Capítulo 04

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Durante o resto da semana XingChen trabalhou em sua monografia de casa. Seus machucados foram melhorando e na semana seguinte ele voltou a sair, foi à faculdade devolver os livros, encontrou seu orientador para trocar mais algumas ideias, foi a um café, passeou com Qing no shopping, comprou um novo par de óculos escuros, porque havia perdido o antigo no assalto, o detalhe era que ZiChen não o deixava mais sozinho um segundo sequer, parecia que o assalto tinha acontecido com ele, estava mais neurótico que o comum, naquele dia estavam fazendo as compras mensais no supermercado, geralmente ele nem precisava acompanhar ZiChen, o mais velho sabia de tudo que ele precisava de um jeito tediosamente eficiente. 

-Coloca um vinho no carrinho, ZiChen. – ele segurava em um dos braços do homem que empurrava o carrinho, enquanto andavam pelas seções. 

-Vinho? Desde quando você bebe?

-Eu já tenho 23 anos, não posso beber?

-Claro que você pode, eu só não esperava por essa. Seco ou suave?

-Não faço ideia da diferença, pega os dois. – Song ZiChen não entendia aonde o amigo/chefe queria chegar, mas achava que ele estava fazendo aquilo só para mostrar que não era tão previsível. 

-Acho que você vai gostar do suave, é mais doce. 

-Minha vez de perguntar, desde quando você bebe?

-Não bebo, mas já experimentei. 

-Quero experimentar os dois.

-Tudo bem. Por que você parece irritado hoje?

-Pareço?

-Sim. 

-Não estou irritado... Só ando pensando demais...

-No quê?

-Se eu contasse, você que ficaria irritado. 

-Tem a ver comigo?

-Não exatamente... Tem a ver comigo... Com a minha situação.

-Sou todo ouvidos. Não vou ficar irritado. 

-Não é nada demais... É só que às vezes fico imaginando que tudo poderia ser diferente... Eu poderia dirigir meu próprio carro, fazer minhas próprias compras, bater no meu próprio ladrão, sabe?

-Bater no seu “próprio ladrão”? – ele não conseguiu não rir daquilo.

-Você entendeu o que eu quis dizer... – havia uma espécie de sorriso em seu rosto, porém era triste e conformado – São coisas que pessoas normais fazem que eu não posso fazer... Nem flertar eu posso.

-Flertar? – ZiChen deu um sobressalto – Por que isso agora?

-É um exemplo de coisa que outras pessoas fazem que eu não posso fazer. Como vou saber se existe alguém que gosta de mim?

-Essa pessoa vai ter que te contar. – disse casualmente lendo a embalagem de um cereal. 

-Ok, mas existem tipos de flertes e olhares que eu nunca vou entender. 

-Isso te incomoda?

-Eu apenas... Tenho pensado sobre... 

-XingChen, quando a garota certa aparecer ela vai deixar muito claro que gosta de você. E você vai saber, independente de enxergar ou não. Existe muito mais coisa num flerte do que só troca de olhares.

-Bom, talvez não seja uma garota... 

-Hã?

-Esqueça... Esqueça tudo que eu disse, eu devo estar ficando louco com meu TCC. Ainda tenho que arrumar alguém para digitá-lo. 

-Eu posso fazer isso. 

-ZiChen, você já passa todas as horas do seus dias grudado em mim, eu não vou te dar ainda mais trabalho. 

-Não é trabalho, eu estaria ajudando um amigo. 

-Se envolve a mim e a minha deficiência, definitivamente é um trabalho para você. Sua vida gira em torno disso, como não pode estar cansado? 

-Eu não sei responder... É um trabalho que eu gosto. 

ZiChen só percebeu o que dissera depois de ter dito e passou o resto das compras pisando em ovos, torcendo para que o outro, inocente como sempre, não tivesse estranhado nada. 

-Acho que vou colocar um aviso no fórum online da faculdade. – disse XingChen afundando no banco do carona, enquanto voltavam para casa.

-Para quê?

-Para buscar alguém interessado em digitar meu trabalho.

-Já falou com a Qing?

-Eu não quero envolver nenhum de vocês dois nisso. 

-Não consigo entender o porquê.

-Quando falei sobre isso com a Qing, ela disse que eu deveria usar esse pretexto para conhecer mais pessoas. 

-E qual a sua ideia? – perguntou achando tudo muito estranho.

-Eu vou colocar no fórum, mas não vou falar sobre pagamento.

-Você está pensando em pagamento? É trabalho acadêmico.

-Sim, mas eu tenho que recompensar a pessoa de alguma forma... É um favor a alguém que eles nem conhecem. Qualquer um que aceitar merece uma recompensa.

-Ter o nome citado no trabalho não conta?

-Não o suficiente. 

Eles chegaram no prédio e subiram com as compras, ZiChen ajudou XingChen a guardar tudo e depois o mais novo ligou o notebook.

-O fórum não é acessível... Você pode fazer o anúncio para mim, ZiChen?

-Claro. – disse ele indo até o notebook.

-Obrigado. 

-Não precisa me agradecer. – disse acessando o site – O que deseja que eu escreva?

-“Olá pessoal, me chamo Xiao XingChen e sou graduando de Relações Internacionais, estou finalizando meu trabalho de conclusão de curso, porém, possuo uma deficiência visual e preciso que outra pessoa digite minha monografia, se houver alguém disposto a me ajudar, me envie um e-mail para xiaoxingchen@stanford.relacoesinternacionais.com, ficarei muito agradecido.”

-É isso?

-Sim. 

-Enviado. Ainda acho que eu poderia facilmente fazer isso. E você mesmo disse que faz parte do meu trabalho. 

-Você poderia facilmente fazer isso, mas não vai. Você já faz coisa demais. 

-Sua mãe me paga por tudo que eu faço, sabia? 

-Não importa.

No primeiro dia, nenhum e-mail. No segundo, a caixa de entrada continuava vazia. No terceiro, “você tem um novo e-mail”, era propaganda de passagem aérea. Até que finalmente, no quarto dia, chegou uma notificação decente.

O e-mail pedia para se encontrarem no café perto da Universidade naquele dia às 15hrs e dizia que era referente à monografia. Ele mandou uma mensagem para ZiChen avisando que havia encontrado uma pessoa para ajudá-lo, sequer aguardou a resposta dele, se arrumou e saiu. 

Chegou ao café em poucos minutos, sentou-se no balcão, o local que ele julgou como sendo o mais visível, pediu um latte com chantilly e esperou empolgado. Esperou... Esperou... ZiChen ligou, ele não atendeu, mas passou uma mensagem dizendo que estava tudo bem... Esperou mais um pouco... Perto das 17hrs alguém sentou ao lado dele.

-Ei, por que você tá com essa cara de cão abandonado? – perguntou a voz um pouco ríspida, ele já tinha ouvido aquela voz em algum lugar.

Incoincidência [concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora