Capítulo 3 - Entre Esquecidos

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Os vultos emergiam aos poucos, na distância. Kal ficou mais descansado por não estar sozinho, num parque enorme, com uma única garota que mal conhecia.

— Não é recomendado a crianças? Por ser demasiado assustador?

— Oh! É bem assustador! — A gargalhada malévola da jovem fez com que o rapaz começasse a ponderar estar no meio de um show bizarro. Uma atuação para entreter os visitantes. — Digamos que as crianças estão na zona cinzenta, eu não estou permitida a trazê-las.

— Você convidou mais gente? — Ele se sentiu envergonhado por ter pensado ser especial para a moça.

— Claro. O parque só abre na noite de Halloween, eu tenho de aproveitar. Duas horas antes da meia noite, se deu a estreia. Chegou um por cada quarto de hora. Você foi o último a ser recrutado, Kaleo. — O garçom pareceu confuso. — Mas não se preocupe. Não os vai conseguir ver. Nem eles a você.

O jovem analisou atentamente os vultos que se aproximavam. Quando percebeu que um deles havia empurrado o outro para a superfície giratória do carrossel em movimento, esfregou os olhos achando-se dentro de um sonho.

— Mas eu vejo-os.

— Não, querido. — Ela pousou a mão no ombro dele. Os olhos esmeralda da moça derreteram-se em ouro, quebrando o encantamento entre os dois. — Eles são o seu divertimento. Ou você o deles, ainda não percebi muito bem essa dinâmica. Enfim, agora você é um Esquecido.

— Esquecido?

— Pois, como seu pai. — A mulher sorriu fria ao vê-lo desorientado. — Você não se lembra, não é mesmo? Puff! — Ela gesticulou com as mãos na frente do rosto de Kal, fazendo-o sobressaltar. — Apagou-se da memória de todos. Mas veja pelo lado positivo, ninguém chorou a morte dele. E também ninguém vai chorar a sua.

O pobre rapaz cambaleou para trás, aterrorizado. Ao recuperar o controle, virou-se numa tentativa de fuga, mas não havia sinal de túnel algum, nem do palhaço.

— Se fosse a você, corria mesmo. Se um deles te apanha, acabou-se o jogo. E nós não queremos isso. Pelo menos, não tão rápido. Seu corpo está a prémio, e uma daquelas almas vai sair com ele. No próximo ano, você tenta conquistar um corpo para você. E pode ser que consiga sair daqui.

A gargalhada mostrava o quanto ela achava aquilo pouco provável. Os Esquecidos eram sempre mais do que os corpos que ela trazia. As almas penadas acumulavam-se no parque como cogumelos selvagens.

— Eu quero sair agora! — Kal jogou-se irado sobre o corpo da mulher e quase caiu com a cara no chão. Ela continuou a rir divertida, numa posição mais recuada.

— Não pode! Mesmo que consiga fugir deles, o parque desaparece à uma em ponto. Seu corpo virará pó em segundos, nessa altura, e sua alma ficará presa a mim na mesma. Só... tem uma exceção. — A mulher rodou o rosto para o lado, parecendo captar algo no ar. — Vou buscar pipocas, aquilo na ala Este está animado.

Ainda atordoado, Kaleo fez a única coisa que lhe restava: correu. Porque os Humanos tinham a estranha teimosia de lutar pela vida mesmo quando tudo dizia que havia chegado o fim.

 Porque os Humanos tinham a estranha teimosia de lutar pela vida mesmo quando tudo dizia que havia chegado o fim

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O condenado respirava ofegante, parado com as mãos nos joelhos. Os fantasmas moviam-se mais devagar, o que balançava o jogo a seu favor. Ainda assim, eles eram muitos e sempre parecia haver um deles em cada recanto.

Kaleo olhou para a pista do seu lado direito, cheia de abóboras horripilantes a girar desgovernadas. Os volantes mexiam-se sozinhos e os estranhos carros alaranjados desviavam-se uns dos outros com grande precisão.

Ninguém poderia fugir para sempre. Ele sabia disso. O relógio não iria compadecer-se de seu sofrimento.

Um puxão repentino na perna fê-lo desequilibrar-se. Kal agarrou-se à barra lateral metálica que cercava a atração do bate-bate e olhou para baixo. Uma mão translúcida firmava-se em volta do seu tornozelo, ainda que não a conseguisse sentir. Um homem arrastava-se no chão, feito uma cobra, pronto a vestir aquele corpo.

O garçom quis sacudir a alma penada, mas estava congelado no lugar. Uma sensação de leveza tomou conta dele, seria tão fácil render-se.

Pelo canto do olho, Kal avistou um vulto feminino entrar na pista. Ela saltou para dentro de uma das abóboras e vincou os dedos no volante com vida própria. Uma guinada rápida, e a garota levou a abóbora exatamente para onde queria. O embate feroz dos veículos provocou uma explosão de chuva laranja. Kaleo foi atirado para trás violentamente, aterrando na grama.

— Vem! — O rapaz pestanejou, deparando-se com duas esmeraldas. — Ele vai voltar à carga.

A alma penada começava a recuperar as forças da saída bruta do corpo do garçom. O encaixe não tinha sido completado apenas pela interrupção estratégica daquela estranha.

Kaleo levantou-se aos tropeços e seguiu-a em silêncio. Salvara-lhe a vida, isso era tudo o que ele precisava saber para confiar nela.



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