[número de palavras: 2.999]
No auge da sua juventude, Marcela Pinheiro não negava nenhum convite de festa. A sua alma aventureira não negava nem mesmo uma festa clandestina, no dia do Halloween, em um parque de diversões desativado e mal assombrado.
Por isso, com a sua fantasia de chapeuzinho vermelho e uma maquiagem impecável no rosto, a jovem rebolava até o chão com os amigos ao som de um bom funk. Ela estava extremamente feliz durante a primeira hora da festa, até a terrível vontade de urinar aparecer para estragar tudo.
Para a completa tristeza da chapeuzinho, os seus amigos não quiseram lhe acompanhar até o banheiro mais próximo, pois eles não poderiam perder a música maravilhosa que estava tocando naquele momento. Ótimos amigos que você tem em, Marcela.
Como a sua bexiga estava a ponto de explodir e a sua versão bêbada não era nem um pouco paciente, a jovem adulta decidiu ir sozinha em busca do tão desejado sanitário.
Uma desconhecida lhe deu as coordenadas do banheiro mais próximo e, ao chegar ao local que ela acreditava ser o que a mulher havia dito, ela não encontrou nenhum banheiro. No entanto, para a sua alegria, seus olhos avistaram um rapaz encostado em um dos carrosséis do parque observando o céu. Como estava desesperada, não hesitou em chamá-lo.
— A senhorita está falando comigo? — Ele apontou a sua mão pálida para si,
— Senhorita? Claro, né. Tem mais alguém aqui por acaso? — Marcela revirou seus olhos castanhos. — Você sabe onde é o banheiro? Por favor, diga que sim.
— Meu Deus, a senhorita está me vendo! — O rapaz quase gritou de empolgação e Marcela, que não estava em seu juízo perfeito, não entendeu nada.
— Acho que você exagerou na bebida, amigo — Marcela gargalhou e balançou a cabeça negativamente. — É cada maluco que me aparece.
— Como é possível isso? — O garoto perguntou sem olhar para Marcela e sua expressão dizia o quão confuso ele estava. Ele passou a mão nos fios castanhos que caíam sob seus olhos e franziu o cenho.
— Amigo, eu só quero saber onde é a merda do banheiro. — O estranho olhou assustado para ela.
— Aquela casinha verde ali — ele apontou para o banheiro químico a alguns metros de onde eles estavam — possui uma placa escrito "banheiro". Acredito que seja isso que a senhorita esteja procurando, certo?
Marcela nem terminou de ouvir o que o cara bizarro estava falando, só correu até o local para que pudesse finalmente urinar.
Alguns minutos depois, ela abriu a porta e saiu do local com um sorriso aliviado tão grande que impressionou até mesmo o desconhecido que havia lhe ajudado. Ele agora a observava de dentro do carrossel, sentado em um cavalo rosa desbotado.
— Que bom que você ainda está aqui — Marcela disse enquanto caminhava lentamente até o brinquedo. — Muito obrigada por ter me ajudado a encontrar o banheiro, eu estava realmente muito apertada.
— Não há de quê, senhorita. — O rapaz respondeu timidamente.
Marcela ainda estava bêbada mas, agora com a bexiga vazia, ela podia reparar melhor no desconhecido que a ajudou. As roupas dele aparentavam ser de alguns séculos atrás e não denunciavam qual era a sua fantasia, entretanto elas eram tão reais que pareciam ter saído de alguma novela de época. Além disso, ela também observou o lindo rosto dele e se sentiu muito atraída.
Seria esse o primeiro alvo da chapeuzinho vermelho naquela noite?
— Qual o seu nome? Não lembro de ter te visto no campus da UFRJ — Marcela começou a puxar papo com ele enquanto entrava dentro do carrossel. Ela limpou a poeira do cavalo vermelho ao lado dele e se sentou.
