As religiões orientais, como o hinduísmo e o budismo, continuam professando uma ou outra forma de monismo; as ocidentais, por sua vez, são religiões monoteístas modificadas pelo dualismo. O espectro das religiões ocidentais vai desde o dualismo extremo do masdeísmo, passando pelo gnosticismo, maniqueísmo, judaísmo e cristianismo até o islamismo (em que o dualismo é bastante atenuado). Todas essas religiões, ainda que diferentes entre si, postulam um Deus inteiramente bom e onipotente, mas que, paradoxalmente, tolera o mal, que é uma força ou, pelo menos, um vazio em oposição ao Deus bom, ou uma limitação Dele.
O problema do mal foi sempre o mais difícil problema da teologia judaico-cristã. Como se explica que Deus possa ser todo-poderoso e todo-bondade e, no entanto, tenha criado um mundo onde são abundantes o câncer, a fome e a tortura? Uma resposta é que o mal é, pelo menos em parte, causado por um espírito maligno de grande poder. Os hebreus chamaram a esse espírito satan, “o destruidor”. Satan foi traduzido para o grego como diabolos, donde provieram o latim diabolus, o inglês devil, o francês diable e o nosso “diabo”.* No Antigo Testamento, a figura de Satã só se manifestou de forma gradual e imprecisa, mas depois, no período do Apocalipse e da literatura apócrifa (200 a.C. a 150 d.C.), recebeu uma definição clara. O judaísmo permaneceu monoteísta, pelo que Satã nunca pôde converter-se num princípio totalmente independente, como ocorrera com a sua contraparte no masdeísmo, mas o poder que o judaísmo apocalíptico lhe atribuiu era considerável. O Senhor e o Diabo eram percebidos em oposição ética e cósmica. Cada um tinha o seu próprio reino: o do Senhor era o reino da Luz, o de Satã, o das Trevas. O plano do Diabo é tentar Israel para que se afaste de Javé, e consegue certo êxito; mas no fim do mundo, Israel se arrependerá e o Messias porá término ao reino do Diabo. Nesse meio-tempo, o Diabo lidera uma legião de anjos caídos e espíritos maléficos que percorrem o mundo procurando arruinar e destruir as almas.
Essa concepção de mundo transforma o conceito de feitiçaria. Em sua forma mais simples, a feitiçaria era puramente mecânica. Estava então ligada à invocação de espíritos, os quais eram definidos como hostis à humanidade.
Agora são definidos como hostis a Deus. O judaísmo apocalíptico percebeu os espíritos como demônios malignos coligados sob o comando do Diabo, o princípio do Mal. Resultou dessa crença que um feiticeiro que invoque espíritos está convocando os servos de Satã para que colaborem com ele em seus desígnios. O cristianismo tornou esse argumento hermético. Os espíritos bons, como os anjos e os santos, não podiam ser compelidos, argumentaram os cristãos; a eles só é admissível suplicar. Os únicos espíritos que podiam ser compelidos eram os maléficos. O feiticeiro subjugava e forçava os espíritos;
portanto, os espíritos assim convocados eram malignos. Além disso, o poder do Diabo é tão esmagador que quem tentar imprudentemente controlar seus servos ver-se-á, pelo contrário, controlado por eles. O feiticeiro torna-se servo dos demônios e um súdito de Satã. Assim tinham sido inteiramente preparadas as bases para a transformação da feitiçaria em bruxaria.
Depois do período apocalíptico, o papel de Satã no judaísmo declinou, porquanto os rabinos, que dominaram o judaísmo a partir do século I, prestaram-lhe pouca atenção. Mas o cristianismo foi fundado em pleno período apocalíptico e, por conseguinte, o Novo Testamento e o pensamento cristão subsequente atribuíram a Satã um papel considerável. A função do Diabo no Novo Testamento é um princípio antagônico para o Cristo. A mensagem central do Novo Testamento é que o Cristo nos salva. E é do poder do Diabo que Ele nos salva. A oposição entre o Senhor e o Diabo é violenta e profunda, e quem se colocar no caminho do Salvador ou tentar frustrar seus planos de salvação é, explícita ou implicitamente, um servo de Satã. O Diabo tem sob o seu comando toda a oposição natural e sobrenatural ao Senhor, incluindo demônios, infiéis, hereges e feiticeiros. Os cristãos primitivos tinham particular aversão pelos feiticeiros. Ao pretenderem que os milagres realizados pelo Cristo fossem prova evidente de Sua missão divina, os cristãos foram obrigados a atacar as reivindicações de prodígios idênticos realizados por feiticeiros, reputando-as como espúrias. Seus próprios inimigos, como o pagão Celsus, refutaram o cristianismo afirmando que o Cristo não passava de mais um feiticeiro. Assim, os cristãos perceberam a feitiçaria como um insulto e uma ameaça.A atitude cristã em relação aos feiticeiros ficou clara a partir dos Atos dos Apóstolos. Quando Paulo e Barnabé visitaram a cidade de Pafos, aí encontraram “um certo feiticeiro, um falso profeta” chamado Bar-jesus, ou Elimas, que procurou afastar os apóstolos da fé. Paulo, “cheio do Espírito Santo”, assim o repreendeu asperamente: “Filho do diabo, cheio de falsidade e malícia, inimigo de toda justiça, quando é que vais parar de torcer os caminhos do Senhor, que são retos? Eis que a mão do Senhor vai cair agora sobre ti.
Ficarás cego e, por algum tempo, não verás mais o sol” (Atos 13, 6-11). Simão, o magos, cuja conversão e batismo foram registrados em Atos (8, 9-13), tornou-se na tradição cristã ulterior um dos protótipos do feiticeiro diabólico. A postura do cristianismo era clara. Por um lado, havia os seguidores do Bem e da Luz; do outro, os adeptos do Mal e das Trevas, entre os quais se destacavam os feiticeiros. A feitiçaria percorrera um longo caminho desde as suas origens na magia simples e mecânica.