9.2: rosas vermelhas

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Damien Fox
16 dias para o Halloween, 2019
Ainda no velório de David Woods

— Oliver Fox, querida — A madrasta de Kyle se aproximou para envolver os ombros da minha irmã. Ela usava um vestido preto de tecido grosso e apertava vários lenços de papel entre os dedos. Alguns estavam manchados de maquiagem. — É bom ver você outra vez.

Desviei antes que ela pudesse me abraçar também.

Kyle era quem importava. E procurar por ele no meio de tantas pessoas com roupas escuras era mais difícil e demorado do que parecia.

Eu conheci Kyle alguns meses depois de ganhar uma bolsa de estudos para uma escola de elite.

Eu morei boa parte da vida em orfanatos e abrigos beneficentes. E esse tipo de coisa era minha melhor forma de conseguir entrar na faculdade.

A família de Kyle tinha empreendimentos petrolíferos.

Uma vez perguntei porque diabos ele queria um diploma universitário.

A resposta foi que não gostava de falar que era herdeiro quando questionavam seu dinheiro. Então descobriu que era muito bom com números e cansou de esconder sua paixão secreta pelo universo.

Ele foi admitido em astrofísica no último ano da escola.

— Aprendeu a rezar? — Kyle gritou, apoiado em uma sepultura.

A voz parecia esmagada e acorrentada dentro da garganta. Não precisava de uma confirmação melhor para saber que não tinha dormido desde que reconheceu seu pai morto. A imagem do corpo esverdeado e metade costurado no necrotério embrulhava seu estômago.

Eu balancei a cabeça.

— Não. Mas ninguém aqui deve saber rezar — Me aproximei da construção de pedra feia onde ele estava. Era uma das únicas que não abrigava nenhuma colônia de fungos e não parecia desgastada pelas chuvas de inverno. Mas continuava feia.

— Eu não aguento mais responder que estou bem. Não pergunte nada, Damien — confessou, observando duas senhoras de cabelo branco colocarem um buquê de flores no caixão. Mesmo de longe, dava para ver que estava fechado. — Ainda quer levar Pumpkin em uma plantação de abóboras vestida de abóbora?

Pumpkin era minha gata.

Ela surgiu do nada durante uma tempestade.

Eu costumava passar boa parte das noites sem dormir. E ouvi um barulho diferente na madeira da porta quando os trovões pararam de estourar.

A pelagem branca estava imunda. As patas tinham uma camada grossa de lama e as orelhas pingavam água da chuva. Ela soltou um miado baixo que me fez querer levá-la para perto da lareira. Mas Pumpkin fugiu das minhas mãos e entrou sem precisar ser convidada.

Minha casa se tornou dela desde então.

— Você parecia mais animado com a ideia de transar com gente desconhecida até esquecer seu nome.

Kyle sorriu.

Uma lágrima brilhou nas bochechas molhadas.

— Eu pareço animado para muitas coisas. Mas no fundo, não quero fazer nada. Não falo isso de uma forma depressiva que você precise se preocupar. Não é uma bandeira vermelha. Eu só quero esquecer da sensação de encostar em um cadáver e faltar todas as aulas essa semana.

Não esperei para abraçar Kyle mais firme do que naquela noite.

Dessa vez, ele não chorou. Não colocou para fora os soluços que estavam presos. Apenas acompanhou em silêncio os batimentos do meu coração até sincroniza-los com os seus.

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