— Meu nome é Miguel de Bragança e Bourbon. E o seu? Não tenho a mínima ideia do que seja UFRJ. — O rapaz encarou os olhos escuros de Marcela profundamente e franziu o cenho em seguida, desviando o olhar para o chão.
— Me chamo Marcela — a garota respondeu com uma expressão confusa. — Como assim não sabe o que é UFRJ?
— Olha, minha cara senhorita Marcela, eu compreendo que isso vá soar como loucura. No entanto, estou um pouco sem tempo para muitas explicações — Miguel começou a falar calmamente, voltando o olhar para o rosto dela. — Não sei se a senhorita percebeu, pelos meus trajes e pelo meu nome, mas eu sou... na verdade, era, um dos príncipes do Brasil durante a época imperial.
Marcela arqueou uma das suas sobrancelhas e caiu na gargalhada mais uma vez na frente de Miguel. Enquanto tentava recuperar o fôlego, ela disse:
— Você acha mesmo que vou cair nesse seu papo? Vocês homens me surpreendem cada dia mais com as histórias apenas para pegar mulher.
Miguel virou o rosto para frente, passou a mão pelo rosto e suspirou.
— Eu sou um fantasma, senhorita Marcela — Miguel falou seriamente, encarando a grama morta no chão. — Acredito que, se a senhorita prestasse um pouco mais de atenção em minha aparência e no que eu falo, perceberia isso melhor.
— Você quer me beijar? — Marcela questionou impacientemente e ele a encarou assustado. — Se for isso, é só falar, cara. Não precisa de criar uma história bizarra só porque hoje é Halloween não.
O suposto príncipe Miguel, que até agora estava tentando ser o mais paciente possível devido a situação, desistiu e fez a única coisa que faria a mulher acreditar nele: tentou pegar a mão dela. Ao invés de Marcela sentir a pele dele sob a sua, a mão pálida do rapaz passou pela dela como se fosse um holograma.
Ela encarou a sua mão assustada e retomou o olhar para o rosto de Miguel. O rapaz suspirou e sorriu. Sua expressão era engraçada e denunciava que ele estava prestes a dizer "agora acredita em mim?". Mas, antes disso acontecer, Marcela se levantou rapidamente e saiu correndo com o coração disparado.
Ela teria corrido mais se as suas pernas não tivessem se tornado gelatinas e a obrigasse a parar, fazendo com que o fantasma conseguisse alcançá-la. Para o seu azar, não havia ninguém perto para lhe socorrer.
— Você está bem, senhorita?
— SAI DE PERTO DE MIM — ela gritou enquanto levantava a palma da mão numa tentativa de defesa. O príncipe a obedeceu e se afastou imediatamente.
— Eu não irei te machucar, senhorita Marcela — Miguel disse, tentando melhorar a situação. — Na verdade, eu nem posso. Como a senhorita mesmo viu, não consigo encostar em seu corpo.
Marcela ainda estava de costas e o rapaz não pôde ver a sua expressão.
Coincidentemente, enquanto observava a capa vermelha e os fios castanhos da garota voando, devido a brisa que passava por eles, uma sensação de déja vù se apossou do seu corpo. Os fios de Marcela eram incrivelmente parecidos com os de sua amada Catarina, até mesmo a tonalidade.
O fantasma concluiu, segundos depois, que talvez aquilo fosse um sinal de que Marcela era a pessoa destinada a ajudá-lo. A esperança que surgiu em seu peito quando ela o chamou pela primeira vez, quando estavam próximos ao carrossel, retomou e ele pôde se sentir feliz mais uma vez.
Talvez todos aqueles dias tortuosos como fantasma estavam chegando ao seu fim e ele poderia finalmente descansar em paz.
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O Príncipe Fantasma | ✓
RomansaEm busca de um banheiro durante uma festa de Halloween, Marcela acaba conhecendo Miguel, um fantasma com duzentos anos de idade. O ser sobrenatural estava cansado da sua vida pós-morte e, por isso, pediu para que a universitária o ajudasse a acabar...