O PÁSSARO

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Leo cruzou os braços, fez um beiço enorme e se afundou no banco de trás do carro, mesmo que o cinto de segurança estivesse quase o matando sufocado por ele ser muito pequeno. E fez birra que toda criança faz, mas seus pais não ligavam. Criança faz birra mesmo, quem liga?
Sabendo que seus pais não o escutariam, ele continuou com a carranca no rosto e olhou pela janela. Ele só via árvores, árvores e mais árvores, com folhas tão verdes que cansavam seus olhos. Só Deus sabia descrever o quanto odiava aquilo. Seu pai sempre lhe dizia "você vai se divertir, querido" mas ele nunca se divertia. Como toda criança comum do novo século ele não queria passar o dia desfrutando da floresta que tinha perto de casa, que seus amavam ao ponto de às vezes até passarem a noite. Leo não gostava, ele não gostava do fato das árvores serem altas de mais, não gostava da terra sujando seus tênis branquinhos, não gostava dos bichos. Ele poderia mandar a mãe natureza ir a merda, mas ele é só uma criança, então tem que seguir seus pais, mesmo que ele prefira ficar em casa jogando vídeo-game. Porém, o pior de tudo isso é que seus pais sabem que ele prefere ficar em casa jogando vídeo-game, seus pais sabem demais e mesmo assim dão tapinhas na cabeça, sorriem e dizem "você vai se divertir, querido."

— Chegamos! — sua mãe exclamou, toda empolgada, já tirando seu cinto de segurança e saindo do carro. — Hoje é realmente um ótimo dia para fazer piquenique.

Leo agradeceu mentalmente por pelos ser apenas um piquenique, porque não tinha nada pior do que passar a noite na floresta em uma barraca que não cabia eles 3 direito.
Algo bateu na janela, era seu pai.

— Querido, venha!

  Ele tirou o cinto de segurança e desceu, parando de fazer birra, até porque ele estava com fome.
Uma toalha velha já tinha sido estendida sobre a grama que estava com aquele cheiro molhado por ter chovido ontem, e em cima da toalha, toda a comida. Um piquenique.

— Leonard, querido, venha! — sua mãe o chamou, pegando a faca para cortar o bolo de cenoura. — Eu fiz seu bolo favorito, não quer um pedaço?

Leo finalmente se rendeu por completo e sentou com seus pais no pano velho e listrado. E ele comeu seu bolo favorito, de cenoura com cobertura de chocolate. Seus pais também comeram, todo mundo comeu. Mas era muita coisa pra 3 pessoas, então quando cansaram de comer ainda tinha comida.

— Mamãe, papai, a gente pode ir embora agora?

Os dois adultos se olharam e então levantaram. Leo, feliz, começou a ajudar os dois a guardar as coisas de volta no carro, ele queria voltar pra casa.
Depois disso, entrou no fusca vermelho de volta.
Algo bateu na janela, não era seu pai dessa vez.
Leo gritou e deu um pulo para trás. Seus pais se assustaram e foram ver o que é. O pássaro foi embora, batendo as asas, assim que seu pai apareceu.

— Não se preocupe, era apenas um tucano — disse, ao entrar no carro. — Vamos para casa?

— Vamos, papai.

Ele colocou o cinto de segurança, ainda um pouco assustado com o pássaro que apareceu de repente com seu bico enorme, mas rapidamente esqueceu, colocando na sua cabeça que estava contente por ir embora da floresta.

* * *

Ela deixou um leve beijo na sua testa, como sempre fazia.

— Boa noite, querido — puxou a coberta, cobrindo o corpo de seu filho. — Durma, amanhã é um novo dia. Nos vemos amanhã?

— Sim, mamãe. Boa noite.

Ela sorriu, o beijou outra vez, só que dessa vez na bochecha, e então saiu do quarto, apagando as luzes não só do quarto mas de toda casa.
Leo fechou seus olhos e não iria demorar para que ele caísse em um sono pesado se algo não tivesse batendo na janela. Ele ignorou de primeira, estava cansado e amanhã teria que acordar cedo para ir à escola. Mas aí algo bateu na janela pela segunda vez, e foi mais forte. Teve uma terceira vez, mais forte que a segunda. Ele esperou uma quarta, tão forte que até iria quebrar o vidro da janela, mas nada veio. Ele dormiu. Foi apenas o vento batendo. Porém, teve uma quarta vez, só que foi mais tarde. Leo acordou assustado com o barulho, foi forte e alto, mas não ao ponto de quebrar a janela, e sim o suficiente para acorda-ló. Eram 03:33 da manhã. A janela bateu pela quinta vez, sexta, sétima. Na oitava ele resolveu se levantar e acender a luz do quarto. Agora tinha algo batendo sem parar na janela, através da cortina fina e branca. Leo começou a se perguntar se seus pais não tinham acordado com o barulho também. Ele caminhou de volta na cama, e se apoiou nos próprios joelhos. Seus dedinhos pequenos tocaram a cortina e a mexeu com cuidado e devagar. Não tinha nada na janela, além da lua, das estrelas e a escuridão que tomava conta da floresta que seus pais amavam. Não tinha nada além da noite. Ele bocejou, fechou as cortinas novamente e resolveu voltar a dormir. Leo se virou e foi quando viu o que estava fazendo barulho na sua janela. Era o tucano outra vez, mas tinha algo de diferente. O pássaro tinha a altura de seu pai, na verdade, era um humano, todo vestido de terno preto, mas a cabeça era de um tucano. Parando para pensar, era até maior que seu pai.
O homem com cabeça de tucano deu um passo a frente, o que assustou Leo, que deu um passo pra trás e encostou o corpo na parede e a cabeça na janela. E o homem se aproximava mais, e ele se aproximou até seu bico tocar com o nariz do garoto. Leo estava assustado, mas jamais admitiria isso, porque seu pai sempre lhe disse que medo é para os fracos, e ele não queria ser um fraco. Era só um tucano.
Leo engoliu em seco.

— Quem é você?

E, antes que ele pudesse gritar, a faca que o homem com cabeça de tucano estava segurando acertou em cheio na sua cabeça. Se misturando com o sangue de outras crianças. O tucano sorriu com o bico, se é que isso era possível, e foi embora, mas antes, ele bateu o bico mais algumas vezes na janela, só para ter certeza de que o garoto estava morto e deixou uma pena preta sua cair no chão, sem perceber.

Em nome do diaboOnde histórias criam vida. Descubra agora