I. Você é ele.

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O vento estava mais forte naquele dia e o céu estava acinzentado como se fosse rabiscado por grafite, uma tempestade estava se aproximando. Esse era o clima comum da cidade de Danton, haviam raros dias de sol, mas, em geral, o céu estava sempre nublado, então estávamos acostumados com chuvas ocasionais.

Gosto do clima frio da cidade. É um dos motivos pelo qual não penso em ir para outra faculdade que não seja uma das locais. Gosto de chegar em casa após uma caminha numa garoa fina, de tirar meus sapatos na porta antes de entrar, e de tomar um banho quente antes de assistir a mais um episódio de uma série qualquer que tenha começado naquela semana.

Mas eu gostava ainda mais de quando estava na escola, e a chuva lá fora nos prendia dentro das salas ou dos corredores. O refeitório virava uma enorme sala de reunião durante os intervalos, era coberto por alunos, mas nos dias de tempestade o diretor liberava outras salas, como o teatro e o laboratório, contanto que seguíssemos algumas regras.

E a melhor parte disso é que eu poderia ficar sentado em uma das poltronas quentinhas e confortáveis do teatro, com os outros do time de basquete, depois de ter dito que seria mais confortável para ficarmos, sendo que tudo o que eu queria era ver Omar reunido com o clube de teatro, conversando sobre a próxima peça, e de como seu sorriso poderia ser mais brilhante do que cem mil holofotes.

– Hey, Harry. – Thomas, nosso pivô, chegou, sentando-se ao meu lado. – Ouviu o que o Tyler disse? Vai ter uma festa hoje.

– É, os barris de cerveja já estão em casa. – Tyler, o atacante, falou. – A casa vai estar livre depois das duas e a festa começa as seis.

– Espero que seus pais não voltem mais cedo como da última vez. – Chris brincou, e todos demos risada, inclusive Tyler, que relembrava do susto que passou da primeira vez em que tentou dar uma festa quando seus pais viajaram.

– Relaxa, dessa vez vai dar certo. Eu peguei a manha. – O dono da festa disse, com um sorriso convencido.

– Eai, Harry, você vai pra festa? – Thomas voltou a falar comigo.

Eu ficava meio perdido em festas como aquela, embora seja parte do time e, talvez, seja visto como popular. Não era um ambiente que eu me sentia confortável.

– Eu não sei... – Respondi, incerto, já ouvindo reclamações. – Acho que minha mãe vai precisar de ajuda na loja.

– Numa sexta à noite? Vamos, Harry, sem desculpas. – Tyler quem falou, e eu já sabia que poderia ser arrastado contra minha vontade.

– Ok, eu vou tentar ir. – Eu disse, já pensando em qual desculpa eu inventaria para dar amanhã depois de não ir.

Eles parecem ter aceitado minha resposta, então a conversa mudou de rumo para jogos de bebidas. Eu não tinha muito interesse e falava de vez em quando, mas a minha atenção maior ainda estava naquele grupo, sentados no palco, conversando e rindo.

Algumas vezes eu me perdia olhando para o garoto, reparando em sua pele cor de bronzeada, como se tivesse sido beijada pelo sol, e seu cabelo preto bem penteado para trás, com fios médios. Seus olhos eram cor de mel, naturais embora ele usasse lentes de contato. Eu sei disso porque, na primeira vez que nos esbarramos no corredor, ele ainda usava óculos redondos e grossos, ficavam bonitos em seu rosto, mas ele não gostava tanto da aparência que tinha.

Omar é filho de Ali, um dos maiores comerciantes da cidade, embora não sejam milionários, sua família possui uma boa condição financeira, boa o suficiente para ele ter seu próprio carro. Ele tinha uma irmã mais velha, que já estava se formando na faculdade, e uma mais nova, que ainda não havia chegado ao ensino médio.

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