Um

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Você é um idiota, Sasuke, foi o que pensei ao entrar no carro. Okay, talvez não tão idiota assim; talvez seja só o peso de todos os erros que eu cometi no passado se manifestando. É, o karma finalmente veio me cobrar. Mas, em minha legítima defesa, eu era apenas uma criança assustada e traumatizada, tá? Guardem o papinho moralista para mais tarde — vocês com certeza vão precisar.

Para quem não está entendendo absolutamente p***a nenhuma — Shisui não me deixa xingar, perdão —, muito prazer, meu nome é Sasuke Uchiha e eu sou, sem sombra de dúvidas, o maior energúmeno existente na face da Terra. Igualmente gostoso, claro, mas esse ainda não é o ponto da história. O ponto da história é que, após mandar o sumidão por quatro anos, mudar de cidade e cortar contato com praticamente todo mundo que conheço, eu decidi voltar para a boa e velha Konohagakure, minha cidade natal.

Foi uma decisão tomada de cabeça quente, admito. Shisui, meu primo, comentou que tinha dado um pulo lá recentemente, e a nostalgia me pegou de surpresa. Ah, a escola repleta de professores incompetentes que preferiam estar em qualquer outro lugar menos ali! Os garotos chatos e burros e as meninas irritantes e cheias de si! O governo corrupto, a propagação de uma mesma linhagem no poder! Como eu senti falta disso!

Ironias à parte, eu de fato já estava começando a, sabe, sentir falta do lugar. Itachi vive dizendo que eu fico pagando de edgy lord e mais um monte de outros nomes em inglês, mas que no fundo sou um bobão com coração mole. Mas é bem no fundo, tipo lá nas profundezas. Então, é, a saudade bateu e eu comentei que talvez não seria uma decisão muito ruim retornar às minhas raízes, uma vez que nosso tio Madara ainda morava lá. Shisui embrazou na ideia, claro, e meu irmão não trouxe objeções.

E é por isso, meus leitores queridos, que eu, sentado no banco de trás do carro e tremendo como a porcaria de um pinscher, estou me remoendo por dentro, numa espécie de auto martírio, enquanto penso cá comigo mesmo por que diabos eu inventei de voltar? Nem mesmo a discussão acalorada que rolava no banco da frente sobre a nossa trilha sonora era capaz de me tirar da minha miséria emocional.

O único lapso de felicidade que tive naqueles minutos foi quando Green Day começou a tocar, e a dupla dinâmica, que nunca chegou a realmente superar a fase emo, decidiu cantar junto. Shisui, felizmente, era um bom cantor. Agora Itachi... além de ser mais desafinado do que uma cabra em trabalho de parto, ele não sabia boa parte da letra, o que resultava em uma embolação de palavras que mais parecia árabe do que qualquer outra coisa. E mesmo que tivesse sido engraçado ver as tentativas do meu irmão falharem miseravelmente, eu prezo pela saúde dos meus ouvidos, obrigado.

Moral da história: acabei encolhido, de fone e escutando a minha playlist do arrependimento num looping nada saudável. Preso naquela inércia de mexer no celular sem efetivamente fazer alguma coisa, acabei abrindo o chat com Neji Hyuuga, o único com quem eu ainda mantinha contato. Nós não éramos exatamente amigos, para ser sincero, mas éramos parecidos demais e acabamos nos aproximando, principalmente nesses anos em que eu estive fora.

Por ter tomado a incrível decisão de cortar todos os meus laços, acabei dependendo muito de Neji, e nós criamos uma certa intimidade cúmplice bem estranha, uma espécie de "me ligue só quando você precisar". Raramente conversávamos sobre algo que não fosse nossos problemas de adolescentes com mentes conturbadas. Ele é o tipo de pessoa com quem eu passaria horas consecutivas desabafando durante a madrugada, e no dia seguinte me limitaria a dar um bom dia educado. Era melhor assim.

A bem da verdade, eu nunca fui um cara muito cheio de amigos. Nós tínhamos a nossa turma, claro, porque Konoha é do tamanho de um feijão e todo mundo naquela desgraça se conhece, mas eu sempre tentei me manter o mais distante possível. Não sei ser sociável. Ou melhor, como diz Shisui, eu sou babaca demais para ser sociável. Fazer o quê? Se nem Jesus agradou a todos, por que eu devo tentar?

Um lance não verbalizadoOnde histórias criam vida. Descubra agora