70. Ganhar o Wattys mudou alguma coisa na minha vida?

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#praTodosVerem | Descrição da imagem: foto em preto e branco

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#praTodosVerem | Descrição da imagem: foto em preto e branco. Vê-se o autor de lado, parado em um jardim diante de uma parede de pedras, envolto por plantas e olhando para o alto. A luz do sol incide sobre seu rosto com tal intensidade que não vemos detalhes da face.

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Desde que eu entrei no Wattpad, eu ouço sobre o Wattys, maior prêmio literário do Wattpad e um dos maiores da literatura independente mundial. E desde cedo percebi uma verdade: a maioria dos usuários da plataforma veem o prêmio como se fosse o objetivo de uma vida. Em meados de julho e agosto, época de inscrição para o Wattys, as redes sociais dos 'wattpaders' se enchem de suposições, conspirações, reclamações e desespero. E não é para menos.

Um livro ganhador fica em destaque das redes oficiais, tem muito mais chances de receber propostas de editoras, ganha mais visualizações e comentários e entra em um seleto grupo de obras vencedoras em meio aos milhares de livros publicados no Wattpad. Contudo, junto com o bônus, há também o ônus da irrelevância do prêmio, pois o Wattys até então era envolto por uma grande polêmica que tirava parte do seu brilho.

Por mais que tenha importância no meio independente, até a edição de 2019 o Wattys possibilitava que livros incompletos disputassem. A plataforma dizia que o prêmio era o "Oscar da literatura independente", mas ninguém nunca viu o Oscar, o Globo de Ouro, o César, o Festival de Gramado, o prêmio Jabuti ou o Pulitizer premiar obras incompletas, viu? Esse detalhe dava margem à questionamentos sobre a qualidade de obras vencedoras perante o fato de que algumas delas nunca foram finalizadas. Afinal, o prêmio era pela qualidade literária de uma obra ou pela promessa de uma ideia? Ficava a dúvida. Não à toa, visando maior credibilidade, as regras para o ano de 2020 mudaram e ficaram muito mais rígidas. Com isso, talvez o Wattys comece a ganhar mais relevância fora do mundo wattpadiano e a promessa de fazer as obras ganhadoras "atingirem o grande público" seja cumprida.

Eu ganhei o Wattys em 2019 com "O Jardim das Confissões Perdidas". Se eu dissesse que nada mudou, eu seria um hipócrita. Muitos leitores apareceram, eu recebo comentários todos os dias e já recebi várias propostas de publicação física que, como expliquei capítulos atrás, não aceitei porque as editoras exigiam que eu retirasse o livro daqui. Contudo, diferente do que muitas pessoas acham, o Wattys não é nem o fim e muito menos o começo de uma carreira.

Desde os doze anos que eu bato no peito e digo que sou escritor. Nunca parei de estudar escrita criativa e, nesse contexto, o Wattys foi um afago. Ele me deu visibilidade, mas não definiu quem eu sou. A resposta para a pergunta desta publicação, portanto, é: na minha vida real, não mudou nada. Eu posso ter uma coroa na cabeça que me dá algum destaque, mas continuo na mesma corrida de todos os outros usuários da plataforma. Antes e depois do prêmio, eu continuo me aperfeiçoando e estudando escrita criativa.

O Wattys é importante, mas não é sinônimo de extrema qualidade. Se você correr atrás dele com esse objetivo, a decepção pode ser grande. Quer um exemplo de como lidar com premiações grandes? Gabriel García Márquez.

O escritor colombiano ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1982. É uma honraria e tanto, né? Talvez, uma das, senão a maior, da literatura. Contudo, nas entrevistas que deu após o prêmio, ele sempre enfatizava: tinha orgulho da condecoração, mas não a tomava como linha de chegada, como se o prêmio significasse que ele alcançara o seu auge. Gabo, como era conhecido, soube conter o ego e teve consciência de que o Nobel era uma vírgula, um parêntese, um ponto continuando, mas jamais um ponto final em sua carreira.

Além do fato de alguns ganhadores do Wattys de anos anteriores nunca terem finalizados os livros vencedores, ainda há aqueles autores que tomaram o prêmio como símbolo de superioridade. Um bicampeão do Wattys vivia no Facebook apontando dedos para todo mundo e, quando alguém questionava as qualificações que ele tinha para criticar outros usuários do Wattpad, ele adorava escrever a frase "Eu ganhei o Wattys duas vezes."

Sejamos sensatos: prêmios não qualificam ninguém. Conhecimento, sim. Os prêmios até podem ser o reconhecimento de um esforço, mas nunca simbolizar o fim de um jornada. Se fosse assim, grandes atrizes premiadas como Fernanda Montenegro, Eva Wilma e Nathalia Timberg não teriam prosseguido em suas carreiras. Katherine Hepburn, por exemplo, maior vencedora do Oscar por atuação, teria parado na primeira estatueta, deixado o ego subir à cabeça. Meryl Streep, então, indicada vinte e uma vezes à estatueta dourada, ganhadora três vezes, já teria explodido de tanto ego. Mas não: são artistas que prosseguiram e prosseguem na busca pela qualidade, independente dos prêmios.

Elas são excelentes no que fazem não por causa dos holofotes, mas, principalmente, por respeitarem a carreira que escolheram, respeitarem o próprio esforço e respeitarem o público que as elevou à categoria de grandes damas do teatro e do cinema.

Tenha fome por mais prêmios, por ganhar mais concursos, pois essa fome te fará estudar e aprimorar-se para ser reconhecido mais vezes.

Orgulhe-se. É claro que sim! Como sempre digo, não é teu pai, mãe, irmãos, amigos que devem ter orgulho de ti. O orgulho deve partir primeiro de dentro para que não fiquemos carentes de aplausos externos; carentes por migalhas. Contudo, não permita que o teu orgulho engula a sensatez. Lembre-se de que você pode ter quantos prêmios tiver, pode ter ganhado centenas de concursos, ter críticas positivas, não adianta: quem realmente valida um autor são os leitores.

Se você for egóico, se gostar de pisar nas pessoas, se for incapaz de ouvir, se achar que um prêmio te faz melhor do que o universo, mais cedo ou mais tarde, o público perceberá.

E nenhuma coroa resiste quando o público se cansa daquela pessoa.      

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