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A aula já havia começado há uns 10 minutos e a única menina na sala era eu. Talvez você não ache que isso seja algo relevante, mas se levarmos em consideração que isso acontecia todo dia, podemos constatar a origem da minha estranheza. É engraçado, até; uma caravana de meninas lindas, desajeitadas, usando um coque frouxo e provavelmente sem terem tomado o café da manhã entrando de uma vez na sala e pedindo desculpas ao professor. Tinha vontade de rir sempre que acontecia.

Mas ninguém além de mim achava engraçado. Geralmente, o professor as repreendia com o olhar e dava uma leve bronca. E enquanto elas se apressavam para sentar em seus lugares, os meninos as olhavam, mas logo tratavam de desviá-lo, como que para impedir que alguém percebesse seus interesses amorosos. Essa parte era engraçada também. Era bem óbvio para mim quais casais iriam se formar: a nerd com o popular; as duas melhores amigas que sempre se gostaram, mas nunca tiveram coragem de se confessarem; o babaca homofóbico com o cara seguro da sua sexualidade; o bad boy com a garota certinha.

Era, de certa forma, interessante ver o desenrolar de suas histórias. Eles agiam como se estivessem seguindo um roteiro. Ás vezes, eu ficava tentando adivinhar suas próximas ações e sempre acertava. Não achava que percebiam a forma como agiam; para eles, tudo aquilo era natural. Eu, de alguma forma, via aquelas situações como fora da realidade e isso formava um paradoxo: o mundo onde vivia era visualmente perfeito e ações como aquelas eram vistas como normais. Então como poderiam ser "fora da realidade"?

Talvez eu que estivesse fora da realidade. É, talvez eu fosse um erro na Matrix.

Mas não me entenda a mal. Não era um alecrim dourado, diferentona. Talvez eu estivesse dentro do meu próprio clichê e não estava percebendo. Talvez eu estivesse agindo exatamente como o roteiro dizia. Quando pensava nisso, ficava tentando perceber aspectos da minha vida que me indicassem as estranhezas que percebo no dia-a-dia das minhas amigas.

Vejamos: meus pais tiveram a típica história dos melhores amigos que se apaixonam e dessa união veio eu. Dentre os padrões de personagem feminina, talvez eu fosse um pouco de cada: era estudiosa, mas não a melhor aluna. Gostava de me arrumar, porém depende do meu humor no dia. Podia ser tímida ou extrovertida, dependendo da situação.

Já vivi alguns clichês na minha vida. Já namorei com o meu melhor amigo, que continuou sendo meu melhor amigo mesmo depois do término; e com uma garota que beijei em uma festa do Jackson, um cara que conhecia todo mundo e dava as melhores festas. Mas depois disso, não vivi mais nenhum. Não sabia se isso tinha a ver com o fato de que, nessa época mais ou menos, comecei a me questionar sobre esse mundo.

O que quero dizer é que minha vida é tranquila. Não a considerava monótona, mas não acontecia nada muito fenomenal nela, vamos dizer assim. E isso era até bom, porque gostava de observar as histórias das outras pessoas.

Talvez esse fosse o meu clichê. A personagem com uma vida calma, que preferia ficar na dela e observar os outros. E pretendia continuar assim. Não queria que minha vida virasse de cabeça para baixo, como geralmente acontecia com personagens assim.

O barulho da porta abrindo me tirou de meus pensamentos. Como previ, uma caravana de meninas entrou pela porta, todas com coque frouxo e expressão sonolenta. Ri baixinho, tentando manter uma expressão neutra enquanto minha amiga Cassandra sentava-se na carteira ao meu lado. Ela era a típica garota tímida e inteligente, que usava óculos, estava sempre com livros na mão e vivia desarrumada.

- Deixa eu adivinhar: acordou tarde? - sussurrei, me inclinando para perto dela.

Ela assentiu.

- Eu dormi demais, acho que estava... - nesse momento, o estômago dela ronca levemente. Cassandra fez uma careta.
- Não tomou café da manhã também - dei uma risadinha.
- Eu estava atrasada!
- Nem todo o atraso do mundo me faria sair de casa sem comer. Você pode desmaiar, sabia?
- Não vou desmaiar - ela revirou os olhos.
Realmente não iria. Todo dia ela negligenciava o café da manhã, mas continuava firme e forte o resto das aulas.
- Você realmente deveria comer algo mais tarde - Eric interveio. Ele era o meu ex namorado e melhor amigo que havia dito antes.
- Ok, ok! Eu vou comer! Podem me deixar em paz agora?
- Ih, Eric, alguém ficou estressadinha! - o cutuquei e ele riu baixinho.
Cassandra apenas revirou os olhos. Sorri um pouco antes de finalmente voltar minha atenção para a aula. No entanto, minha atenção hoje parecia estar um tanto dispersa; logo, estava olhando a paisagem pela janela, o céu com uma estranha coloração de roxo com rosa que lançava uma bela iluminação na sala onde estava; e de repente, era como se houvessem aplicado um filtro em tudo o que eu olhava: as pessoas, os objetos, a paisagem, tudo parecia ter ficado mais bonito e conceitual, se posso dizer assim.
E então, o mundo pareceu ter diminuído um pouco sua velocidade: todos se moviam de modo mais arrastado, inclusive eu. Porém, ninguém mais parecia perceber; continuavam com os olhos voltados para o quadro ou conversando com o amigo sentado ao lado.
Mesmo que esse tipo de efeito acontecesse com bastante frequência, ainda era bastante estranho. Hoje rio desse tipo de coisa, mas lembro que, na primeira vez que percebi isso, fiquei bastante aterrorizada. Cheguei a pensar que estava louca e, bem, nada me garante que eu realmente não esteja, mas essas coisas eram reais demais para serem invenções da minha cabeça.
De repente, o efeito passou e o mundo voltou à velocidade normal. No entanto, logo outra sensação tomou conta: a de estar sumindo, sendo puxada para outro lugar. Eu já sabia o que iria acontecer: uma quebra de tempo.

Uma rachadura no tempo [Sunwoo]Onde histórias criam vida. Descubra agora