parte dois

43 15 16
                                    

Depois de prometer diversas vezes que não a machucaria, Marcela finalmente acreditou em Miguel. Ela não era medrosa, mas era claro que não reagiria tranquilamente ao conhecer um fantasma de duzentos anos.

Em meio a devaneios, a universitária agradeceu ao Universo pelo fantasma não ser assustador. Ele até era bonito e muito educado, não tinha razão para teme-lo. Afinal de contas, era noite de Halloween e ela estava apenas vivendo uma aventura digna de filme, como sempre sonhou.

— Eu pensei uma coisa — Miguel começou a falar e ela se aproximou dele. — Como a senhorita pode me ver, acredito que possa me ajudar. Eu não sei como deixar de ser fantasma e queria muito que isso acontecesse, pois não é fácil viver desse jeito e por tanto tempo...

— Calma aí — Marcela o interrompeu. — Antes de qualquer coisa, Vossa Alteza Real. Você poderia me explicar tudo desde o começo? Não poupe detalhes, estou muito curiosa para saber como alguém se torna um fantasma.

— Tudo bem, irei lhe contar tudo. — Miguel começou a caminhar de volta para o carrossel onde estavam anteriormente.

— Podemos ir para um lugar menos assustador? — Marcela questionou enquanto observava o parque escuro, lotado de brinquedos enferrujados e empoeirados. O local era realmente muito macabro.

— Onde você deseja ir, senhorita? — Miguel perguntou.

— O que você acha de ir para a minha casa? Lá é mais seguro para mim. Infelizmente, você é um fantasma e não poderia ajudar se um homem aparecesse aqui — Marcela disse enquanto enviava mensagens aos amigos dizendo que estava indo embora.

— A sua ideia é ótima! E a senhorita está certa, é realmente perigoso. — Miguel sorriu e eles começam a caminhar até a avenida para pegar o Uber.

Marcela e Miguel começaram a conversar sobre o Halloween enquanto andavam e a garota ficou espantada por ele saber sobre a data comemorativa. No entanto, antes que ele pudesse explicá-la a razão por saber sobre aquilo, uma mulher passou perto deles e olhou para a garota fazendo uma careta.

— Provavelmente a senhora deve ter pensado que a senhorita está a falar sozinha — Miguel explicou. — Como eu disse anteriormente, a senhorita é a primeira pessoa viva que consegue me ver. Foi por isso que eu quase gritei quando percebi que a senhorita estava me enxergando mesmo.

— Olha, não precisa ficar me chamando de senhorita. Pode ser você, ok? — a garota sorriu. — Por que somente eu consigo te ver?

— Perdão, Marcela. Não cobre muito de mim, eu nasci em 1820, não se esqueça disso. — ambos riram juntos. — E, respondendo a sua pergunta: sinceramente, eu não tenho a mínima ideia do porque somente a senhorita consegue me ver.

— Nós vamos descobrir, tá bem? — Marcela disse ao ver a expressão desolada no rosto bonito dele. Ela até fez menção de encostar na mão do garoto para transmitir conforto mas, felizmente, antes de realizar a ação, se lembrou que não era possível. Ela pegou o celular para que o príncipe não percebesse seu movimento e ligou a tela.

— Obrigado, senhorita Marcela. — Miguel sorriu e os olhos castanhos de ambos se encontraram. A estranha sensação de déjà vú tomou conta dele novamente, mas dessa vez também atingiu Marcela.

Ambos desviaram o olhar e franziram o cenho, ao mesmo tempo. A universitária balançou a cabeça na intenção de tirar a sensação do seu corpo, enquanto a mente de Miguel foi invadida pelo rosto de Catarina, a jovem que ele amava e que iria se casar em poucos meses caso não tivesse morrido. 

— O nosso Uber está chegando. — Marcela guardou o celular na sua bolsa. — Não vou poder te responder dentro do carro, ok? O cara vai achar que sou maluca. Vou digitar em meu celular e você lê.

Miguel concordou e eles entraram no carro preto em silêncio.

Não era a primeira vez do príncipe dentro de um carro do século 21. Ele contou para Marcela que nada era novidade para ele, pois como era muito curioso, aproveitava ao máximo o seu "tempo de fantasma" para aprender e conhecer as coisas novas do futuro.

Como assim tempo de fantasma? a universitária digitou no celular e Miguel leu, sorrindo logo em seguida.

— Você está querendo pular partes da história? — Marcela deu de ombros. — Tudo bem, vou te contar.

"Ao contrário do que a senhorita provavelmente pensou, eu não fico por aí assombrando as pessoas. Eu não sei porque, mas eu apareço apenas no dia 31 de outubro de todos os anos, desde quando eu morri, às 18 horas, naquele parque de diversões onde nós nos conhecemos. 

Tenho uma teoria de que seja o horário e o local exato de quando eu morri.

Quando o sol nasce, eu simplesmente desapareço e apareço novamente no próximo ano, no mesmo dia e no mesmo lugar. No começo, eu não compreendia nada do que estava acontecendo, mas depois de quase dois séculos fazendo a mesma coisa, acabei me acostumando. Como ninguém nunca me vê, tento aproveitar o meu "tempo como fantasma" conhecendo as novidades do novo ano."

Marcela encarou o príncipe ao seu lado com a boca aberta e desviou o olhar para a janela do carro, ainda perplexa pelo que havia ouvido. A garota pegou o celular e digitou mais uma vez no bloco de notas.

Eu sinto muito por você, Miguel. Deve ser horrível viver por tanto tempo sozinho.

— Na verdade, já encontrei com outros fantasmas. — Marcela o encarou, estava espantada e curiosa ao mesmo tempo. — Mas nenhum deles era tão velho quanto eu, nem sabiam como deixar de ser fantasma. Na verdade, estavam mais perdidos que eu.

— Eu — Marcela balbuciou e apontou para si. — Estou chocada.

Antes que Miguel pudesse dizer algo, o carro parou e eles desceram. Ambos caminharam em direção ao prédio onde ela morava silenciosamente. Somente quando as portas do elevador se fecharam que Miguel começou a falar novamente.

— Eu estou perplexo em como a senhorita está sendo tão compreensível comigo e, ainda por cima, querendo me ajudar! Querendo ou não, sou um desconhecido e para piorar a situação: um fantasma!

— Até eu estou chocada com a minha capacidade de estar conversando com você e ter surtado apenas uma vez. — Marcela sorriu e desfez o laço que prendia sua capa vermelha em seu pescoço. — Acho que o pior de tudo é estar levando um fantasma para minha casa, perdi totalmente a noção do perigo.

— Bom, nesse ponto eu sou obrigado a concordar com você. — Marcela o olhou impressionada por não ter a chamado de senhorita e sorriu. — Mas por outro lado, estou feliz por ter acreditado em mim. Eu realmente preciso da sua ajuda.

— Você vai para o céu esta noite, meu caro — Marcela disse sorrindo e as portas do elevador se abriram. — Ou inferno, né. Não sei como você foi durante sua vida.

Miguel a fitou e Marcela deu de ombros, rindo logo em seguida. O garoto também riu junto com ela e uma estranha sensação agradável tomou conta dos dois, como se fossem velhos amigos.

— Bom, essa é minha humilde casa, fique à vontade — a carioca disse depois que abriu a porta branca do apartamento. — Antes de qualquer coisa, preciso de um banho urgentemente. Depois disso, vamos resolver os seus problemas, Gasparzinho.

O Príncipe Fantasma | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora