Capítulo 4

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Quando Roland Exsantos conseguiu aquele emprego no Hospital Santa Casa acreditou que sua vida estava começando a mudar. Desde que chegou ao Brasil há pouco mais de um ano aquele foi o primeiro emprego de carteira assinada e com um salário razoável. Podia pagar pelo quarto onde morava e guardar o restante do dinheiro para buscar sua família que ficou no Haiti.

Exsantos trabalhava das 7h às 15h em um pequeno supermercado e das 23 às 5h era o auxiliar de higienização dos corredores do primeiro andar e subsolo do Hospital Santa Casa.

Falava razoavelmente o português, isso era suficiente para compreender as instruções da supervisora da madrugada e conversar com os colegas do turno.

A vida era dura, dormia pouco e trabalhava muito. Mas ao menos agora tinha esperança de trazer sua esposa, a mãe e os dois filhos pequenos do Haiti. Aos 35 anos já estava completamente calvo sendo alvo constante das brincadeiras dos colegas. A forma engraçada como pronunciava algumas palavras em português também contribuía para o bullying.

A supervisora da madrugada ia dormir após passar as instruções e Exsantos aproveitava para ouvir música e não se sentir tão sozinho.

A primeira vez que viu o menino acreditou que fosse algum paciente. Seguiu o tal menino até o final do corredor que acabara de limpar, mas ele simplesmente desapareceu do nada. Todas as portas estavam trancadas e não havia lugar onde se esconder, mesmo assim olhou atrás de cada uma das macas paradas. Não ficou com medo, mas intrigado. Pensou em relatar o fato para a supervisora, mas não queria problemas como os Recursos Humanos e achou melhor deixar para lá.

Três semanas se passaram e novamente o menino passou rapidamente por ele descendo as escadas e ele viu que não se tratava de uma criança, era um adulto muito pequeno que corria completamente nu pelos corredores. Pensou em segurá-lo, mas ele foi mais rápido. Exsantos saltou da escada atrás dele e começou a persegui-lo pelo subsolo. Não o deixaria escapar, não dessa vez.

Ele não tinha para onde ir e estava isolado em um dos corredores sem saída. Exsantos largou a vassoura e o balde no chão para poder alcança-lo. Quando estava a pouco mais de 3 metros destes uma imensa porta se abriu e o anão desapareceu nela. Exsantos jogou-se de costas no chão apavorado com o que viu. Felizmente essa porta para o inferno se fechou poucos segundos depois.

Tentou explicar o que vira, mas seus colegas riram dele e quiseram saber que tipo de droga Exsantos estava usando. Decidiu que não falaria sobre isso com mais ninguém e que não desceria mais ao subsolo depois das 03h15min.

Enquanto isso no quarto 208 Dona Suely aguardava pelo fim. No começo estava muito assustada, mas à medida que a dor se intensificava com a progressão da doença, acabou desejando que o seu fim viesse de forma rápida. Estava muito cansada e por isso dormia a maior parte do tempo e quando não sentia dor e estava bem disposta, gostava de percorrer os corredores do hospital. As enfermeiras não se opunham aos seus passeios, desde que não se afastasse dos corredores da oncologia.

Em um dos seus passeios, no entanto foi atraída para o subsolo. As rampas de acessibilidade facilitavam suas infrações cada vez mais ousadas. Teve receio de ir até o necrotério, mas já que estava morrendo mesmo não tinha motivo para temer coisa nenhuma. Foi a primeira vez que ela viu aquela enorme janela de luz alaranjada. Quase caiu de sua cadeira de rodas de susto ao ver um anão cinza, nu entrando nessa luz.

Suas aventuras estavam muito divertidas. Mas gostaria de poder conversar com alguém sobre isso, mas como ficara entubada por algum tempo, sua voz havia sido bastante afetada e não conseguia se comunicar depois da traqueostomia.

Resolveu o problema da comunicação desenhando.

Na última semana os passeios deixaram de ser divertidos. Estava no subsolo quando ouviu gritos e pensando se tratar de alguém ferido precisando de socorro usou toda a sua energia para mover a cadeira de rodas. Acabou ficando frente a frente com uma criatura muito feia metade homem, metade javali arrastando uma pessoa que gritava desesperadamente. Ficou paralisada e o homem que estava sendo arrastado lhe estendeu a mão suplicando por ajuda.

ANTES QUE SEJA ETERNOOnde histórias criam vida. Descubra agora