Deuses e Meros Mortais

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O colegial. Todo mundo sempre está animado para ir, especialmente as pessoas ricas, talentosas e bonitas — bom, eu não diria exatamente bonitas, já que beleza é relativa, mas para que se arrumar toda só para ir para escola? Talvez eu nunca vá entender.

A verdade é que o famoso ensino médio não é tão legal assim — ou pelo menos não para mim. É só mais pressão de todas as formas possíveis enquanto pessoas como eu, meros mortais, não se encaixam em lugar algum, afinal, os mais poderosos — os "Deuses" — são os que mandam e você apenas tenta sobreviver. Detesto essa hierarquia escolar mas ninguém toma uma atitude para acabar com ela. Eu até que poderia, porém o medo é maior, sempre me fazendo recuar. Então, de mãos atadas, só posso assistir alguns indivíduos sendo diminuídos e humilhados. É horrível.

Como eu disse, faço parte dos meros mortais, os plebeus do último patamar da pirâmide hierárquica. Vou para o colégio todos os dias, na esperança de concluir o ensino médio e enfim escapar dali o mais rápido possível. Vou também para ver meus amigos da mesma categoria que eu — talvez nem tanto, porém ainda mortais. Nicholas, meu melhor amigo, se inscreveu para o time de basquete da turma e conseguiu passar — não vou mentir e dizer que não fiquei surpresa — e Irene, mais conhecida como anjo-sem-asas, canta muito bem e faz parte do grupo de Música da escola.

Ah, é obrigatório fazer parte de uma atividade extracurricular. Quando tem eventos ou algo parecido na escola os grupos ajudam com seus respectivos talentos. Faço parte do grupo de Arte que, por incrível que pareça, tem pouquíssimas pessoas. Por esse motivo, às vezes a aula acaba mais cedo, como nesse caso. Felizmente era o último horário e eu estava liberada para ir para casa.

Assim que guardei meus materiais na bolsa, coloquei a alça sobre um ombro e fui atrás da Griffin. É claro que eu também tinha a opção de ir assistir ao treino de basquete, mas atravessar a escola para chegar na quadra era algo que eu não estava a fim. Nick teria que me desculpar.

Me dirigi a sala de música, o lugar mais óbvio para procurá-la. Quando abri a porta notei que tinham poucas pessoas, apenas Irene, a professora de música a qual não sabia o nome, Kim Namjoon e Jeon Jungkook, ambos do 3°B.

Entrei tentando não chamar muita atenção, mas falhei miseravelmente assim que tropecei numa cadeira e os quatro presentes olharam para mim. Dei um sorriso amarelo e fui me sentar em uma das últimas carteiras até que o ensaio terminasse.

A sala tinha vários instrumentos musicais: violinos, violões, bateria, flautas etc. e inclusive um lindo piano de madeira marrom que aparentava ser antigo mas bem cuidado. No pequeno palco ali estavam Irene e Jeon que cantavam em perfeita sincronia We Don't Talk Anymore do Charlie Puth com a Selena Gomez. Como só tinham eles cantando ou ensaiando algo, presumi que teria algum evento escolar se aproximando — eu não fazia ideia de qual seria porque normalmente só vou quando valem nota ou ponto extra.

Os dois terminaram de cantar e eu sequer percebi, apenas despertando quando escutei os diversos chaveiros de Irene — que ela coleciona — fazerem barulho pendurados em sua mochila preta. Jungkook e Namjoon já tinham saído, restando somente nós e a professora.

Me levantei, pegando minha mochila azul marinha que, nem tão diferente da bolsa da morena, é enfeitada com vários botons personalizados por mim — nada muito chamativo. Tentei acompanhar o ritmo de minha amiga que possui muita energia e velocidade em seus poucos 1,59 de altura enquanto nos dirigíamos até a saída. Finalmente estávamos indo embora daquele lugar. Os mortais precisavam se preparar para enfrentar o próximo dia e os outros precisavam preparar sua beleza.

— Por que só tinham vocês na sala hoje? — perguntei enquanto caminhávamos até o ponto de ônibus próximo a escola.

— Ah, é que eu e Jungkook vamos cantar no Festival de Primavera esse ano — respondeu ajeitando a alça da mochila em um ombro só. Escoliose mandou abraços. — Ué, mas o grupo de Arte não tá' sabendo? O que vocês vão fazer?

Foi como eu disse antes: quase nunca vou aos festivais. Eu nem sei o que se faz neles exatamente.

— Não faço a menor ideia, você sabe que não me importo com esses eventos, Ire — disse, chutando umas pedrinhas no chão assim que paramos no ponto. Haviam algumas pessoas ali, ou seja, ficamos mais no canto para que tivéssemos privacidade. — Aliás, acabei de lembrar que já tenho um compromisso.

— Eu nem ao menos te disse qual a data, Kath, como sabe se vai estar ocupada? — cantarolou e eu me xinguei mentalmente por me entregar tão fácil. Eu não sei mentir, pelo menos não para Irene Griffin. — E qual seu compromisso? Virar a noite jogando e assistindo série? – Cruzou os braços me olhando desconfiada.

— Óbvio, são muito importantes. – Dei um sorrisinho tentando transmitir a felicidade que sinto ao ficar em casa fazendo minhas coisas "bobas", mas vi Irene revirar os olhos pouco interessada.

— De qualquer forma, você deveria saber pelo menos o que vão apresentar no Festival...

— É, eu deveria — Suspirei. — Depois de amanhã temos aula de novo. Posso pensar em algo e talvez dar uma ajudinha.

— Ok, mas mesmo que você não participe seria legal se aparecesse pelo menos para me ver cantar — disse. — Não precisa passar a tarde toda...

Nessa hora o ônibus chegou. Deixamos que os outros subissem aos poucos para depois entrarmos. Me sentei no lugar de sempre perto da janela, vendo os não-mortais irem embora com seus carros e motos, e Irene acomodou-se no banco ao lado.

A casa de Irene fica antes da minha então passei a maior parte do tempo escutando música com meus fones de ouvido e observando a paisagem passar rápida do lado de fora. Era um dia fresco, ótimo para comprar doces no mercado mais próximo e dormir dopada de açúcar — sem minha mãe saber, claro.

Eu moro apenas com ela e meu irmão mais novo. É bom, mesmo que às vezes eu sinta falta de uma presença paterna.

Quando cheguei em casa Senhora Downey já havia ido trabalhar, mas o almoço estava nas panelas do fogão, como de costume. Josh provavelmente estava no quarto dele fazendo as atividades — eu o criei bem, muito obrigada — já que a porta estava fechada.

Segui para meu quarto e a cama forrada com cobertores de estrelas nunca me pareceu tão atrativa. Deixei minha bolsa no chão ao lado e enfiei meu rosto no travesseiro, me permitindo descansar por cinco minutos até que vários pensamentos ao mesmo tempo invadissem minha mente.

Para que não começasse a ficar mais nervosa, comecei a tentar resolver o problema mais simples: Festival de Primavera. Com certeza o grupo de Arte iria participar. Talvez com repinturas de algumas obras importantes para deixar em exposição. Já tem poucos integrantes no grupo — cerca de seis pessoas — então eu teria que participar, isso era questão de bom senso. Não tinha nada para dar errado. Ou deveria ter...? Não! Caso encerrado. Seja lá o que o grupo fosse fazer eu ajudaria e iria no dia para ver Irene.

Enquanto organizava em um papel tudo o que eu tinha para fazer além das matérias que precisava estudar, o vibrar do meu celular despertou minha atenção. O visor logo mostrou o contato de Nick e as mensagens que o mesmo havia acabado de enviar.

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