Entrei no carro e deixei o GPS me guiar, o destino era uma das calouradas mais famosas de Recife, a organizada pelos alunos do curso de Ciências Biológicas da UFPE. Através de uma das minhas pesquisas, descobri que a filha do assassino do meu pai confirmou presença como uma das DJs desse evento. Eu tinha a oportunidade perfeita para chegar nela sem levantar pistas do que eu realmente queira. Tudo que eu sabia sobre o meu alvo é que ela estudava Artes Visuais na UFPE e fazia uns trampos como DJ, seu nome era Solange Riviera, mas nas redes sociais era Sol.
Em algum momento a voz da mulher do GPS passou a me irritar e as buzinas dos outros carros mais ainda. Resolvi ligar o rádio e ouvir o que estivesse tocando enquanto eu tentava sair do trânsito que estava a Agamenon.
Escolheram fazer calourada em um lugar amplo e ao ar-livre, me questionei se todo mundo ficaria frustrado se chovesse ou se ninguém ligaria por estar drogado demais. Sem respostas, fui em direção ao bar e pedi uma garrafa de carreteiro, pois apenas um vinho barato me entenderia e me ajudaria a aturar aquela reunião de jovens alterados.
– Cansou da caverna? – Ouvi a dona de uma voz familiar sussurrar em meu ouvido e eu olhei para saber quem era.
Ninguém sabe como reagir quando se encontra com a ex e não seria eu que saberia o que fazer nessas horas. Apenas disse:
– Cristina.
Em seguida, ignorei a sua presença e peguei a garrafa que havia pedido no bar.
– Lídia.
Ela não apenas falou o meu nome. Ela falou o meu nome de uma forma provocante. Na verdade, aquela mulher sabia os meus pontos fracos e qualquer coisa que ela falasse me faria querer beijá-la. Preferi ignorá-la bebendo um gole daquele líquido alcoólico direto da garrafa só para não encarar muito e ela ir embora.
– Perdeu a voz foi? – Disse chegando mais perto de mim e passando a mão no meu cabelo.
– Só perco a voz quando eu não quero falar com alguém. – Respondi ríspida enquanto delicadamente tirava a sua mão de mim.
– Na verdade, – Ela deu um pausa proposital que chamou a minha atenção – já te vi perdendo a voz de um outro jeito. – Mordeu o lábio inferior.
Estúpida. A mulher olhos esverdeados e lisas madeixas castanhas sabia bem o que estava fazendo, mas eu não iria levar isso adiante.
– Já chega. – Declarei de forma fria.
– Lídia, por favor, faz muito tempo que tudo aconteceu, dá uma chance pra a gente...
Interrompi o que ela tinha para dizer.
– Acabou, Cristina. Não importa mais.
Ela continuou:
– Eu juro que não foi por querer... Você nem me deixou explicar...
Revirei os olhos e encarei-a.
– Certo. Vá em frente.
– Eu não tive chance de me desculpar... No mesmo dia aconteceu aquilo com o seu pai... – Respirei fundo ao ouvir isso – E você não quis mais me ver. Eu sei, é totalmente compreensível, mas um ano se passou e essa é a primeira vez que te vejo sair de casa. Sinto falta de você. Sinto falta todos os dias, em todas as aulas. O que você tem feito, Lídia? Por que trancou Direito? Por que SE trancou?
Aquelas palavras faziam o meu estômago embrulhar. Respondi, ainda mais fria:
– O que você quer? Que eu aceite suas desculpas? – Gargalhei em sarcasmo – Ótimo. Desculpas aceitas. Espero que se dê por satisfeita. – Com repúdio, bebi mais um gole de carreteiro.
– Não fala assim...
– Você me traiu, Cristina. E eu vi por conta própria. Eu confiei em você e você mentiu pra mim. Você não se importa comigo. Você se importa com você. Você sente falta de mim? – Dei um sorriso irônico – Me poupe! Você sente falta trabalhos que eu fazia pra você e você só colocava o nome. Vai se foder!
