Capítulo II

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   O dia começou bom, o rádio anunciava sol e o trânsito de terça era melhor que o de segunda. Henry ainda estava em casa, os cabelos desgrenhados e o bafo da manhã. Rebecca por sua vez, já tinha começado seu dia a algumas horas. Fez companhia ao irmão até a escola e foi direto para o trabalho. Estava sempre apresentável e nunca se atrasava. Gastou cinco minutos exatos para se trocar e ajudou os demais funcionários a colocar para fora as cadeiras e arrumar as mesas, sentia o olhar de Cristan as suas costas, mas seguiu o trabalho até o Café estar pronto para começar mais um dia.

— Rebecca, pode vir até a minha sala? — Era o que temia ouvir, mas fez que sim com a cabeça e seguiu o gerente até o interior. — Soube do que aconteceu ontem.

— Eu mesma poderia ter contado senhor, mas ontem não esteve aqui. — Becca mantinha os olhos gentis e o tom baixo. — Não vai se repetir eu juro e não houve nenhum prejuízo.

— Como não? E a nossa reputação, Rebecca? — O tom era agressivo, uma nota mais alto do que precisava, todos do lado de fora podiam ouvir e isso fez as bochechas de Rebecca corarem. Todo o rosto estava vermelho e suas sardas nadavam na vergonha que sentia. — Isso é inaceitável, um vexame ao nome do meu Café... Está demitida.

   Aquilo não foi bem uma surpresa, mas mesmo assim foi decepcionante. Alguns meses atrás Cristan tinha tentado algo com Rebecca, mas a garota acabara de terminar um relacionamento e não gostava de misturar amor a trabalho. Cristan não aceitou. E depois disso passou a encara-lá com uma expressão vingativa. Sua chance perfeita tinha chegado. E apesar de Becca precisar do trabalho, sabia que não adiantaria se humilhar. Acenou com a cabeça e aceitou o destino, pegando suas coisas e tirando pela última vez o uniforme. Todos do Café foram afetados, é claro, Becca era querida, um anjo, mas ninguém podia discutir ou se opor. Apenas aceitaram e se despediram. Uma hora mais tarde Henry cruzou a porta e fez o sino soar.

— Bom dia. — Dessa vez não encontrou Rebecca com os olhos e por isso foi até o balcão. — Sou sempre atendido por Becca, hoje ela não está?

— Lamento, mas não está. — A mocinha que o atendeu tinha os olhos tristes e cachos loiros pesados lhe rodeavam o rosto. — Posso anotar seu pedido?

— O que houve com ela, está bem? — Depois do ocorrido no dia anterior, era normal estar tão curioso e preocupado ao mesmo tempo.

— Foi despedida senhor. — A palavra com d foi cuspida. Não por pouca educação com o cliente, mas sim pela indignação em si. Rebecca era modelo e um incidente não deveria a jogar na sarjeta. Ainda assim a loira tentou manter a compostura e puxou do avental o bloco, como se incentivasse um pedido.

   Henry não pediu. Ao invés disso, passou a mão nos cabelos nervoso e se escorou um pouco mais no balcão, como quem segrega um segredo.

— Se eu lhe disser que posso arrumar um emprego para sua amiga... — Conhecia o tom de quem defende uma amiga — você me diz onde ela mora?

   No fim a resposta foi sim. E sem conseguir esperar Henry acelerou o carro e, pela primeira vez em muito tempo, não tomou café. Encontrou Rebecca nas escadas de casa, chorando. Não tinha noção de como podia ser afetado por aquelas lágrimas até as ver. Becca por sua vez secou o rosto ao notar o homem sair do carro e se aproximar. A primeira palavra que pairava em sua mente era "Como?" Mas fez questão de esperar que a situação se explicasse sozinha.

— Ei. Uma amiga do Café me disse o que aconteceu...

— E te passou meu endereço. — Henry confirmou sem graça e Rebecca tentou não manter o olhar. — Por que está aqui?

   Já que a resposta não vinha sozinha, decidiu a invocar. Henry por sua vez, pareceu cair em si e voltou a falar.

— Bom, você não tem mais um emprego, queria te oferecer um.

— Olha, não me leva a mal, mas, não são as pessoas que têm de ir atrás dos empregos?

— Não. Isso não acontece com os melhores. — O loiro ficou feliz pela conversa parecer até divertida, era um alívio.

— E no que eu sou a melhor?

— Não te conheço o suficiente para saber, mas gosto do seu café. Me acostumei com ele, é você que fazia, não é?

— Sim.

— E as tortas...

— E as tortas.

— Então. Se aceitar o trabalho eu não vou mais precisar acordar mais cedo para tomar café e também vou poder comer da sua torta mais de uma vez por dia.

— Está falando sério? Porque eu preciso mesmo de um emprego...

— Claro que sim, você não precisa só servir café... pode ser a assistente do meu irmão.

— O irmão em quem eu derrubei Latter?

— Ele mesmo. Está sempre ocupado, precisa de ajuda, ele só não sabe disso.

— O que eu preciso fazer? Pra ficar com a vaga.

— Esteja pronta amanhã às sete. Venho te buscar para sua entrevista, leve seu currículo.

— Eu nem sei em que tipo de empresa você trabalha... Muito menos ser assistente. Tem certeza, Henry?

— Pronta às sete, ouviu?

   O homem acenou com a mão, virou as costas e voltou para o carro. Se queria pedir um favor para o irmão precisava chegar em tempo ao trabalho e para isso teria de cruzar meia cidade.

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⏰ Última atualização: Oct 24, 2020 ⏰

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