Toda manhã, ao sair de casa, Pedro se deparava com o caos habitual da cidade. O relógio marcava as seis e meia, e as ruas já fervilhavam com o barulho dos carros, o murmúrio dos pedestres, e o empurrão sem cerimônia da multidão que também enfrentava a longa jornada até o trabalho. Porém, havia algo de incomum nas últimas semanas. Pedro sentia uma estranha inquietação quando atravessava o fluxo de pessoas. Como se alguns olhares durassem mais tempo do que o necessário, e certas presenças fizessem o ar parecer mais denso, sufocante.Certa noite, após um dia exaustivo, ele parou em um bar para relaxar. Sentou-se ao balcão e, enquanto bebia sua cerveja, uma mulher de aparência frágil e olhos fundos se aproximou. Seus cabelos desgrenhados caíam sobre os ombros, e sua voz soava como um sussurro carregado de segredos.
- Você consegue vê-los, não é? - perguntou ela, inclinando-se para ele.
Pedro a olhou surpreso, sem entender o que ela queria dizer. Mas antes que ele pudesse responder, ela continuou:
- Os fantasmas... eu posso sentir. Você também sente, certo? O frio na espinha, o arrepio na nuca... É o início.
Ele não sabia o que dizer. Fantasmas? Aquilo era ridículo, mas de algum modo, as palavras dela ressoaram em sua mente, despertando um medo profundo e irracional.
- Daqui pra frente - disse ela, com um sorriso enigmático -, você verá uma luz sobre a cabeça daqueles que não pertencem mais a este mundo. Não tem mais volta.
Pedro riu, desconfortável. Era uma piada, claro. Ou pelo menos ele queria acreditar nisso. Mas o olhar da mulher permanecia fixo, impassível, como se soubesse algo que ele não sabia.
Pedro tentou esquecer o encontro. Mas, na manhã seguinte, quando desceu do ônibus e foi engolido pela multidão habitual, algo mudou. Ele parou no meio da rua, seu coração disparando no peito. Lá, no meio da turba de rostos anônimos, pequenas luzes brancas começaram a brilhar no topo das cabeças de várias pessoas. Como pequenos faróis sobrenaturais, as luzes cintilavam suavemente, iluminando suas presenças com um brilho inquietante.
Tentando manter a calma, Pedro desviou o olhar, convencido de que estava tendo alucinações. Mas cada vez que voltava a encarar a multidão, mais e mais luzes surgiam. Com o tempo, ele começou a notar que quase metade das pessoas ao seu redor estavam envoltas nesse brilho fantasmagórico. O pior de tudo? Eles estavam por toda parte. Nos trens lotados, nas filas de café, e, especialmente, nas ruas lotadas a caminho do trabalho.
Um dia, a sensação de terror se intensificou. Ele estava andando na calçada, quando se viu cercado por uma multidão que parecia ignorá-lo completamente. Estavam todos ali, com suas luzes, mas Pedro não ouvia suas vozes, nem sentia o calor de seus corpos. Como se ele fosse o único vivo entre uma horda de mortos. O ar parecia mais pesado, o ambiente mais frio.
Pedro, então, percebeu a terrível verdade: a maioria das pessoas que ele via todas as manhãs... eram fantasmas. Espíritos perdidos, presos em uma rotina sem fim, vagando pelas ruas como se ainda tivessem um propósito. E ele era o único que podia vê-los. A mulher no bar não havia mentido; aquilo não era uma brincadeira de sua mente. Ele agora vivia no limiar entre dois mundos, o dos vivos e o dos mortos.
Naquele dia, Pedro desistiu de ir ao trabalho. Correu para casa, trancou-se no quarto e se sentou na cama, tremendo de medo. Como ele lidaria com aquilo? Como viver sabendo que a metade das pessoas que cruzavam seu caminho não eram mais vivas?
E enquanto ele refletia sobre isso, uma nova luz apareceu na sala. Pequena, distante. Aproximando-se devagar.
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Você já parou para pensar que na multidão que você vê todo dia, pode haver fantasmas entre ela e você não sabe?
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Sussurros
HorrorContos de terror que me vêm à mente quando tudo o que me resta é escrever. ◇ Contos autorais ◇ Direitos reservados