– Eu não sou mais a mesma pessoa de antes...
– Olha que engraçado: Eu também não. Agora vê se me esquece. - Saio sem nem esperar sua resposta.
Não esperava encontrar Cristina novamente e ainda mais naquele lugar. Parando para pensar, até que era bem previsível, pois, eu nunca vi aquela mulher negar uma festa. Apenas respirei fundo tentando ignorar o encontro que tive há cinco minutos atrás e me concentrei em colocar o meu plano em prática. Resolvi ficar em algum canto que eu pudesse me encostar e ficar tranquila para observar quem estivesse na cabine de som. A DJ mais esperada da minha noite ainda não estava lá, então, varri os olhos pelo local a procura dela enquanto bebia uns goles do vinho barato.
Encontrei.
Eu a conhecia através de fotos, então, não foi difícil reconhecê-la pessoalmente. Observei-a chegar perto da cabine de som e percebi que ela estava prestes a começar sua apresentação. Cumprimentou o DJ e ocupou o lugar dele enquanto o mesmo se despedia da galera. Para a minha surpresa, Solange era muito mais bonita pessoalmente do que em fotos e, com certeza, haveria uma fila de pessoas interessadas nela. Isso me deixou um pouco insegura, mas não a ponto de me fazer desistir do meu plano.
Mesmo que eu estivesse certa sobre o meu plano, a situação estava um pouco complicada. Primeiro: Cristina continuava na festa e não deixava de me encarar como se eu fosse o último copo de água e ela tivesse acabado de comer biscoito treloso. Segundo: Quanto mais eu olhava para Solange, ou DJ Sol, como ela se apresentou, mais percebia que nem nos meus piores pesadelos eu imaginaria ficar tão atordoada com a sua beleza. Eu estava em desvantagem e não podia negar.
Sempre achei que o que os DJs faziam nas festas era só escolher uma playlist qualquer e colocar lá pra tocar. Entretanto, a mulher de cabelos crespos louros e pele retina conseguiu mudar a minha percepção. Ela estava muito concentrada e parecia que nada no mundo tiraria a sua atenção, mexia nos equipamentos de som e intercalava entre os ritmos musicais de modo que ninguém conseguia ficar parado. Todos estavam curtindo e isso era bem nítido.
A apresentação acabou, eu ainda estava em êxtase e a DJ, radiante.
Pensava em todos os charmes que eu poderia usar para começar o meu joguinho, mas estava sendo mais complicado do que eu pensei. Não que eu tivesse ficado apavorada pensando que qualquer deslize meu poderia colocar tudo a perder, longe de mim. Mas conhecer alguém através de suas redes sociais era bem diferente de estar cara a cara com a pessoa, certo? Acredito que saber que Solange tinha 20 anos e gostava de organizar o seu feed do Instagram não me ajudaria a conquistá-la. Me perguntei: será que eu deveria stalkear mais um pouco e descobrir pelo menos o seu signo?
Tomei nota: observar o meu alvo antes de me aproximar dele. Isso daria certo. Então, continuei o meu estudo de campo. Estava indo bem até que quase perco o alvo de vista e antes que eu começasse a me desesperar, encontrei-a cumprimentando Cristina, e o pior: notei que elas eram amigas! Ou o melhor?
Pensei que talvez minha queridíssima ex namorada pudesse ser uma ponte para me ajudar a chegar na DJ e conquistá-la. Afinal, independente do que acontecesse, eu usaria a meu favor. De repente, as duas estavam olhando para mim e, nada discretas, chegaram a apontar enquanto comentavam algo desconhecido entre si. Bebi o restinho de carreteiro que ainda tinha na minha garrafa e respirei fundo. Nem nos meus piores pesadelos, nem nos meus piores...
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Dizem que a vingança
Action"Dizem que a vingança é um prato que se come frio. Na verdade, eu esperava que fosse um prato tão quente e tão saboroso quanto o sangue de um assassino sendo derramado. Um assassino bem específico. Assim, esse seria o melhor prato que eu comeria...