Maya conhece o primeiro dia de aula.

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Sol. Todos nós precisamos do sol. Durante toda a minha vida as pessoas compararam os fios do meu cabelo com o dourado do sol, mesmo que não dissessem toda vez. Eu sabia o que elas pensavam. Apesar de todo sofrimento, eu era bonita. Eu sou bonita. Meu cabelo também. Talvez seja a clássica história do equilíbrio: precisamos encontrá-lo em nós mesmos, e a vida quis me presentear com algo bom para aguentar os anos de merda que eu tive durante quase todo o tempo em que estive viva. Mas a verdade, é que eu, Maya Hart, não sou o sol. Nunca poderia ser ele, na verdade; eu sou bonita, letal, posso queimar qualquer um que chegar perto de mim. Mas outra pessoa sempre carregou o apelido "raio de sol", e não sei dizer se felizmente ou infelizmente, essa pessoa não sou eu.
    As pessoas sempre me viram mais como a lua. Serena, bonita e necessária mesmo que pudesse causar uma imensa confusão. Se você está em uma rua totalmente apagada e não há lua nem estrelas a noite para iluminar o caminho, ele se torna sombrio e perigoso. Você não sabe onde irá parar, se seu pé irá afundar em um buraco ou se irão te puxar para um canto e deixar a sua família te procurando por dias. Minha mãe me ensinou isso; sobre o estrago que eu poderia fazer. Mas mesmo assim, evitei durante toda a minha vida me comparar com coisas tão belas. Por um bom tempo, não me sentia digna de nada disso. Depois de crescer mais um pouco, apenas deixei isso de lado.
    Acordei com a luz entrando pela janela. Eram cinco da manhã. Dois dias seguidos acordando cedo. O mundo devia estar acabando. Amy dormia profundamente, como se estivesse sendo protegida por alguém. Talvez estivesse, se aquela janela realmente significava tanto para ela quanto um dia significou para mim — mesmo sendo janelas tão diferentes e distintas uma da outra. Já Lia estava se mexendo de um lado para o outro; parecia estar presa em um pesadelo. Quis acorda-la, ver se estava tudo bem, mas fiquei com medo de incomodar. Então apenas levantei da cama.
    Eu estava com o cabelo amassado, a maquiagem borrada e as mesmas roupas do dia anterior. Me abaixei e abri a mala ainda feita. Deixei um longo suspiro sair da minha boca e peguei tudo aquilo que eu iria precisar para um bom banho. Antes de sair do quarto com calma e sem fazer barulho, pluguei meu celular na tomada para que ele carregasse um pouco mais. A bateria ainda estava pela metade, mas não sabia até quando estaria realmente fora dos dormitórios, e em uma emergência, era melhor tê-lo por perto. Quando me dei conta de que não eram apenas meninas no prédio dessa vez, pensei duas vezes e optei por levar comigo as roupas que eu iria usar. Depois poderia voltar para o quarto e fazer uma boa maquiagem.
    Assim que meus pés tocaram o corredor, senti um frio na barriga. Não havia muita gente transitando, e as aulas so começariam às oito. Por sorte, havia um aviso na parede principal do andar, dizendo que banheiro do nosso andar seria todo das garotas. Suspirei aliviada e entrei nele. Uma garota estava saindo e ao passar por mim, abriu um sorriso gentil. Retribui e coloquei as minhas coisas no banco que estava perto da cabine que eu escolhi para tomar banho.
    Senti a água morna cair na minha pele e no meu cabelo. Fechei os olhos e deixei que todas as células do meu corpo relaxassem por um minuto antes de começar realmente a me limpar. Eu não estava fedendo, apenas estava sem o melhor cheiro do mundo que vinha do meu sabonete e desodorante. Ri com os meus próprios pensamentos, percebendo a vergonha que eu estava. Comecei a passar sabonete em todo o meu corpo e quando percebi, já estava completamente ensaboada. Do topo da cabeça até a ponta dos meus pés.
    Desliguei o chuveiro depois de tirar toda a espuma do meu corpo e de limpar todas as partes íntimas. A maioria das garotas tinha vergonha de se trocar na frente de outras ou de tomar banho com as amigas, eu sempre encarei de forma normal. Não era bom ter pessoas estranhas olhando você enquanto lavam suas partes mais particulares, mas era da natureza de todos nós.
    Em menos de cinco minutos meus cabelos já estavam desembaraçados e eu estava com as roupas no corpo. Optei por uma calça jeans justa, azul escura, dobrada no tornozelo, deixando a tornozeleira fina com conchinhas à mostra. Acompanhei com uma blusa cigana de um vermelho fechado, mais claro do que o vinho avermelhado. Por fim, calcei a mesma botinha curta de salto do dia anterior. Meu cabelo, que iria secar e ficar levemente ondulado, estava três palmos fechados abaixo do ombro. Tinha tirado algumas pontas danificadas e deixado crescer novamente. Mas não me senti a vontade tirando muito do comprimento. Logo, logo, imaginei, ele estaria bem maior.
