A feitiçaria ocorre em quase todas as sociedades do mundo. É também o mais antigo e o mais profundo elemento no conceito histórico da bruxaria europeia, a qual se formou a partir da religião pagã, do folclore, da heresia cristã e da teologia.
Tal como acontece com todas as formas de magia, a feitiçaria baseia-se na pressuposição de que o cosmo é um todo e de que, portanto, existem ligações ocultas entre todos os fenômenos naturais. O feiticeiro tenta, por meio do seu conhecimento e poder, controlar ou, pelo menos, influenciar essas ligações a fim de produzir os resultados práticos que deseja. Intimamente relacionada com a feitiçaria está a adivinhação, a determinação de fatos ou predição de eventos futuros na base dos vínculos secretos entre seres humanos, por um lado, e ervas, pedras, astros, o fígado de um cordeiro ou as pegadas de um chacal, por outro. Embora a adivinhação esteja próxima da feitiçaria, distingo as duas com o propósito de descrever as origens da bruxaria europeia. Na Europa, os adivinhos e áugures enveredaram por uma tradição que os situou muito perto da alta magia, enquanto a bruxaria adotou um rumo diferente.
A feitiçaria mais simples consiste no desempenho mecânico de uma ação física a fim de produzir uma outra: atar um nó numa corda e colocá-lo debaixo de uma cama para causar impotência; consumar relações sexuais num campo lavrado para aumentar a colheita; espetar alfinetes numa imagem para causar dor ou grandes danos. O significado de uma dada ação varia entre sociedades:
espetar alfinetes na imagem de uma divindade, por exemplo, pode ter o objetivo não de causar dano a alguém, mas, pelo contrário, de liberar o poder da deidade.
A feitiçaria mais complexa vai além dos meios mecânicos e invoca a ajuda de espíritos. Se fosse causado algum dano a um membro da tribo lugbara em Uganda, ele iria ao santuário de seus ancestrais mortos e solicitar-lhes-ia ajuda;
os espíritos sairiam e puniriam o culpado. A distinção entre essa feitiçaria invocatória e a religião é, por vezes, imprecisa, mas, em suas linhas gerais, o feiticeiro tenta mais compelir os poderes, em vez de implorar-lhes, a que façam o que lhes foi solicitado..Os processos de pensamento da feitiçaria não são analíticos, mas intuitivos.
Podem derivar, por exemplo, das observações individuais de incidentes cruciais. Um incidente crucial é uma experiência com grande carga emocional.
Num estado de ira, uma pessoa deseja que seu pai morra e golpeia uma almofada em imitação de um golpe desferido contra ele. No dia seguinte, essa pessoa sabe que seu pai morreu de súbito. Mesmo numa sociedade materialista, qualquer pessoa sentir-se-á provavelmente culpada e, se admitir a existência de um universo de conexões ocultas, a culpa será por certo mais intensa, pois poderá acreditar que a sua ação causou realmente a morte.
Eventos cruciais que uma metodologia empírica ignora porque não podem ser repetidos exatamente nas mesmas condições e empiricamente verificados podem ser considerados significativos numa visão mágica do mundo. As crenças da feitiçaria também podem decorrer do pensamento inconsciente expresso em sonhos e visões. Em sonhos, um ser ou uma pessoa transforma-se e funde-se numa outra, e muitos outros eventos estranhos ocorrem. Nas sociedades onde os sonhos são levados a sério e as distinções entre sonho e realidade física são vagas, os sonhos e as visões têm um grande poder de persuasão. Na maioria das sociedades, conjuntos detalhados de crenças no tocante à feitiçaria são transmitidos por tradição e tornam-se parte dos sistemas sociais e psicológicos dos indivíduos. Esses indivíduos passarão então a aceitar com muito mais facilidade os incidentes cruciais e os sonhos como confirmação das tradições. Vínculos ocultos para o observador empírico ou analítico podem parecer perfeitamente óbvios para o pensador intuitivo.
Com frequência, a feitiçaria tem uma função integral na sociedade. Em algumas sociedades, está intimamente relacionada com a religião. Um sacerdote ou sacerdotisa numa religião pública pode realizar atos rituais para produzir chuva, amadurecer a seara, obter a paz ou assegurar o êxito na caça ou a vitória na guerra. Na medida em que esses atos forem públicos e realizados com intuito social, a feitiçaria pode ser uma dama de companhia da religião.
Mas quando os atos do feiticeiro são realizados privadamente em benefício não da sociedade mas de indivíduos, são considerados antissociais e não formam parte da religião. Em alguns cultos, o vodu, por exemplo, ou a macumba no Brasil, as distinções não são claras, mas usualmente as sociedades distinguem legalmente entre feitiçaria pública, religiosa, e feitiçaria privada, aprovando a primeira e colocando a segunda fora da lei.Os efeitos da feitiçaria podem ser reais para aqueles que nela acreditam. A voluntários de países tecnologicamente avançados que servem em sociedades onde a feitiçaria é levada a sério, é feita com frequência a pergunta: Um homem na sua aldeia é subitamente atacado de cãibras; quem você chama, o médico ou o xamã? A resposta apropriada é que chame ambos. A causa da dor pode ser puramente física, mas se o homem acredita estar enfeitiçado, seu medo pode produzir ou aumentar a dor.