IV - Hospital Para Almas

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Nem sequer pude reparar mas em algum momento aquele vívido laranja desbotou-se em um mórbido e morto preto. Não haviam mais cores. Não havia mais barulho. Não havia mais a agonia. Era um lindo e invencível nada. A linda melodia do silêncio tomava conta de tudo, parecia que nada mais era capaz de incomodar-me.

Por alguns momentos comecei a perguntar-me se estava de fato morta, mamãe havia ensinado que haveria alguma entidade a me esperar do outro lado, mas não importava o quanto eu olhasse não encontrava nada. Este breve pensamento fez com que eu pensasse que ainda poderia estar viva.

Interrompida a minha paz, comecei a ouvir alguns pequenos sons de conversas e um zumbido tomou a minha cabeça por inteiro machucando-a. Aos poucos fui retomando a visão reafirmando minha teoria anterior. Eu estava viva e em um hospital.

O fogo não foi capaz de queimar minha alma, pensei comigo mesma em um tom lúgubre. Não era um desejo pela morte como parecia, eu não desejava morrer e sim matar, matar minha dor. Matar todos aqueles agoniantes dias em que tinha de lidar com a minha enfermidade, acordar já era um grande fardo, e aquele fardo vinha pesando nos meus pequenos ombros por tanto tempo, eu sabia que a minha tão aclamada hora de ceder chegaria.

Comecei a observar o ambiente ao redor após me acostumar com sua claridade, tudo tinha um tom insuportavelmente branco, das poltronas para visitantes (que eu imaginara jamais ter) até o chão e aquele teto sem graça. Se esse mundo sem cores fosse só meu, o tornaria um arco-íris, nada seria do jeito que é, porque tudo seria o que não é. Não pude deixar de soltar um pequeno riso com este pensamento. Talvez a queimada tenha deixado-me louca, mas não vi problemas nisto.

- Como você está se sentindo, minha querida? - Uma enfermeira perguntou e então notei que ela estava de pé ao lado da minha cama durante todo aquele tempo.

Dei uma rápida olhada para o meu corpo mesmo sem coragem, eu sabia que a situação ali não estaria nada bela. Felizmente, estava coberto de faixas dos pés até o meu pescoço, eu não era capaz de ver nada fora um tom estranho e que havia molhado um pouco as faixas. Naquele momento afoguei-me numa pura vergonha, eu sabia o que era aquele maldito líquido. Por conta da minha condição costumava vomitar bastante, sentia-me frequentemente como uma senhora que estava grávida de um bebê porque eu estava sempre vomitando.

- Não limpamos ainda porque queríamos dar um descanso a sua pele, ainda está muito sensível e quanto menos mexermos melhor será. - Prosseguiu explicando-me agora sobre o estado dos curativos. Ela aparentava ser bem jovem e era incrivelmente bela, seus cabelos eram cacheados e sua pele tinha um lindo tom moreno quente, além de um olhar delicado e preocupado.

Antes que pudesse prosseguir nossa breve conversa pude ouvir a porta do quarto abrir-se num estrondo alto e claro. Mamãe encontrava-se agora bem à minha frente e sua feição parecia mais zangada do que nunca, ela deixou sua bolsa de couro legítimo na poltrona junto com o celular e carteira, e em seguida sentou-se na beira da minha cama. Tanto eu quanto a jovem enfermeira não ousamos falar uma única palavra durante todo esse processo, e mamãe não parecia incomodar-se com nosso silêncio.

- Simplesmente imprestável! - Ela proferiu enquanto eu encolhia minha cabeça. - Aquela empregada é uma imprestável! Já começamos o processo, ela nos deve um bom dinheiro.

- A Courtney? - Perguntei em um tom de indignação. Eu havia sido raptada por um psicopata não por uma senhora, ela não tinha culpa alguma. - Ela não fez nada! Ela só foi cuidar de sua filha.

- E eu a paguei para cuidar da minha! - Mamãe disse aumentando seu tom e logo em seguida diminuindo, bufando após. - Desculpa minha querida, não é hora para isso. Como você está?

Mais uma de suas fases, mamãe era como uma lua, hora cheia, hora minguante ou nova. Não importava o que as previsões dissesem, ninguém era capaz de saber o que essa mulher faria. Em questão de segundos mudava da água para o vinho, ou então da água para o veneno. Era uma verdadeira mulher de fases.

