Prólogo

35 3 4
                                    


"Dizem que a vingança é um prato que se come frio. 

Na verdade, eu esperava que fosse um prato tão quente e tão saboroso quanto o sangue de um assassino sendo derramado. Um assassino bem específico.
Assim, esse seria o melhor prato que eu comeria em toda minha vida. E o último."


Não é novidade que Recife costuma ser chamado de Hellcife por conta do seu calor dos infernos, então, eu não ficava surpresa por pingar de suor ao sair de um banho gelado em solo recifense. Encarei-me no espelho e reparei como os meus olhos pretos poderiam ser facilmente confundidos com duas jabuticabas no lugar da minha íris ocular. Sorri sem mostrar os dentes ao imaginar isso. Fazia um bom tempo que eu não sorria de verdade e aquilo me causou um incômodo, me carregando mais uma vez direto para aquela noite.

"'PAI!' Gritei em vão. Cheguei tarde demais.
Corri até onde estava o corpo do meu pai e apertei-o como se toda a força que eu fizesse para abraçá-lo fosse suficiente para que ele não me deixasse.
A bala tinha sido mais rápida que eu.
A adrenalina tomava conta de mim a ponto de eu nem conseguir sentir dor por estar segurando alguém com o dobro do meu peso. A minha dor era interna e o meu coração desejou parar de bater junto ao dele..."

Enquanto eu me secava, também observava o meu reflexo pelo espelho do banheiro e notava que as minhas olheiras revelavam as minhas noites mal dormidas. Estava convencida de que nada sobre mim dizia respeito a outra pessoa além de mim mesma, por isso, a minha insônia era algo que eu não queria que alguém soubesse. Nessa noite específica, a impressão que eu gostaria de passar não tinha nada a ver com noites mal dormidas e eu precisava usar maquiagem para esconder isso.

Diferente de mim, meu pai sempre fora muito vaidoso e era ele quem demorava para se arrumar. Já a minha mãe, não tive a oportunidade de conhecê-la. Certa vez, o meu pai chegou a comentar comigo que ela sempre dizia: "Sorte dos jovens porque mal precisam de maquiagem... Quem já passou dos 40, precisa parecer uma casa rebocada para ficar apresentável!"

No auge dos meus dezenove anos eu já aparentava ser bem mais velha do que eu realmente era e isso era uma consequência dos meus próprios atos. Estava longe de ser alguém que comia de forma saudável, negava bebidas alcoólicas, tinha sono regulado, tomava sol por conta da vitamina D e fazia skin care. Na verdade, a minha maior vaidade era o meu cabelo, gostava de cuidar e mantê-lo em um corte estilo "joãozinho" sem me importar com a opinião de terceiros.

Deixei aquele cômodo e, assim que entrei no meu quarto, me distraí quando percebi que lá estava em uma das paredes o meu quadro favorito pintado pelo meu pai. As suas pinceladas eram precisas e cuidadosas. Por um momento senti falta da bagunça que ele fazia na casa inteira quando resolvia pintar uma tela. Logo a tinta vermelha daquele quadro me trouxe velhas lembranças...

"Apenas um tiro foi certeiro para que o meu pai fosse levado embora.
De repente, me vi morando sozinha e com o quarto dele estando a 7 palmos abaixo da terra.
As lembranças daquela noite são como flechas disparadas incansavelmente para dentro da minha memória.
O que me faz perder o sono e me tirar da realidade é ter absoluta certeza de a justiça não foi feita.
'Desceu para o cotel' apenas uma marionete. O real assassino do meu pai estava contando vitória e esbanjando o seu poder. Isso não podia ficar assim."

O caos saía da minha mente e morava dentro do meu guarda-roupa também. Nem me lembro quando foi a última vez que parei para organizar as minhas roupas e aquilo nem me incomodava mais. Apenas passei os olhos pelo móvel a procura de algo para vestir e rapidamente encontrei uma calça panta curta branca com listras pretas na vertical. Assim, pensei em usá-la com um simples cropped tomara que caia preto e um típico all star da mesma cor.

Estando devidamente vestida e com a maquiagem mais natural possível para apenas esconder as minhas olheiras, decidi que me olharia no espelho novamente antes de sair. O longo espelho do meu quarto me fez reparar em meu corpo: eu era alta, mas também era muito magra, o que me deixava frustrada por me subjugarem como fraca. Ter escolhido aquele cropped fazia toda a atenção ser chamada para os meus braços fechados com tatuagens - nada coloridas - e aquilo me satisfazia. Ainda achava que faltava algo em mim, então, passei um lip tint vermelho em meus lábios e coloquei o meu cordão dourado com um pingente de cruz.


– Chegou a hora. – Disse a mim mesma antes de pegar a chave do carro e a carteira. Saí por aquela porta mais decidida que nunca.

"O enterro contou com a presença de amigos íntimos, admiradores da sua arte e a família – que só se reunia em funerais e em brigas por dinheiro.
Meu corpo tremeu de raiva no momento em que vi ao longe: Alberto Riviera, observando, com a cara mais lavada do mundo e um sorriso cínico, o caixão do meu pai descer para o subsolo. A minha vontade de chorar foi automaticamente substituída pela minha sede de vingança. Enquanto ele virava de costas para ir embora, eu me virava para o meu futuro que seria apontando um revólver bem na sua cara.
O real assassino daquele crime cruel havia uma filha e seria exatamente através dela que eu iria chegar até ele. Destruiria o coração de quem ele mais ama de modo figurado para futuramente destruir o seu coração de modo literal.
A noite era uma criança e estava apenas começando."

Dizem que a vingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora