CAPÍTULO XXVII

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Por volta de uma da manhã as garotas começam a bocejar. Havia colchonetes na despensa, mas ninguém estava com vontade de se aventurar para fora do quarto de Camila. Este cubo pintado artisticamente é como um pequeno abrigo quente e acolhedor em meio ao vazio gelado da Antártida. Normani fica com a cama e Camila prefere ficar comigo no chão. Normani faz sua lição de casa por mais ou menos uma hora, então apaga a luz e logo começa a roncar como uma delicada e pequena serra elétrica. Camila e eu estamos deitadas de costas sobre um fino cobertor, com pilhas de roupa dela embaixo, como colchão, por cima do chão duro como pedra.

- Lauren. — Ela sussurra, olhando para o teto.

Tem desenhos e frases ali pintados com tinta que brilha no escuro.

- Sim. — Respondo a ela.

- Odeio isso aqui. — Ela diz.

- Eu sei.

- Me leve pra algum outro lugar. — ela sussurra.

Faço uma pausa, ainda olhando para o teto. Queria conseguir ler o que ela escreveu lá. Como não consigo, finjo que as letras são estrelas e as palavras são constelações.

- Aonde você... quer ir? — Pergunto

- Não sei. Algum lugar bem longe. Algum país distante onde nada disso está acontecendo. Onde as pessoas apenas vivam em paz.

Fico em silêncio.

- Um dos amigos mais antigos de Shawn era piloto... Poderíamos pegar seu avião e ir a qualquer lugar, seria como voar em um trailer! — Ela vira de lado e sorri para mim.

- O que acha, Lauren? Poderíamos ir até o outro lado do mundo.

A excitação em sua voz me faz estremecer. Espero que ela não possa ver a sombra nos meus olhos. Não posso afirmar, mas tem algo no ar, um silêncio mortal quando passei pela cidade e suas cercanias que me diz que os dias de fugir dos problemas acabaram. A praga cobriu o mundo.

- Você disse... — começo, me esforçando para expressar um pensamento complexo.

- Você disse que... o avião não é... um mundo fechado.

O sorriso dela desaparece.

- Como assim?

- Não dá... pra flutuar... acima da confusão. — digo a ela.

Ela faz uma careta.

- Eu disse isso?

- Seu pai... paredes e armas... fugir não é melhor... que se esconder. Talvez seja pior.

Ela pensa por um momento.

- Eu sei  — ela diz, e me sinto culpada por destruir a breve fantasia dela. - Sei bem disso. É o que venho dizendo a mim mesma há anos, que ainda existe esperança, que podemos mudar as coisas de algum jeito e blá, blá, blá. Só que... está ficando muito difícil acreditar nisso nos últimos tempos.

- Sei  — falo, tentando esconder as falhas na minha sinceridade. - Mas não pode... desistir.

A voz dela fica meio sombria e ela paga pra ver o meu blefe.

- Porque ficou tão cheia de esperança de repente? O que está pensando de verdade?

Não respondo nada.

- Não tem para onde fugir, não é?

Quase imperceptivelmente, faço que não com a cabeça.

- O mundo inteiro... você acha que está todo morto? Todo dominado? — ela me pergunta triste.

- Acho. — Respondo.

- Como pode saber isso?

- Não sei. Mas... sinto isso. — respondo quase que sussurrando.

Ela respira e solta longamente o ar, olhando para os aviões de brinquedo pendurados acima da gente.

- O que devemos fazer então?

- Temos que... consertar. — digo firme.

- Consertar o quê?

- Não sei. Tudo... acho.

Ela se apoia em um dos cotovelos.

- O que você está dizendo? — A voz dela fica mais alta. Normani se vira e para de roncar.

- Consertar tudo? — Os olhos de Camila faíscam no escuro. - E como vamos fazer isso? Se você teve uma grande ideia é hora de contar, por favor, pois eu penso nisso o tempo inteiro, literalmente. Isso queima os meus neurônios todas as manhãs e noites desde que minha mãe partiu. - Como consertamos tudo? Está tudo tão quebrado, todos estão morrendo de novo e de novo, de maneiras mais sombrias e profundas. E o que podemos fazer? Sabe o que está causando isso, qual é essa praga?

Hesito.

- Não.

- Então como pode fazer algo a respeito? - Quero saber, Lauren. Como vamos conseguir "consertar" tudo?

Continuo encarando o teto. Olho para as constelações verbais que brilham verdes no espaço distante. Ali, deitada, enquanto minha mente voa até esses paraísos imaginários, duas estrelas começam a mudar. Elas viram, entram em foco e seus formatos ficam claros. Elas se tornam... letras.

- O que... é? — pergunto, apontando o teto.

- O quê? As frases? — Ela pergunta.

Levanto-me e aponto o lugar que estou olhando.

- Esta. — Digo a ela.

- É uma frase de Imagine, a música do John Lennon.

- Qual frase? Pergunto.

- É fácil se você tentar.

Fico ali parada um minuto, olhando para cima. Então me deito, coloco as mãos atrás da cabeça e abro bem os olhos. Não tenho respostas para as perguntas dela, mas posso sentir que elas existem. Pequenos pontos de luz na escuridão distante.

Minha namorada é uma zumbiOnde histórias criam vida. Descubra agora