    Na hora em que voltei para o quarto, algumas pessoas começaram a sair indo em direção ao banheiro. Por sorte, outra vez no dia, não encontrei ninguém que eu não quisesse encontrar.
    Entrei no quarto e Lia estava acordada, vendo alguma coisa no celular. Ela me viu e sorriu.
    — Bom dia, Maya — disse, com uma voz de sono.
    Eu sorri de volta.
    — Bom dia, Lia.
    Coloquei a minha toalha perto do cabideiro que recebia a luz da janela. Em poucas horas estaria seca.
    Guardei a roupa dobrada em cima da cama e a fiz. Em poucos minutos, já tinha colocado tudo dentro do armário com os cabides que Lia havia me emprestado. Ela também me disse que, se eu quisesse, nas segundas ela lavaria as roupas e poderia levar as minhas caso eu estivesse enrolada e não soubesse exatamente o que fazer. Agradeci pela gentileza e ela completou me dizendo que no primeiro ano dela, as coisas estavam bem agitadas e que também recebeu ajuda.
    — Farei pra você o que fizeram pra mim. Nossa antiga colega de quarto nos ensinou bastante coisa sobre a universidade, inclusive os melhores horários para se tomar banho e usar o banheiro para as suas... necessidades — ela riu, sentando na cama e pegando algumas roupas que estavam separadas.
    Lia tinha o cabelo perfeitamente liso mesmo que tivesse passado toda a noite se remexendo. Não fez barulho, mas se fosse eu ou qualquer outro, ela estaria com o cabelo extremamente embolado.
     — Bom dia... — disse Amy, acordando e jogando os braços para cima, se espreguiçando.
    — Bom diaaa — disse Lia, se jogando na cama da amiga e deixando o beijo na bochecha dela. — Vem, é melhor tomar banho agora do que esperar mais dez minutos e não sair de lá nunca mais — Lia puxou Amy para fora da cama a força, deixando claro o descontentamento da amiga.
    — Não são nem seis da manhã ainda... — disse Amy, se arrastando.
    — Ah, eu sei — Lia sorriu. — Mas todo ano, e você sabe disso, os calouros resolvem se arrumar meia hora antes das aulas e você não tem mais paz depois disso. Então, a menos que queira chegar atrasada, levanta daí agora!
    Amy sorriu pra mim e acenou, esfregando os olhos. As duas saíram resmungando uma com a outra e eu me olhei no espelho. Passei uma maquiagem bem leve, apenas para dar uma boa primeira impressão e me sentei na cama, pegando o celular.
    Uma mensagem de Shawn, me desejando boa sorte. Sorri comigo mesma. Minha mãe havia se superado dessa vez: quinze mensagens grandes e diferentes dizendo que me amava e que esperava que tudo ficasse bem. Dizendo que estava preocupada. Deixei uma mensagem dizendo que estava bem e que em breve iria visita-los. Disse que os amava e peguei alguns materiais que deveria usar no primeiro dia.
    Me surpreendi com uma nova mensagem: Farkle estava me chamando para tomar café da manhã com ele. Pelo visto, eu não era a única a estar arrumada cedo. Respondi a mensagem, resolvendo dar uma chance para ele, e disse que o encontraria no café que ficava em frente a universidade. Farkle disse que iria me esperar na minha porta para ir comigo, já que o quarto dele ficava perto do meu. Literalmente.
    Antes que eu pudesse questionar, uma batida na porta soou. Resmunguei e arrastei o meu corpo até abri-la.
    Dei de cara com um Farkle Minkus trajando a touca de sempre, com uma camisa preta e calça jeans da mesma cor. Ele calçava um tênis com solado branco e a camisa, que tinha três botões em cima, estava com os três abertos.
    Eu não havia reparado direito em Farkle quando o encontrei na Europa. Não reparei quando dei de cara com ele no corredor e muito menos ontem a noite, quando ele parou na frente da minha porta. Mas pela primeira vez em muito, muito tempo, eu reparei nele. Reparei em como ele havia crescido e estava um pouco mais forte, apesar de seu porte magro. Ele estava mais alto também, apesar de quase sempre ter sido mais alto do que eu e Riley — exceto por um pequeno momento em nossas vidas. Mas Riley e qualquer outra lembrança desapareceram rapidamente, apenas deixando um Farkle maduro e com mãos bonitas enterradas nos bolsos da frente da calça parado ali, me esperando. Eu me peguei mordendo o lábio, só não sabia se era de nervoso ou por outro motivo.
    — Lady Maya Penelope Hart — ele abriu o sorriso que eu tanto amava. — Haaaaaaaaaaa! — sorri, sem medo dessa vez, e fechei a porta atrás de mim, pegando a bolsa que usaria durante o dia.
    — Farkle Gênio Minkus. Nerd. — ele sorriu também.
    — Está linda como sempre, Maya — ele estendeu o braço para que eu pegasse. Farkle pareceu pensar a respeito de sua escolha no momento em que eu hesitei. Mas o senti relaxar quando aceitei. — Podemos?
    Eu abri o melhor sorriso que consegui para as seis da manhã:
    — Podemos!

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⏰ Última atualização: Oct 28, 2020 ⏰

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