Apesar de curto esse momento ficou marcado em mim, foi um dos únicos em que tive com mamãe. Ela era muito ocupada e vivíamos frequentemente trocando poucas palavras, nunca parando para conversar de fato, quando me dei conta já havia desacostumado a conversar com ela, tampouco a vê-la perguntar sobre mim. Foi um momento único e estranho, mas acredito que as melhores coisas são assim, não há graça no esperado o que nos pega de surpresa é o que nos marca de verdade.

Os médicos insistiram para que eu ficasse no hospital —coisa na qual, particularmente, não havia problemas algum para mim—, mas mamãe deu um jeito e disse que já havia contratado um médico para ficar em casa observando-me.

- Mais uma nova babá. - Murmurei comigo mesma dentro do carro enquanto observava calmamente a floresta.

A viagem parecia demorar mais do que o de costume então não demorei muito para perceber que ele havia levado-me para longe de casa. Por falar nele, o meu grande admirador ou incentiador, melhor dizendo, a polícia havia dito que não deixará rastros, era um crime perfeito e de manhã eu teria de comparecer a delegacia para tentar um reconhecimento de rosto, segundo eles. Como descrever um rosto não descrevivel? Comecei a perguntar-me. Ele era incrivelmente único, agora se isso tornava fácil ou não encontrá-lo pouco sei.

Ao chegar em casa mamãe e papai haviam dito sobre como aumentavam a segurança da casa, citando obviamente até os centavos gastos em cada processo e de que agora eu estaria de fato segura. Não ouvi muito do que disseram, estava mais interessada em subir ao meu quarto e ter um momento em paz, eu havia acabado de acordar mas me sentia tão pesada e exausta como se não dormisse há dias, no fundo eu nem queria acordar de verdade.

Deitei imaginando o doce toque da cama com a minha pele, coisa que jamais sentiria a vida toda. Muitas vezes imaginei que vivia em uma invenção, uma mentira, eu não sentia nada e tudo parecia tão falso. Minha maior esperança era abrir os olhos e acordar numa realidade diferente, uma realidade onde eu não apenas observava a felicidade mas conseguia agarrá-la também.

Tentei falhamente pegar no sono mas não conseguia, havia algo dentro de mim incrivelmente acordado, parecia medo. No fundo, eu não me sentia segura de verdade e aquela sensação de estar sendo observava continuava até mesmo dentro do casa. Pensei em seus grandes e famintos olhos observando-me andar de um lado para o outro do meu quarto, o que estaria ele pensando? Talvez estivesse fissurada nele, mas o medo foi forte o bastante para impedir-me de dormir aquela noite.

Agarrei o notebook e comecei a pesquisar por diversos nomes e notícias, eu queria poder encontrar algo dele, um mísero rastro que fosse. Depois de muito procurar encontrei uma notícia um pouco antiga, de um garoto que assim como eu havia sido queimado vivo e sobrevivido, era de 2007 e havia ocorrido nos EUA. Não pude controlar meu impulso, eu queria desesperadamente saber bem, quem sabe aquele havia sido uma outra vítima dele. Analisei bem a foto do garoto na notícia, cabelos longos e negros, pele clara e olhos negros, não parecia ter mais de 13 anos, era bem jovem e ao seu lado havia sua família, uma senhora e um senhor além de um garoto um pouco mais jovem, com marcantes olhos verdes.

-Jeffrey Woods - Li o nome em voz alta enquanto continua a matéria procurando saber o que aconteceu com ele.

De alguma forma aquele rosto era incrivelmente familiar mas eu não conseguia saber de onde o conhecia, comecei a analisar sua foto por um bom tempo junto a de seu irmão, Liu, que por sua vez não me lembrava absolutamente ninguém. Não estou louca, eu conheço esse garoto repeti na minha cabeça diversas vezes mas não importava o quanto eu tentasse, não conseguia lembrar onde havia visto ele.

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Recadinhos!
Gente, desculpem a ausência de caps semana passada, tive uma semana muito ocorrida e não deu para escrever, ainda estou devendo o especial de halloween e prometo soltar assim que possível. Desculpem mais uma vez.

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⏰ Última atualização: Oct 18, 2020 ⏰

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