Conto

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     Corro pela rua enquanto algo me persegue, a neblina é densa a ponto de me fazer ter a sensação de pesar sobre meus ombros, me impedindo de ver qualquer coisa a mais de dez metros de onde estou, passo por becos em que só há lixos e poças d'água que refletem as luzes das lâmpadas que fraquejam, era como se em todos eles houvesse um vulto com olhos cintilantes focados em mim, tão velozes que se parem com raios, a chuva está muito intensa, me impossibilitando de escutar qualquer tipo de barulho, além do das gotas caindo no chão. 

     O que me atormenta é o sentimento de que aquilo surgirá das sombras a qualquer momento como um animal selvagem, que irá degolar minha garganta, esmagar meus olhos e dilacerar o resto do meu corpo para ser comido e servir de resto para todo tipo de inseto asqueroso. 

     Minhas pernas quase não possuem mais forças, não tenho noção a quanto tempo estou correndo, mas algo me impede de parar, é como se eu não estivesse no controle, só sinto meu corpo tremer. De repente tudo ficou escuro, não consigo sentir meu corpo, só a sensação de que existo em conjunto com a escuridão, até que tenho o vislumbre de uma chama com uma coloração roxa, que em um momento está ali e em outro desapareceu. 

     Quando voltei a mim, vejo que estou em uma grande sala mal iluminada, sem portas ou janelas, com seus cantos totalmente tomados pelo escuro, não há qualquer fonte de luz, ela simplesmente existe ali. Percebo que estou em uma cadeira de madeira com minhas mãos e pés amarrados com uma corda, tive a mesma sensação de antes, de ter algo à espreita, escondido, mas logo vi que não era só uma sensação, há alguém parado em um dos cantos da sala, sendo oculto pelas sombras.

     Com um vislumbre vejo que não é humano, e sim algum tipo de coisa, mas certamente não é humano, ele estava grudado a parede e começou a se mexer, eu me encontrava imóvel, me impossibilitando de ver para onde ia. Tudo o que consigo fazer é ouvir o som de seu andar, que me fez arrepiar por inteiro, várias passadas, uma atrás da outra com velocidade, deduzi que ele tinha muitas pernas.

     Minha testa escorre suor e meu corpo todo treme, o barulho dos passos cessou, finalmente sinto que consigo me mover, viro a cabeça em todas as direções mas não encontro nada, não estava em canto algum, foi quando algo caiu em meu ombro, uma gosma viscosa e esverdeada que em um piscar de olhos tinha destruído minha camiseta, entrando em contato com minha pele, gritei de dor, era insuportável, nos poucos segundo que a gosma ficou em meu braço foi o suficiente pra derreter minha pele, e agora corroía minha carne, mesmo com meus gritos consigo ouvir o som de alguém chamando meu nome, olhei para cima, como posso ter esquecido de olhar pra cima?

     Nunca vi algo tão horrendo, isso não é desse mundo, uma centopeia monstruosa com três vezes o meu tamanho, suas patas são tão afiadas que fazem furos no teto e seus vários olhos se destacam no escuro com um forte amarelo.

     Notei que não sinto mais a dor de antes, olho para o lado e meu braço está no chão, a gosma consumiu meu ombro até o fim, fazendo com que o braço se desprendesse e jorra-se sangue por tudo, comecei a entrar em pânico, e então o rosto da criatura se curvou próximo ao meu, me fazendo esquecer que estava morrendo, consegui vê-lo melhor, no topo de sua cabeça há um par de antenas que escorrem a tal gosma e mais atrás dois pares de chifres,  sua boca que não se fecha tem diversas presas em seu interior, a boca começou a aumentar de tamanho, fazendo todo o resto de seu rosto se encolher e a revelar mais presas, em um piscar de olhos minha cabeça estava envolta no escuro de sua garganta, e eu a senti sendo dilacerada.

     Me encontro fora de meu corpo novamente, o hibrido não está mais ali, mas consigo me ver, é como se eu fosse um espirito, tinha caído da cadeira, estava jogado no chão, meu pescoço jorrava sangue, minha cabeça havia sido devorada.

     Tudo ficou escuro de novo, mas eu não estou sozinho, continuo amarrado, não mais em uma cadeira, agora estou em uma estaca, com várias silhuetas de pessoas me olhando, a mesma chama roxa de antes ressurge, só que em baixo de mim, o fogo começou a me queimar, todas aquelas sombras sem rosto davam risada, eu senti queimar cada vez mais e meus gritos de agonia eram inúteis.

     Comecei a ouvir meu nome, várias vezes, e cada vez mais alto, cada vez mais perto. Morfeu.

     Morfeu.

     Morfeu.

     Acordei com um salto, isso tudo tinha sido só um sonho?

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