II. O Contador de Histórias

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Ao retornar pude mais uma vez sentir aquele silêncio devastador que banhava a casa diariamente. Nenhuma voz conversando, um mísero som de risada ou qualquer coisa do gênero. Apenas o silêncio em seu mais puro estado. Vivia perguntando a mim mesma se deveria de fato ser assim, será que as famílias comuns também eram tão silenciosas quanto a minha? Sei que talvez nunca tenha uma resposta para esta pergunta.

Subi as escadas que levavam ao segundo andar da casa, mais precisamente falando, ao meu quarto onde planejava guardar os livros  entretanto fui interrompida no meio do caminho:

-Misa, espere! - Courtney, nossa empregada mais velha e também a mais amigável por assim dizer, veio até a minha direção um pouco apressada.

-Está tudo bem? -Perguntei receosa, a maioria dos empregados da casa evitam falar comigo na tentativa de não ter que lidar com minha enfermidade.

-Está sim... -Ela fez uma pequena pausa para recuperar seu fôlego - Preciso ir até a minha casa, minha filha mais nova precisa de mim por conta de um acidente. Sei que não deveria pedir tamanho abuso mas a senhorita poderia ficar sozinha por alguns minutos?

Soltei um leve suspiro ao escutar sua frase, odiava tamanho cuidado, fazia-me parecer uma criança que não sabia sequer cuidar de si mesma mas ao mesmo tempo ela estava certa, era perigoso ficar sozinha. Eu era uma pequena bomba relógio e todos ao meu redor buscavam não me ver explodir, não porque gostavam de fato de mim mas porque não gostariam de assumir a culpa. Naquele momento meu anjinho e demônio pessoal brigavam um com o outro sem chegar a acordo nenhum, era uma mistura de adrenalina tão grande e ao mesmo tempo um medo do que poderia acontecer a ela caso mamãe descobrisse isso.

-Eu não irei demorar, juro! - Disse a senhora baixando as mãos como se estivesse implorando por aquilo - Por favor!

-Tudo bem, não se preocupe com isso. Eu ficarei lendo até a sua volta, não irá acontecer nada! -Forcei um sorriso simpático na tentativa de esconder meu medo, eu estava sim ainda mais assustada do pensei com essa idéia.

Antes de partir pude ouvi-lá gritar um agradecimento e prometendo que estaria de volta logo, tentei ignorar aquilo e continuar subindo as escadas, se fizesse como prometido nada de mal iria acontecer. Leia Misaki, apenas leia. Fiquei repetindo em minha cabeça numa falha tentativa de ocultar aquele medo. Parecia que quanto mais tentava acalmar-me mais ansiosa eu ficava pensando nas inúmeras chances de acidentes que poderiam vir a acontecer.

Abri a porta do meu quarto decidida a espantar todo aquele medo mas aquela bendita escuridão não ajudou muito, a janela do quarto era a única coisa a iluminar aquele local com aquela linda lua agora escondendo-se atrás de algumas nuvens. Soltei um pequeno suspiro enquanto admirava a lua, era realmente uma linda noite.

Após voltar a realidade apertei o interruptor do quarto esperando ser recebida por uma acolhedora luz que infelizmente não veio, apertei mais uma vez o interruptor apenas para confirmar: a lâmpada estava queimada. Algumas pessoas chamariam isso de "maré de azar" pois eu posso afirmar-lhes eu era não só a maré, era o oceano inteiro.

Antes mesmo que pudesse preocupar-me com algo escutei um estalo vindo de um canto do quarto, logo em seguida uma pequena luz mostrou-se naquela bendita escuridão, era um fósforo. Comecei a reparar bem e por mais que tentasse não conseguia ver muita coisa da mão que o segurava, tal fósforo foi posicionado em cima de um de meus livros, sem queimá-lo mas próximo o bastante para que eu pudesse reconhecer o livro: Laranja Mecânica, um dos clássicos que havia citado.

-Você gosta muito de histórias não é mesmo, que tal eu contar uma para você? -Ouvi uma voz grave e meio rouca dizer de modo a parecer um sussuro, parecia ser a mão que segurava os livros, ao terminar sua frase a mão fecha o livro apagando a chama do fósforo consigo.

