Ano 261 da Era do Caos - Kissane
Eles eram muito barulhentos e animados, pensou Dimitri enquanto tentava pintar as folhas da árvore que desenhara. O salão de recreação estava um pouco lotado, mas ninguém fazia tanto barulho quanto Mika Ambrose e Oliver Yezder.
Dimitri estava sentado em um canto, rodeado por um tapete confortável e almofadas coloridas. Sua irmã gêmea, Danika, conversava animadamente com Walden, o irmão mais novo de Oliver. Ele não se importava em ter que conviver com os filhos dos outros reis ou de grandes lordes. Mas ficava extremamente irritado com o barulho que Ambrose e Yezder faziam.
A garota ruiva estava correndo em círculos por um sofá bonito, rindo muito alto enquanto ditava o que estava escrito em um caderno, que provavelmente era de Oliver – já que o menino parecia apavorado por aquele objeto estar nas mãos de Mika.
Dimitri as vezes observava fascinado aqueles dois, e em como podiam ser esquisitos a uma primeira vista. Ele fora obrigado a estudar sobre as outras famílias dos reinos vizinhos, e sabia que Mika era pelo menos quatro anos mais nova que Oliver – mesmo assim ela era muito mais alta e rápida que o garoto.
Talvez fosse um pouco de inveja, ou então não gostasse mesmo do barulho, mas tudo parecia se resumir aquelas duas crianças. Todas as aulas de etiqueta eram brevemente pausadas porque Mika conseguia destruir alguma coisa dentro da sala – da uma vez havia sido um prato requintado da época dos antigos. Em contrapasso, as aulas de matemática e história eram banhadas pelo cérebro de Oliver, que parecia desesperadamente querer se enfiar na frente da lousa para mestrar as aulas.
Não tinha nada daquele encanto, Dimitri sabia. Mesmo sendo apelidado como "Anjo de Wythlon" pela cor loura dos cabelos e os olhos azuis, não havia mais nada além da beleza. O garoto sabia que não se destacava em nada – não era bom nas aulas de esgrima, mal conseguia correr nos esportes, quebrava as cerâmicas e espirrava sempre que colocava um guardanapo de linho no colo. Era um completo desastre, e as pessoas sabiam.
Era por isso que ele ficava nos cantos das salas, tentando desesperadamente não ser notado. Mesmo com 11 anos de idade, ele estava ciente de que a beleza não agregava em nada, não quando se vivia em um mundo como aquele – onde as pessoas viviam olhando para os próprios pés, com medo do que havia lá fora.
— Você parece meio bravo.
Ao seu lado, uma figura se sentou entre os travesseiros. Os cabelos castanhos avermelhados formaram uma cortina quando Qiyanna se virou para encará-lo nos olhos. Dimitri apenas deu uma risadinha baixa, enquanto continuava a tentar pintar as folhas da maneira mais real que conseguia.
— Sua irmã nunca da sossego para essa sala, Qini.
A garota riu, os olhos calorosos e castanhos, típicos dos Ambrose, cintilaram com uma alegria que apenas a pequena conseguia expressar. Ela observou a irmã, que tinha o caderno de Oliver levantado bem acima da cabeça, o garoto bufando de raiva enquanto tentava alcançar.
— Quanto mais barulho ela faz aqui, mais silenciosa fica quando chega em casa. Então, desculpa – Comenta rindo um pouco, se apoiando nos pulsos, chegando mais perto para ver o desenho de Dimitri – Onde é?
Ele colocou o lápis de lado e estendeu o papel na frente dos olhos. Ele não conhecia aquela paisagem, não do modo como estava desenhando. Dimitri apenas sabia como era o gramado, ou o caminho de cascalho – mas nunca mais do que isso. Seguia as regras a risca, nunca levantar os olhos, não quando poderia se deparar com os olhos de um Impetuoso.
— É a entrada norte da Torre da Noite. Gosto de pensar que os arredores sejam mais ou menos assim – Ele disse, analisando melhor os pontos dos tijolos das torres, que pareciam feios demais. Ele iria arrumar aquilo.
A Torre da Noite era o castelo que a família de Dimitri morava, no reino mais antigo e devastado de toda Wythlon: Odowain. Uma terra tão dominada pelas criaturas, que era praticamente impossível espiar e olhar para cima – eles vagavam por todos os lados, atraídos por algo desconhecido.
– Você é muito talentoso, Dimi – Qiyanna pegou o papel das mãos do garoto, admirando os traços das grandes torres, alisando com o dedo pequeno e infantil – Faria um desenho para mim?
O garoto com rosto de anjo ficou aturdido por um momento, sem compreender o que ela dizia. Você é muito talentoso. Ele nunca ouvira ninguém fora da sua corte dizer aquilo – com exceção dos professores e mestres que queriam elogia-lo e paparica-lo a qualquer custo. E lá estava a mais nova dos Ambrose, sorrindo com os olhos e cheia de expectativa.
– Você... Quer mesmo? – Perguntou, muito tímido sob aquele olhar reluzente.
– Mas é claro! – Exclamou a pequena, quase tão alto quanto a irmã – Você tem muito talento com o desenho, Dimi. Aposto que conseguiria pintar quadros, ou até mesmo ilustrar grandes capelas.
A empolgação de Qiyanna era admirável, e Dimitri sentiu seu coração se encher de uma alegria que presenciava poucas vezes. Nunca tinha ouvido falar de reis ou rainhas que prezavam pela arte – eles sempre eram retratados como mestres das lâminas, estudiosos ou grandes engenheiros da tecnologia do passado. Mas nunca um artista. Ficou se perguntando se sua mãe iria gostar de saber do seu real talento, se ficaria feliz como a menina a sua frente.
– O você quer que eu desenhe? – Ele perguntou, entusiasmado com as ideias que Qiyanna havia dito.
A menina ajeitou os cabelos e se sentou entre as almofadas, com a postura impecável e o vestido lilás bem alinhado nas suas pernas rechonchudas.
– Me desenhe!
Dimitri não conseguiu segurar a risada, assentindo enquanto buscava uma folha em branco para começar a trabalhar.
Em cada traço, ele se apegava aos detalhes menores – como as sardas pelas bochechas de Qiyanna, a pequena pinta que havia logo abaixo do olho direito e as mechas reluzente e avermelhadas por conta do sol de seu reino. Dimitri sentia uma paz enorme enquanto movia o lápis de um lado para o outro, se permitindo não pensar tanto nas imperfeições de suas técnicas.
Naquele dia, Dimitri conseguiu ignorar o barulho de Mika e Oliver. Mas enquanto apontava um lápis, se permitiu levantar os olhos e observá-los de novo. E foi quando notou os olhos da garota ruiva o mirando, com uma desconfiança que desconhecia. E pela primeira vez, Dimitri não desviou os olhos.
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Reinos de Sombra
RomanceO mundo regrediu quando as primeiras criaturas surgiram na terra - no meio de fumaça e vento, elas eram mortais quando encaradas nos olhos. Seres marcados por um corpo tomado pelo breu, e uma altura de milhares de metros. Os humanos não podem mais o...