — admitiu o xerife.
— Então, o que é? — perguntou Tom numa voz decididamente dura e exasperada.
— É apenas uma teoria a esta altura. Mas se eu estiver certo, isso explicaria muito sobre o que tem acontecido neste condado nos últimos meses.
— Do que está falando? — perguntou Tom com impaciência. Agachada atrás da geladeira, Dorothy conteve a respiração. Não
gostava de como aquilo estava soando. Nem um pouco. Então, ouviu o tom desgostoso na voz do xerife.
— Uma quadrilha. E, a menos que meu palpite esteja errado, nossa mulher misteriosa está no centro dela.
Dorothy cobriu os lábios com a mão para conter uma exclama¬ção horrorizada. Pensavam que era uma criminosa! Tom não a deixaria passar mais uma noite ali se a julgasse uma ladra. Não que ela esperasse ter de ficar muito tempo.
Com certeza, sua me¬mória voltaria a qualquer minuto, mas preferiria não ter de ficar confinada numa cela até que aquilo acontecesse.
— No que está baseando essa teoria, Harvey? — indagou Tom.
— Tivemos uma série de roubos nesta parte do condado e uns dois assaltos à mão armada também. Acho que são forasteiros, e ela poderia fazer parte do bando, especialmente aparecendo dessa maneira, naquele veículo suspeito e alegando ter amnésia. Eu o aconselho a me deixar levá-la para a cadeia até que tenhamos des-coberto algo decisivo.
— Ela ficará aqui — declarou Tom simplesmente. O xerife soou incrédulo.
— Ouça, você tem que pensar em Jamey.
A voz cortante de Tom ouviu-se imediatamente em seguida.
— Ninguém sabe melhor do que eu o que é bom para Jamey. Não deixarei você levar aquela mulher para a cadeia sendo que tudo o que tem contra ela é uma simples teoria. Você nem sequer tem nada do que acusá-la oficialmente.
— Ora, faça como quiser, mas eu tomaria cuidado se fosse você — declarou o xerife Gulch num tom que demonstrava contrarie¬dade. — Quero que saiba que não descansarei até descobrir quem é aquela mulher.
Ficarei em contato.
Dorothy soltou um suspiro de alívio quando ouviu os passos pesados do xerife descendo os degraus e, depois, o ruído do motor de seu carro. Tom a deixaria ficar. Mas por quanto tempo?
Decidiu que não deixaria que ele soubesse que ela ouvira sua conversa com o xerife. As coisas seriam menos constrangedoras daquele modo. Levou um momento para se recompor, respirou fundo e caminhou até a cozinha com o máximo de naturalidade que conseguiu aparentar.
— Bom dia. Desculpe-me por ter dormido tanto. — Dorothy bocejou e se espreguiçou.
Ele ergueu os olhos, mas não sorriu, sua expressão tensa.
— Foi bom você repousar. Passou por maus bocados ontem.
— Percorreu-a de alto a baixo. — Presumo que sua memória não tenha acordado com você.
—Não. Infelizmente.—Dorothy fechou melhor o roupão, mais uma vez ciente de que estava usando as roupas da ex-mulher dele.
—  Foi a viatura do xerife que eu vi deixando a fazenda agora mesmo?
— Sim. — Tom levantou-se e adiantou-se até o balcão. — Quer um pouco de café?
— Claro. — Dorothy puxou uma cadeira, sentando-se à mesa. Ele parecia tão pensativo. Estaria reconsiderando a decisão de dei¬xá-la ficar ali? — O xerife sabe quem eu sou?
Tom retornou com duas canecas cheias de café fumegante, re¬tomando seu lugar à mesa.
— Não, não sabe.
— E ele disse o que acontecerá agora?
— Tenho certeza de que o xerife tem algumas ideias. Disse que não descansaria enquanto não descobrisse quem você é. — Tom sorriu, obviamente tentando tranquilizá-la.
E ela teria ficado mais iranquila... se não tivesse ouvido o xerife e a malícia com que fizera tal declaração.
— Acho que não faltará muito tempo para isso. Afinal, estou desaparecida há menos de vinte e quatro horas.
Talvez ninguém lenha tido a chance de sentir minha falta ainda. O xerife ainda quer  que eu fique na cadeia?
Tom observou sua caneca de café longamente e, enfim, ergueu os olhos para fitá-la.
— Ele chegou a mencionar isso, mas acho que tenho uma ideia melhor.
— Oh? — Dorothy respirou fundo e cruzou os dedos por de¬baixo da mesa.
Um leve indício de sorriso passou pelo rosto de Tom e desapa¬receu sob uma máscara de indiferença.
— Tenho uma proposta para você.

Fazendeiro Apaixonado - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora