Capítulo 4

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— Não vou fazer o evento com esse macacão grudado, Lari. De jeito nenhum!

            — Você assinou o contrato sabendo que teria que usar “um macacão justo”, Lili. Eu assinei o mesmo contrato que você e vi isso escrito lá.

            — Mas, quando li “justo”, não imaginei que fosse tão justo que pareceria que estou pelada ou que meus peitos iam pular para fora!

            Cruzo os braços sobre o colo, tentando bloquear a visão “privilegiada” que têm as pessoas que passam pela fila de maquiagem e cabelo onde eu e Larissa nos encontramos, antes de seguirmos para nossos respectivos estandes na feira de carro.

            — Elise, não quero te assustar, mas preciso te dizer assim mesmo, amiga: você assinou contrato para o tipo de evento no qual, basicamente, apenas seu corpo importa.  

            — Eu sei, Larissa. Mas, se usando vestido, os caras parecem que a qualquer momento vão jogar a gente no capô dos carros e rasgar nossas roupas... imagina vestida com isso?! — Dou lugar para a moça que estava atrás de mim na fila. Preciso ganhar tempo para me acostumar com esse “uniforme”. Ou dar um jeito de me livrar dele.

            — Não acredito que você está criando caso por causa de um macacão! Na boa, sou eu que tenho que fazer sexo com esses caras nojentos, não você! — Encara a moça que entrou entre nós duas. — Vá para o final da fila, minha filha. O problema é seu se chegou atrasada. Estou aqui há mais de uma hora!

            — Vamos combinar, amiga, você faz sexo com eles porque você quer, não? — Estou sendo má com a Larissa, eu sei. Mas estou tão nervosa que não consigo pensar direito.

            — Eu faço por meu filho, Elise. Só por ele. Você conhece muito bem minha história. Sabe que não tive escolha.

            Controlo-me para não levar o assunto adiante. Não acho certo o que Larissa faz. Acho muito errado, isso sim. Não é a questão de fazer programas. Como eu disse, cada um com seu cada um. O que acho errado é ela jogar o filho no meio disso. Conheço Larissa tempo suficiente para saber que o filho não tem nada a ver com a decisão dela. Sim, o cara que a engravidou a abandonou. Joaquim, o garotinho de sete anos, de cabelos todo espetados, nas festinhas de quem faço questão de comparecer todos os anos, realmente não tem um pai. Bom, deve ter ainda o pai, se ele não morreu de overdose de cocaína por aí. Mas esse pai o abandonou há muito tempo. Joaquim ainda era bebê. Porém, é mentira que minha amiga aceita os eventos “ficha rosa” por causa dele. Desde que Larissa se viu sozinha, sem um lugar para ficar, ou alguém para ajudá-la a criar o filho, os pais dela acolheram-na de volta com o maior amor do mundo. Não apenas amor. Dinheiro também. Deram e dão de tudo para o menino. Inclusive pagam a escolinha. A verdade, nua e crua, é que Larissa aceita todos os tipos de eventos por benefício próprio. Para benefício de seus glúteos perfeitos, sua barriga sarada e seu rosto de porcelana. Cada centavo que ganha é aplicado em estética. Ela já fez tantos procedimentos, invasivos e não, que falo para ela que, quando tiver uns quarenta anos, ela vai acabar perdendo a expressão... do corpo todo! Aos 27 anos, Larissa parece uma boneca: é uma morena linda, de cabelos negros, sedosos, lisíssimos; além de ser magérrima e tão alta quanto eu (para ser exata, como Talmo adora, ela tem três centímetros a menos que eu). Contudo, a metade dela nasceu depois. Seios, nariz, lábios, barriga, por exemplo.

            Embora saiba que muitas meninas que estão nesse ramo são absolutamente viciadas em tratamentos estéticos, ainda me sinto incomodada com isso. Não serei hipócrita de dizer que não estou nem aí para a aparência. Como não ligar para a aparência se, no trabalho que faço, todos exigem boa aparência de mim? Por isso, sou obrigada a sempre me apresentar com os cabelos deslumbrantes, toda trabalhada na maquiagem, magra e com as unhas feitas. No entanto, tirando meu amor por hidratantes corporais (os companheiros das minhas muitas bolsas) ou o hábito de me exercitar de três a quatro vezes por semana, eu não me considero obcecada por uma aparência perfeita. Não consigo nem me imaginar entrando num centro de estética para fazer tratamento com drenagem, lifting, peeling, carbo, cristais e sei lá mais os procedimentos que existem nessas clínicas. Larissa vive lançando um nome novo. Acho que ela já pode escrever um guia sobre esses tratamentos. Já testou todos. E eu continuo sem curiosidade para testar um que seja. Uma parte, eu sei, é preguiça. A outra, infinitamente maior, é que tenho coisas mais importantes com que me preocupar além da minha bunda caindo ou o pneu milimétrico na minha barriga. 

O Par Perfeito (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora