cap.3

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Nós não tínhamos a internet,mas tínhamos uma rede.
Não tínhamos websites,mas tínhamos locais onde esticar nossa rede.Mesmo alguém tão jovem quanto Yoongi,tão jovem quanto Kai,era capaz de encontrar.

Píeres e cafés.
Locais no parque e livrarias.

Esses eram portos seguros,mesmo quando tínhamos medo de que sermos abertos demais significava que estávamos nos abrindo para um ataque.

Nossa felicidade tinha desafio,e nossa felicidade tinha medo.

Às vezes havia anonimato,às vezes você estava cercado de amigos e amigos de amigos.
Fosse como fosse,você estava conectado.
Por seus desejos.Por seus desafios.Pelo simples e complicado fato de quem você era.

Fora das cidades grandes,as conexões eram mais difíceis de se ver,a rede era mais fina,os locais eram mais difíceis de encontrar.Mas estávamos lá.
Mesmo que achássemos que éramos os únicos,estávamos lá.

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Poucas coisas podem te deixar tão felizes quanto um baile gay.

Neste momento,às 21h03 daquela sexta-feira,estamos em uma cidade com o nome improvável de Kindling,ou seja, “gravetos”; sem dúvida os pioneiros tinham um desejo de morte ardente,ou talvez fosse apenas um tributo aos gravetos em chamas que mantiveram os colonizadores vivos.

Em algum ponto do caminho,alguém deve ter aprendido a lição do terceiro porquinho,pois o centro comunitário é todo
construído de tijolos.
É um prédio sem graça e silencioso em uma cidade sem graça e silenciosa; sua arquitetura é tão bonita quanto a palavra municipal.É um local improvável para um garoto de cabelo azul e um garoto de cabelo rosa se encontrarem.

Kindling não tem adolescentes gays suficientes para terem um baile próprio.

Assim, esta noite, os carros chegam de todos os lugares.

Alguns dos casais chegam juntos,rindo ou brigando ou sentados em seus silêncios separados.Alguns dos garotos
chegam sozinhos; saíram sorrateiros de casa,ou vão se encontrar com amigos no centro comunitário,ou viram a lista online e decidiram ir no último minuto.
Há garotos de smoking,garotos decorados com flores,garotos de moletons rasgados,garotos de gravatas estreitas como as pernas das calças jeans,garotos de vestidos irônicos de tafetá, garotos de vestidos não irônicos de tafetá,garotos de camisetas com gola V,garotos que se sentem estranhos usando sapatos sociais.E garotas…garotas usando todas essas coisas,indo para o mesmo lugar.

Se fomos aos nossos bailes de escola, fomos com garotas.
Alguns de nós se divertiram; alguns olharam para trás anos depois e se perguntaram como conseguimos ser tão alheios a quem somos realmente.
Alguns de nós conseguiram ir juntos,com nossas melhores amigas se passando por nossos pares.

Fomos convidados para esse ritual,mas só se sustentássemos a história de nossos supervisores.Era mais provável que Jeon Jungkook nos convidasse para um baile na lua do que podermos ir a um baile como o que acontece em Kindling esta noite.

Quando estávamos no ensino médio,o cabelo existia no espectro sem graça de preto/castanho/ruivo/louro/grisalho/branco.Mas esta noite, em Kindling, temos Namjoon chegando ao centro comunitário com o cabelo tingido de azul-turquesa.Dez minutos depois, Seokjin chega com o cabelo rosa da cor de um Cadillac da Mary Kay.
O cabelo de Namjoon é espetado como a superfície de um mar agitado,enquanto o de Seokjin cai delicadamente sobre os olhos.Namjoon é de Kindling e Seokjin é de Marigold,uma cidade a 65 quilômetros de distância.

Percebemos imediatamente que eles não se conhecem,mas que vão se conhecer.

Não somos unânimes quanto ao cabelo.
Alguns de nós acham que é ridículo ter cabelo azul ou rosa. Outros desejam poder voltar no tempo para fazer o cabelo imitar a gelatina que nossas mães serviam à tarde.

Raramente somos unânimes em relação a alguma coisa.

Alguns de nós amaram.
Alguns não conseguiram.
Alguns foram amados.
Alguns não foram.
Alguns nunca entenderam para que tanta confusão.
Alguns queriam tanto que morreram tentando.
Alguns juram que morreram de coração partido,não de AIDS.

Namjoon entra no baile,e Seokjin entra dez minutos depois.

Sabemos o que vai acontecer.
Já testemunhamos essa cena tantas vezes antes.
Só não sabemos se vai dar certo,nem se vai durar.

Pensamos nos garotos que beijamos,nos garotos com quem transamos,nos garotos que amamos,nos garotos que não retribuíram nosso amor,nos garotos que estavam
conosco no final,nos garotos que estavam conosco depois do final.

O amor é tão doloroso; como podemos desejar para alguém?
E o amor é tão essencial; como podemos atrapalhar o progresso dele?

Namjoon e Seokjin não nos veem.
Eles não nos conhecem,não precisam de nós nem nos sentem no salão.Eles nem veem um ao outro até se passarem vinte minutos de baile.

Namjoon vê Seokjin por cima da cabeça de um garoto de 13 anos usando (é verdade,tão gay) suspensórios de arco-íris.
Ele vê primeiro o cabelo de Seokjin,depois ele.
Seokjin ergue o olhar naquele mesmo momento e vê o garoto de cabelo azul olhando para ele.

Alguns de nós aplaudem.
Outros afastam o olhar,porque dói demais.

Sempre subestimamos nossa participação na magia.
Isso quer dizer que pensávamos na magia como uma coisa que existia independente de nós.Mas não é verdade.
As coisas não são mágicas porque foram conjuradas para nós por uma força externa.Elas são mágicas porque nós as criamos e as consideramos assim.

Namjoon e Seokjin vão dizer que o primeiro momento em que se falaram,o primeiro momento em que dançaram,foi mágico.Mas foram eles,mais ninguém e mais nada,que deram magia ao momento.

Nós sabemos.Nós estávamos lá.
Namjoon se abriu para o momento.
Seokjin se abriu para o momento.
E o ato de se abrir era tudo de que eles precisavam.
Essa é a magia.

Concentração.O garoto de cabelo azul lidera.
Sorri ao pegar a mão do garoto de cabelo rosa.
Ele sente aquilo que sabemos: o sobrenatural é natural,e o milagre pode vir do movimento mais mundano,como um batimento de coração ou um olhar.

O garoto de cabelo rosa está com medo,com tanto medo; só aquilo que você mais desejou pode assustar daquela maneira.

Escutem os batimentos deles.
Prestem atenção.
Agora,afastem-se.
Vejam os outros adolescentes na pista de dança.
Os desajustados à vontade,os rebeldes rasgados,os medrosos e os corajosos.Dançando ou não.Conversando ou não.
Mas todos no mesmo salão,no mesmo lugar,se reunindo de uma forma que não podíamos fazer antes.

Afastem-se mais um pouco.
Estamos olhando de longe.
Digam oi se vocês nos veem.

〃boy meets boy〃Onde histórias criam vida. Descubra agora