Capítulo 4 - Entre Almas Gêmeas

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Era estranho pensar numa casa de horror como um esconderijo seguro. O canto escuro era preenchido por sons macabros. Ele arrepiava-se só de se lembrar do sangue falso que havia espirrado para cima dele, no temido corredor da morte, onde machados cortavam o ar. Pelo menos, ele queria acreditar que era falso.

— Você é uma deles, não é? — Ela anuiu, tímida. A pouca luz, que brotava das frestas da janela, delineava a silhueta apagada da garota. Tinha uma figura humana, mas não era de carne e osso. — Vai me atacar agora e ficar com meu corpo?

A voz saiu acusatória, porém ele não acreditava nas próprias palavras.

— Eu estava perto da roda gigante, quando você chegou. Você brilhava como uma estrela, iluminando todo o parque. A vontade dolorosa de atacar os recrutados cessou do nada. Já tinha ouvido falar sobre isso, mas deixei de acreditar com o tempo.

O jovem percebeu, então, que ela não estava fantasiada. O comprido vestido de um tom azul celeste, de cintura bem vincada, retomava ao início do século XX, época da sua última vida antes de entrar no parque.

— Eu chamo-me Kaleo. Qual o teu nome?

— Não me lembro. Minhas vidas passadas embaralham-se. Nada tem ordem, ou sentido. Tratam-me por Emerald, aqui. — Ela sacudiu os ombros, com as mãos para cima, indicando o próprio rosto.

— Esses olhos... Ela tinha uns iguais.

— A janela da alma... Usou a minha para atrair você aqui. E agora você também lhe pertence. Tem a marca dela na face.

No espelho quebrado atrás da moça, Kal viu o seu reflexo cortado. A forma de uns lábios negros sugava-lhe as cores vivas do rosto. Uma marca que se tornava visível apenas dentro do parque, comum a todos os prisioneiros.

— Você e eu estamos ligados, não estamos?

Emerald aquiesceu. O garçom não era o único que sentia a corrente de energia entre eles. Aquilo era a coisa mais real que já lhe tinha acontecido. Não era uma mera atração ou um truque de feitiçaria, era o Destino.

— Amores não correspondidos têm-se espalhado pela cidade e arredores, numa maldição com mais de um século. Corpos que deveriam receber almas que nunca chegam, porque estão aqui, presas. — O rapaz pensou em Luca, fadado a um amor fracassado com a desinteressada Cassandra. — Algumas almas têm lançado boatos de mais Parques dos Esquecidos espalhados por todo o mundo.

Kaleo não conseguiu evitar pensar que isso explicaria o tanto de divórcios nos dias atuais, mas nada comentou a respeito. Ele deixou-se distrair com a beleza singela à sua frente. O garçom já amava a forma como Emerald deixava cair a cabeça para o lado, tentando decifrá-lo com aqueles olhos grandes e brilhantes. Ela sorriu, ao ver o reflexo do amor eterno nos olhos amendoados dele.

— Se eu beijar você, ficarei sem minha alma?

Sem esperar a resposta, ele reclinou-se e colou os lábios nos dela. Ele já havia perdido tudo, de qualquer forma. As bocas entreabriram-se e eles puderam saborear o doce de um amor sem barreiras. Kal conseguia senti-la por inteiro, palpar o calor de sua pele arrepiada.

Quando abriram os olhos, Emerald parecia tão viva quanto ele.

— Você ouviu isto? — questionou a garota, radiante de felicidade ao perceber que Kaleo escutara o som ribombante. — O túnel abriu-se para nós.

Os dois enamorados corriam de mãos dadas por entre as sombras e as luzes do parque

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Os dois enamorados corriam de mãos dadas por entre as sombras e as luzes do parque. Aproximava-se velozmente da uma da manhã, e, sem Souls' Park, eles permaneceriam presos naquela clareira.

Uma alma penada surgiu, repentinamente, por detrás de uma bruxa de enfeite, fazendo os fugitivos estacarem no susto de embater na figura humanoide.

A mão translucida foi estendida no ar, em sinal de stop. O homem não parecia querer atacá-los, talvez só fosse uma tentativa de os abrandar. Uma estratégia para que não chegassem a tempo. Porém, o túnel já se antevia tão próximo. Nada, nem ninguém, os demoveria.

Kaleo e Emerald contornaram a alma como quem passa por uma simples árvore e ela ficou, ali, plantada no solo. Só já dentro do túnel que Kal se haveria de lembrar dos traços do rosto apagado de sua memória. Tarde demais.

As mãos dos dois continuavam fortemente enlaçadas, mesmo depois de serem cuspidos pelo palhaço

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As mãos dos dois continuavam fortemente enlaçadas, mesmo depois de serem cuspidos pelo palhaço. Nenhum deles reconheceu a floresta densa que os perscrutava.

Uma gargalhada sinistra ecoou no céu negro e sem estrelas. Eles iriam juntar-se às outras almas gêmeas colecionadas até então. Estavam exatamente no local em que Ela os queria.

O jogo só agora havia começado.



744 palavras

Total do conto: 3.000 palavras

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