"Não!" gritou enquanto cobria o rosto, fugindo dos olhos que se aproximavam rapidamente. E então tudo ficou escuro.
Alice acordou suando, arfando e apertando os lençóis da cama com toda força possível, podia sentir as unhas machucarem as mãos e certamente, se olhasse, veria que os nós dos dedos estavam brancos da força que fez, mas demorou a abrir os olhos e quando o fez, manteve-os colados no teto. Ficou naquela posição durante alguns minutos, deitada olhando para o teto do quarto, esperando a respiração voltar ao normal. Um pesadelo. Ou melhor, outro pesadelo. E todos os pesadelos eram assustadoramente similares. Todas as noites ela estava lá, parada em uma clareira, névoa cobrindo todo o chão, praticamente impossível de enxergar o que estava a sua frente. Alguns segundos após o sonho começar, um par de olhos cinzentos apareciam no meio da névoa, do outro lado da clareira.
No momento que os olhares se encontravam, uma angústia a consumia instantaneamente e, logo em seguida, os olhos prateados estavam a centímetros do seu rosto. Então tudo desaparecia e ela ficava presa em um limbo, onde só havia escuridão.
Depois de longos minutos e de estar exausta de encarar o teto azul marinho do quarto, levantou-se devagar da cama, tentando não pisar nos livros espalhados pelo chão. Alice estava sempre com muitos livros espalhados pelo chão, com muita dificuldade, algumas vezes no mês se forçava a guardá-los, mas normalmente a preguiça era grande demais para isso. Apesar de sempre gostar de manter tudo organizado em casa, quando colocava o pé dentro do quarto, esquecia de muitas de suas manias.
O quarto era um misto de roupas, livros e um grande tapete de pelos, sintético é claro, espalhados pelo chão. A cama consistia de um colchão de casal em cima de pallets de madeira clara, que foram envernizados pelo pai há anos, e ficava logo abaixo da janela. Normalmente, o pequeno espaço que sobrava na parede estava sempre cheio de pequenos vasos de plantas, diferentes tipos de suculentas, cactos e até um pequeno bambu. Plantas fáceis de sobreviver sem precisar de muitos cuidados.
A pequena bancada, do lado oposto, feita do mesmo material dos pallets da cama, era a única parte do quarto mais ou menos arrumada, onde ela deixava um velho notebook que usava para, resumidamente, duas coisas: ler livros online e escutar música. Acima dela, uma estante de metal com outras duas plantas suculentas e dois porta retratos, um com uma foto de seus pais e outro com uma foto segurando sua irmã, Luna, quando tinha apenas 2 anos.
Ao lado da bancada, escorados na parede, estava um violão e um teclado, devidamente guardados dentro de suas capas de courino preto. Alice suspirou lembrando há quanto tempo deveriam estar ali, as capas já estavam cobertas por uma pequena camada de poeira, instrumentos intocados há anos.
Ela caminhou até o banheiro e abriu a torneira. A imagem que via no espelho, antigo e cheia de manchas, era deplorável, olheiras fundas, o cabelo curto estava um caos - parecia que alguém fez um ninho nele enquanto dormia - e seria muito difícil arrumá-lo.
Enfim, decidiu que enquanto não tomasse um banho não iria realmente conseguir tirar o sono do corpo e nem acordar do pesadelo desta noite. Abriu o chuveiro e a água demorou a esquentar, com a paciência já no limite, ignorou o frio e o banho foi feito às pressas, gelado mesmo. Talvez não fosse uma boa ideia, era no final do outono e logo o inverno iria bater na porta. Para Alice, ficar doente não era uma opção.
Apesar de gostar do outono, com as folhas secas caindo, os cheiros das árvores, da grama molhada e o clima agradável, quanto mais o inverno se aproximava, pior era a frequência dos seus sonhos. No inverno eles aconteciam bem mais regularmente, praticamente todos os dias, sem descanso e suas noites de sono eram substituídas por uma insônia que a deixava com o humor pior que o de costume.
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The Wolf's Queen
RomansaAlice é uma jovem que leva uma vida cheia de responsabilidades e, por isso, desistiu de muitos de seus sonhos. Sempre seguindo uma rotina, os dias de Alice são sempre os mesmos, até a chegada do inverno. Quando o frio se aproxima Alice começa a ter...