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Ficamos nos encarando por um tempo considerável, eu tentando compreender o que havia de incomum nele para me causar aquela sensação. Ele parecia ser um garoto comum, talvez fosse o personagem bad boy ou até mesmo, o introvertido. Ou talvez ele não fosse o que aparentava? Quem sabe não seria um chefe de gangue ou algo assim - sim, isso acontecia com alguma frequência. Mas se assim fosse, não haveria nada fora da realidade para que eu sentisse aquilo.

O que poderia ser? Seu rosto tinha uma expressão pensativa e um quê de inocência. O que esse garoto tem de fora da realidade?

Meus pensamentos foram interrompidos quando ele finalmente desviou o olhar. Pisquei algumas vezes, como que saindo de um transe, e percebi que o garoto tinha uma expressão confusa no rosto. Talvez estivesse constrangido? Não sabia dizer. Queria ir até lá e perguntar algo, numa tentativa de descobrir mais, porém ele se levantou de supetão, saindo dali em passos rápidos.

Quis segui-lo, porém meu corpo não me obedeceu. Continuei sentada, seguindo-o com os olhos até que saísse do meu campo de visão. Bufei, cerrando os punhos. Nunca quis tanto que essa força do universo sumisse e me deixasse fazer o que queria. O que acabou de acontecer foi a coisa mais estranha desses últimos anos, desde que comecei a ver as peculiaridades desse mundo. Eu tinha que saber o que aquele garoto possuía de diferente.

Suspirei. Talvez minha habilidade estivesse se expandindo para pessoas? Provavelmente aquele garoto não tinha nada de diferente; eu que estava pensando demais. No entanto, lembrei das minhas reflexões sobre como talvez essa força maior utilize as quebras de tempo para me mostrar as partes que realmente importam. Seria, o que acabou de acontecer, algo importante?

Comecei a sentir a sensação de estar sumindo. Suspirei. Eu já imaginava que haveria uma quebra de tempo nesse momento.

***

- Filha, você ouviu o que eu disse?

Pisquei. Estava sentada na mesa de jantar da minha casa, com minha mãe e meu pai me encarando, como se estivessem esperando que eu dissesse algo. Odiava quebras de tempo desse tipo: as que me transportavam direto para o meio de uma conversa, para dar a entender que estou muito perdida em pensamentos para prestar atenção.

- Desculpe, o que o senhor disse?

- Eu perguntei como foi na escola hoje - ele deu uma risadinha - Você parece distraída.

- É impressão sua - sorri forçado - Foi tudo normal na escola. A aula que mais gostei foi a de biologia, sobre citologia. Sabiam que as mitocôndrias só podem ser passadas de mãe para filho? É muito raro que seja de pai para filho.

- Ah, é? Então isso prova que você puxou mais de mim do que de seu pai - minha mãe provocou.

- Claro que não! Ela puxou os meus olhos!

- E daí? Eu dei as mitocôndrias para ela, que com certeza têm uma função muito importante que eu esqueci, porque faz muito tempo que fiz o ensino médio.

- Elas estão relacionadas com a respiração celular, que produz a energia da célula - falei, rindo.

- Viu? Eu dei algo muito importante para ela!

Meu pai bufou, mostrando a língua para minha mãe em seguida. Ela imitou o gesto e eu só pude rir dos dois. Amava esses momentos em família; era muito evidente o quanto meus pais tinham uma forte amizade, mesmo que fossem um casal. Sempre falei a mim mesma que queria ter um relacionamento assim: cheio de companheirismo e confiança.

***

- Já tá sabendo?

De novo uma quebra de tempo desse tipo? Pisquei várias vezes, identificando que estava no corredor do colégio, com Cassandra e Eric me olhando em expectativa.

Uma rachadura no tempo [Sunwoo]Onde histórias criam vida. Descubra agora