Capítulo Único

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Notas iniciais

Inspirada em uma história que ouvi há muitos anos. Não sei se era verdade, mas nunca se sabe. 


Ele não percebeu de imediato na primeira vez que aconteceu.

Era sua quarta semana no colégio interno, em outro país.

Ele não queria estar lá e obviamente seus colegas de alojamento também não estavam felizes de o ver, então não se importou quando ficou naquele quarto, o último na ala norte e o mais isolado.

Talvez por ser tão isolado, demoraram tanto para notar, até o monitor de alojamento dormir em uma certa noite em um quarto próximo do seu e vir reclamar do barulho que fazia no meio da madrugada

Quando isso aconteceu pela primeira vez o ignorou, achando que era mais uma implicância de seus colegas.

Porém, a reclamação se repetiu algumas vezes, chegando até mesmo uma nota da direção sobre arrastar os móveis no meio da madrugada.

E foi quando ele notou. A princípio era apenas uma cadeira, uma mesinha. Os quartos dos alunos eram grandes e a vantagem de ter sido isolado era que não precisava dividir com ninguém, então havia bastante mobília. Talvez por isso não tivesse notado a mudança de imediato.

Quando ele notou, no entanto, não conseguiu tirar isso da cabeça.

As reclamações continuavam, seus colegas cada vez mais irritados, mas ainda acreditava que poderia ser uma pegadinha de alguns deles, mas o que o intrigava era como não acordava com o barulho?

Quando pela terceira vez acordou com a cama, a qual sempre colocava perto da parede, encostada na janela oposta, ele resolveu que colocaria a câmera do computador durante a noite. Se fosse algum de seus colegas, o que era provável, ele teria provas.

O vídeo que encontrou no outro dia o intrigou na mesma medida que o deixou assustado, ainda assim ele não o mostrou a ninguém.

Na câmara ele viu o que a princípio parecia ser os móveis se movendo sozinhos. A mesinha, seu guarda-roupa, a cama, com ele dormindo profundamente nela. Todos os móveis se afastando até a parede oposta, perto da janela.

Apenas quando mudou o contraste do vídeo ele conseguiu ver ali, no canto do quarto, a sombra mais escura do que deveria, cobrindo toda a parede.

Havia olhos nela.

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As reclamações continuaram, assim como o fato de acordar todas as manhãs fora do lugar onde havia dormido. Ele havia experimentado de tudo, como alarmes ou medicamentos para ficar acordado a noite inteira, mas nunca funcionava: ele sempre acordava no outro dia, no mesmo horário, com a cama perto da janela.

No decorrer do dia nada parecia fora do normal.

Achou mais seguro requisitar transferência de quarto para outra ala. Foi negado, ainda assim resolveu certa noite, ao ver as sombras do quarto mais escuras, ao sentir o frio subindo por suas pernas, ir dormir em um dos quartos vazios.

Ao acordar no outro dia estava na sua cama, perto da janela.

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Às vezes ele a via no canto do quarto.

Era aquela região onde tudo parecia escuro, mais frio, mais desesperador.

Sempre que olhava naquela direção, os pensamentos vinham à sua mente, de como seu pai havia o abandonado, de como sua mãe havia morrido, de como todos o odiavam na escola. Ele se sentia sozinho, sem esperanças.

Nessas horas a sombra parecia quase uma companhia aceitável.

Como experimento ele resolveu não colocar as coisas de volta no lugar em certa manhã, mas dormir na cama perto da janela.

No outro dia, nada havia mudado, e nenhuma reclamação surgiu.

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Perto do fim do ano ele acordou com um barulho no meio da madrugada.

Acordou de supetão e se ergueu da cama, apenas para pisar no vazio e quase cair na escuridão.

Finalmente ficou desperto. Era como observar uma cena pós apocalíptica estranha.

Havia destroços, sangue e corpos carbonizados. Via tudo dali de cima, do pequeno pedaço que havia restado de todo o alojamento, pendurado entre tijolos.

Mais tarde ele saberia que havia sido o único a sobreviver do alojamento quando o avião caiu em cima deles.

Ele apenas escapou por sua cama estar recostada na janela.

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Deveria haver alívio, gratidão por ter sido salvo.

Em seu coração só havia um peso, que nada havia com culpa de sobrevivente: ele sabia que havia sido salvo por uma razão.

E ele tinha medo de descobrir qual era.

Quando voltou para casa depois da tragédia, a sombra foi junto.

No canto do quartoOnde histórias criam vida. Descubra agora