Sem esperar para descobrir quem seria o grande invasor corri para as escadas rezando para que pudesse ver algo em meio aquela bendita escuridão. Sim, meu caro ouvinte, é isto mesmo que você está pensando, ao subir as escadas eu apaguei a luz atrás de mim, um daqueles costumes que realmente poderia acabar matando-me naquele exato momento. Em minha cabeça já passava a imagem de minha lápide escrita: "Aqui jaz uma idiota." Eu literalmente poderia ser morta por conta da minha própria estupidez.

Ao chegar no que parecia o fim da escada comecei a procurar desesperadamente o interruptor, entretanto, a luz voltou cegando temporariamente meus olhos que estavam agora acostumados com aquela escuridão. Coloquei a mão em meus olhos dando uma pequena coçada e protegendo-os daquela iluminação toda enquanto tentava acostumá-los.

-Era uma vez, uma pequena e solitária garotinha. Não conversava muito e também não tinha nenhum amigo. -Aquela voz proferiu agora ainda mais perto, parecendo estar a minha frente.

Congelei-me por inteira e após alguns segundos tentando reunir coragem para encará-lo, senti uma força embaixo do meu queixo tentando levantá-lo, ele parecia estar relando em mim. Joguei-me para o lado tropeçando um pouco no último degrau e então logo em seguida levantando-me novamente, agora eu só poderia fazer uma única coisa: Correr pela minha vida. Esperava não falhar nisso também.

A minha frente havia um corredor que dava até o escritório do papai, essa era minha chance, minha única chance. Comecei a correr pelo corredor que agora parecia não ter fim.

Era uma sensação tão amedrontadora, não era uma simples corrida, eu não perderia agora uma medalha, não deixaria a mamãe furiosa apenas, eu iria perder a minha vida, nunca achei que pudesse significar tanto para mim até que alguém a tentou tirar. Você só dá valor as coisas quando as perde, não é mesmo?

-Os pais da garotinha a odiavam tanto que a deixaram sozinha... -A voz continuou contando sua história, agora aproveitando o eco do corredor, possivelmente ele estava bem no começo deste. 

Apesar de imaginar que meus pais não estavam em casa isso não havia passado pela minha cabeça até que ele falou em voz alta, ainda sim em meio aquela corrida que não parecia ter fim pude lembrar-me do telefone do escritório, eu poderia chamar ajuda se fosse bem rápida.

-Com um maníaco... -Disse terminando sua frase anterior, agora rindo sem parar como se tivesse ouvido uma grande piada.

Enquanto corria pude lembrar-me brevemente de uma das minhas competições na escolinha, eu estava animada para correr a minha primeira maratona antes do diagnóstico da doença mas então acabei por ficar em segundo lugar e mamãe ficou envergonhada dizendo o quão perdedora eu era. É engraçado como paramos para lembrar de momentos assim em nossos últimos segundos.

Comecei a mexer a maçaneta da porta desesperadamente, aquela era minha única saída. Mexi duas e três vezes apenas para confirmar o meu trágico destino, papai havia trancado aquela maldita porta.

Não tive muito tempo para entrar em pânico, de imediato minha visão deu uma embaralhada e então pude ver o assassino bem a minha frente, ou ao menos o que conseguia ver naquele corredor escuro, que era apenas iluminado pela fraca luz da noite que passava por detrás de uma janela. O maníaco tinha uma aparência diferente, sua pele continha uma textura grossa e era nitidamente pálida, seus olhos eram incrivelmente fundos e encaravam-me como um leão encara sua presa, com uma fome insaciável, seu falso sorriso era aberto e deixava-o com uma aparência ainda mais assustadora. Agora encontrávamos nitidamente próximos, seus braços fortes e grotescos seguravam minhas pequenas mãos, prendendo-me naquela parede assim como uma aranha prende um inseto em sua teia.

O maníaco encarou-me por alguns segundos até que pegou uma mecha do meu cabelo e a colocou atrás da minha orelha, logo em seguida pocisionando sua cabeça próxima ao meu pescoço e sussurando no meu ouvido.

- E então, ela não viveu feliz para sempre.

Sua voz dando um fim aquela história macabra foi a última coisa que ouvi antes de tudo ficar escuro.

Meu Doce Psicopata - Jeff The Killer {Nova Versão- Reescrita} Onde histórias criam vida. Descubra agora