Prólogo

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POV - Lisa

Eu a observava das sombras, pois era o único lugar em que eu podia estar.

Ela pulsava com a intensidade de alguém vivo, intoxicando seu corpo com drogas recreativas.

Pelo o que pude observar, era isso que a maioria das pessoas vivas fazia.

Ela estava completamente no presente. E isso explicava sua calma.

Seus cabelos de um branco arroxeado se agitavam sutilmente, fazendo com que ela de tempos em tempos precisasse os afastar do rosto.

Deu mais um trago no cigarro, manchando seus pulmões frágeis e riu.

Nesses momentos em que eu presenciava o escape alheio, eram os que eu sentia mais inveja.

Um sentimento constante, mas que se tornava maior quanto mais impossível fosse para mim ter algo.

Queria poder manchar meus pulmões também.

Queria poder escapar, para qualquer lugar que fosse.

Queria saber qual seria a sensação do vento sobre meu pesado cabelo, já que aqui o ar era estagnado e nenhuma brisa tocava.

A cena se desenrolava e eu me ressentia por não caber ali. Mesmo que eu pudesse fisicamente tocá-la, o que não era o caso, não via como eu podia pertencer, pois estava condenada à ficar na margem.

Comecei a me perguntar como eu seria ou quem eu seria se pudesse estar ali.

As bochechas das duas adolescentes pareciam doer de tanto rir, isso eu conseguia compreender, mas não entendia o que elas diziam. Não era capaz de decodificar suas palavras, apesar de estar perto fisicamente. A alegria delas era quase palpável, mas incompreensível.

Seria eu a garota ao seu lado, de olhos fechados, cabelos pretos e brilhantes, balançando o corpo de um lado para o outro na grama verde? Um sorriso leve de canto de boca enquanto ela parecia aproveitar o momento. Ou seria eu a menina de cabelos quase brancos que havia me chamado primeiro a atenção?

Elas estavam pacíficas.

Não me via como nenhuma das duas.

Muito menos com a primeira, porque suas vibrações transcendiam qualquer coisa que eu já tivesse sentido. Ela era magnética, eletrizante e dinâmica.

Conclui que se eu pudesse me encaixar ali, certamente seria a fumaça densa que subiu pelo céu.

Tão fora de foco, se expandindo para o eterno nada.

Presente, assim como eu, mas passava despercebida.

Ela olhou na minha direção, ainda com o sorriso no rosto.

Isso acontecia às vezes e ao acaso, mas não porque eles podiam nos ver, já que isso seria impossível.

Alguns até nos sentiam com mais intensidade, achavam que tinham visto algo, estreitavam os olhos para focar a visão e, quando eu finalmente me enchia de esperança achando que ia ser notada, eles desviavam e se esqueciam do sentimento esquisito logo em seguida.

A vida era normal de novo.

A garota se demorou na minha direção por um instante, seu sorriso sem vacilar. E por isso eu soube que havia sido sem querer, porque se ela houvesse me visto, qualquer resquício de felicidade teria se esvaído. E ela, que ainda era a mesma alma brilhante de antes, logo voltou sua atenção para a amiga, que agora ria e gesticulava. Pela primeira vez agradeci por nenhum deles poder me ouvir, pois sei que teria gritado naquele momento, nem que fosse apenas uma única vez, só para que ela olhasse novamente para mim.

Contudo, só o que me restava era ser uma fumaça. E era melhor assim.

Do Outro Lado Daqui ~ ChaelisaOnde histórias criam vida. Descubra agora