Capítulo 1 - Entre a Luz

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Solitário. Assim era o caminho que Kal percorria até o trabalho todas as manhãs. O bairro era humilde, assim como o espírito do jovem de cabelos escuros e olhos amendoados. A viela fazia-se de terra batida. Entretanto, algo se destacava naquele cenário: uma clareira, coberta por uma densa aura.

Por vezes, Kaleo ficava admirando a estranha e opaca paisagem vazia. A massa de árvores baixas era encurralada por ervas daninhas, enegrecidas pelas sombras.

Numa determinada tarde, enquanto servia alguns cafés a meia dúzia de clientes habituais, Kal notou um par de olhos por detrás da vidraça embaçada. Eram os olhos mais lindos que já vira. A camada de gordura e poeira na superfície lisa não o impedia de admirar as pequenas esmeraldas curiosas que espreitavam o interior do recinto.

― Tenha cuidado, rapaz ― alertou o cliente, evitando que Kal derrubasse a chávena instável que segurava. ― Muitos jovens já estragaram suas vidas por um par de olhos como aquele. ― O garçom não conteve o riso, sem levar a sério o aviso.

Ao voltar para o balcão, notou um pequeno cartão sob o porta-guardanapos. A escrita metálica, e em alto relevo, cintilava de diferentes tons com a luz pálida proveniente das janelas: "Souls' Park"; e, logo abaixo, "Venha viver o seu pior pesadelo". Só então ele lembrou-se de que estavam se aproximando do Halloween.

O rapaz achava estranho que as pessoas gostassem de brincar com almas penadas. Não que acreditasse na existência de assombrações vigiando o sono dos mortais, mas mais-valia jogar pelo seguro. Contudo, Kaleo deu por si a girar o cartão entre os dedos numa busca, em vão, pelo endereço do parque.

O retorno para casa foi feito na companhia de Luca, como já era hábito. Os dois sempre acabavam por seguir o caminho mais longo, aquele que não envolvia clareiras inóspitas. O itinerário agradava especialmente o loiro, que certamente nada tinha a ver com a paragem, quase obrigatória, no pub.

Entre uma bebida e outra, o assunto do parque acabou surgindo, inevitavelmente. Luca foi apanhado de surpresa, tanto por ver o melhor amigo interessado no Halloween, como pela referência a um novo parque temático na cidade. Kaleo bem que procurou, mas acabou desiludido ao perceber que tinha os bolsos vazios. Não teria como provar do que falava.

 Não teria como provar do que falava

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Era véspera de Halloween. A noite estava mais escura do que de costume e Kal caminhava distraído, sem se atentar nesse simples pormenor. Luca havia-o trocado por uma "ruiva sedutora", parafraseando as poucas palavras da mensagem do amigo. Isso fez com que o garçom acabasse por optar pelo itinerário mais curto, aquele que não envolvia um pub mal frequentado.

Uma claridade repentina tirou-o de seus devaneios. A luz brotava da bifurcação mais à frente. Como um verdadeiro vaga-lume, Kal virou na curva à direita e avistou o enorme letreiro pendurado entre duas hastes de madeira. "Souls' Park", as letras destacavam-se em néon.

No horizonte, a roda gigante resplandecia, deixando-se antever ao fundo da clareira. Toda uma enorme estrutura tomava conta do local. Mas ele podia jurar que, de manhã, não havia nada ali.

A cabeça de um palhaço gigante, com dentes ferozes e pontiagudos, disposta à frente do túnel da entrada do parque, parecia encará-lo em desafio, de forma quase provocadora.

Um arrepio percorreu todo o seu corpo, quando ouviu a voz aveludada.

― É incrível, não? ― O rapaz esquivou-se. ― Me perdoe, eu não quis assustá-lo.

Os olhos... Kaleo não conseguia acreditar que aqueles olhos magníficos lhe sorriam novamente.

A jovem trajava um vestido branco de cetim. O caimento era perfeito em suas curvas acentuadas e os cachos definidos deslisavam sedosos sobre o tecido. Os cabelos oscilavam entre tons, não se fixando em um só, e exalavam um cheiro inebriante.

― S...sim ― gaguejou. ― E tudo em menos de um dia.

― Somos muito caprichosos. Você não faz ideia... Toma, é meu convidado. ― Ela entregou-lhe um ingresso. ― Esteja aqui amanhã, às 23:45. E não se atrase.

― Qual o seu nome? ― Kal quis saber antes de partir.

Ela balançou as ancas, sedutora, enquanto encurtava a distância entre os dois. O corpo dele retesou-se ao senti-la tão perto. Os lábios macios pressionaram docemente a face esquerda do rapaz. A mulher sorriu ao percebê-lo paralisado e subiu a boca até raspar, ao de leve, no lóbulo da orelha.

― Volte amanhã e poderá descobrir ― sussurrou.



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Souls' ParkOnde histórias criam vida. Descubra agora